A presidente do IEFP, Maria Adelaide Franco, recebeu subsídio de desemprego durante um ano e meio, entre maio de 2020 e outubro de 2021, no pico dos impactos económicos da pandemia, depois de ter sido despedida da sua própria empresa — e para a qual voltou a ser contratada em outubro de 2021.
Além disso, durante o período em que recebeu o subsídio de desemprego, Maria Adelaide Franco continuou a colaborar com a empresa e até a participar em conferências e a assinar documentos na qualidade de “fundadora e CEO” da empresa.
A notícia foi avançada pelo Jornal de Negócios na edição desta quarta-feira. O jornal ouviu a opinião de advogados especializados em direito do trabalho, que argumentam que pode estar em causa a violação de numa norma legal que impede o recurso a mecanismos fraudulentos que envolvam o falseamento de um despedimento.
De acordo com as respostas da própria líder do IEFP àquele jornal, Maria Adelaide Franco fundou a Mindsetplus, empresa de consultoria, em 2012, em conjunto com Ana Carolina Franco Amante — que será sua filha. Maria Adelaide Franco foi sócia-gerente da empresa até 2018, ano em que Ana Carolina Franco Amante assumiu a gerência da empresa.
Em 2020, a empresa foi afetada pela crise provocada pela pandemia, de acordo com explicações de Maria Adelaide Franco ao jornal Público. A Mindsetplus “viveu um contexto de grande incerteza em relação ao seu futuro”, disse a agora responsável do IEFP, sublinhando que, em abril de 2020, o seu “contrato a termo certo com a empresa não foi renovado“.
Na sequência dessa não renovação, Maria Adelaide Franco começou a receber subsídio de desemprego. “Foi-me, assim, atribuído um subsídio de desemprego em maio de 2020 e por um período de três anos”, disse a responsável ao Público. Contudo, Maria Adelaide Franco regressaria formalmente à empresa em outubro de 2021. Nesse mês, celebrou um contrato sem termo com a Mindsetplus.
Enquanto recebeu subsídio de desemprego, colaborou com a empresa
Durante o ano e meio que recebeu subsídio de desemprego, Maria Adelaide Franco não esteve de relações totalmente cortadas com a empresa de onde havia sido dispensada. Pelo contrário: a agora desempregada continuava a ser sócia (embora sem funções de gerência, motivo pelo qual pôde receber o subsídio) e manteve colaborações que descreve como “pontuais” com a Mindsetplus.
O Público aponta pelo menos duas dessas colaborações. Por exemplo, em dezembro de 2020, Maria Adelaide Franco assinou o relatório final de um projeto da empresa. Nove meses depois, em setembro de 2021, participou num webinar no qual foi apresentada como CEO da Mindsetplus.
Aliás, os laços entre Maria Adelaide Franco e a Mindsetplus nunca foram realmente cortados, tanto que, em maio deste ano, quando foi nomeada pelo Governo para o cargo de presidente do conselho diretivo do IEFP, a nota curricular do despacho de nomeação incluiu a seguinte frase: “Desde 2019 é consultora na MindsetPlus, em projetos relacionados com a transformação e inovação de processos, construção de equipas, transição digital, gestão da mudança e educação e formação.”
A referência à Mindsetplus não menciona qualquer período de desemprego. Pelo contrário, deixa intuir um período contínuo de trabalho na empresa, “desde 2019” até hoje.
Todavia, Maria Adelaide Franco garante que tudo o que fez para a empresa durante aquele tempo foi feito pro bono, sem receber qualquer pagamento. “Durante o período de subsídio de desemprego todas as atividades desenvolvidas a título individual ou para o apoio à sociedade não foram remuneradas nem houve qualquer recebimento a título de compensação”, disse ao Jornal de Negócios.
“Quanto a outras atividades pontuais desenvolvidas no apoio à atividade da empresa, e no quadro da minha responsabilidade de sócia e de responsabilidade pessoal, fi-lo sempre sem qualquer remuneração”, acrescentou.
Maria Adelaide Franco apontou ainda para uma desatualização da sua conta do Linkedin para justificar o facto de ter sido apresentada como CEO da empresa por “lapso” em conferências e seminários. “Efetivamente o meu Linkedin não foi atualizado nessa altura.”
Muitas dúvidas jurídicas sobre o caso
O caso da atual presidente do IEFP levanta dúvidas jurídicas sobre quais as situações em que um beneficiário do subsídio de desemprego pode receber outros rendimentos — e, especialmente, qual o tipo de relação que pode manter com a empresa de onde saiu para se tornar desempregado.
Em causa está o decreto-lei que regula o subsídio de desemprego e que inclui um artigo (60.º) que se debruça sobre o “princípio da não acumulação”. No número 4 desse artigo, lê-se: “Durante o período de concessão das prestações de desemprego é proibida a sua acumulação com rendimentos provenientes do exercício de trabalho, ou atividade, a qualquer título, em empresa com a qual o beneficiário manteve uma relação laboral cuja cessação tenha dado origem ao reconhecimento do direito àquelas prestações, ou em empresa ou grupo empresarial que tenha uma relação de domínio ou de grupo com aquela.”
O caso faz emergir duas interpretações diferentes desta disposição legal. Vários advogados citados tanto pelo Jornal de Negócios como pelo Público são unânimes em afirmar que esta formulação proíbe que um desempregado preste qualquer serviço ou desenvolva qualquer atividade, mesmo que a título gratuito, com a empresa de onde saiu antes de ficar desempregado — uma vez que o princípio da lei é o de evitar fraudes.
Já Maria Adelaide Franco garante aos dois jornais que, na sua interpretação da norma legal, só é proibida a acumulação de rendimentos, e não as atividades voluntárias.