Em pleno hemiciclo da Assembleia da República, André Ventura defendeu um projeto de lei do Chega, fez uma distinção entre imigrantes e portugueses que “trabalham, pagam impostos” e “sustentam os que cá estão e não querem a fazer nada” e foi repreendido por Augusto Santos Silva. O momento de tensão estendeu-se através de um pedido de protesto por parte do líder do Chega, seguido de mais uma resposta de Santos Silva. A meio da intervenção, os deputados do Chega abandonaram o hemiciclo e deixaram o presidente da AR a falar sozinho.

Num momento em que se discutiam alterações à lei de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, o presidente do Chega tomou a palavra para defender o projeto de lei apresentado pelo partido, que pressupunha a revisão de normas para autorização de residência para exercício de atividade profissional e em matéria de condutas criminosas de auxílio à imigração ilegal, angariação e utilização de mão-de-obra ilegal e que pretendia um agravamento de penas.

André Ventura fez toda a intervenção num tom assertivo e forte, realçando a existência de “duas visões de Portugal e da Europa” e acusando o Governo de dizer aos imigrantes “venham de qualquer maneira, não temos para os nossos mas temos para vocês”. Mais ainda, defendeu que Livre, PCP e Bloco de Esquerda pretendem que os imigrantes “venham de qualquer maneira, sejam legais ou ilegais”, sendo designados por “nomes bonitos: apátridas, refugiados, asilo”.

“Não temos para os portugueses, mas temos para os outros”, reiterou. E prosseguiu: “Só há uns que nunca têm prioridade: os portugueses que trabalharam toda a vida, que pagam impostos e sustentam este país.” O líder do Chega argumentou ainda que os portugueses pagam “tantos impostos” por andarem a “sustentar os que cá estão e não querem fazer nada, os que querem vir e não querem fazer nada e ainda os que querem vir ilegalmente e viver à nossa custa”, frisando que estes cidadãos “vêm para aqui viver dos nossos subsídios e dos nossos salários”.

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Após o fim da intervenção de André Ventura, Augusto Santos Silva foi perentório: “Como Presidente da Assembleia da República, considero que Portugal deve muito aos muitos milhares de imigrantes que aqui trabalham, que aqui vivem e contribuem para a nossa Segurança Social, coesão social, vida coletiva, cidadania e dignidade como país aberto, inclusivo e respeitador dos outros.”

André Ventura, descontente com o comentário, pediu a palavra para um protesto e instou Augusto Santos Silva a, enquanto presidente da Assembleia da República, se “abster de fazer comentários sobre as intervenções parlamentares”.

O líder do Chega prosseguiu, referindo que considera ser “difícil distinguir [Santos Silva] entre as funções de presidente da AR e de deputado do PS ou apoiante das propostas do Governo”, sublinhando que esse parece ser um “mau caminho do exercício de funções” e anunciando que o Chega apresentou uma “censura ao comportamento e atuação como presidente da Assembleia da República” por considerar que Santos Silva “não é isento”.

Augusto Santos Silva deixou André Ventura terminar e anunciou “quatro coisas“:

Não represento o PS, represento o chão democrático comum da Assembleia da República como a Constituição determina e o regimento impõe;

A minha função mais básica é a de assegurar o prestígio da Assembleia da República e, sempre que o prestígio estiver em causa, pode ter a certeza que intervirei. A Assembleia da República portuguesa representa todos os portugueses, residindo em território nacional ou estrangeiro, e acolhe e cuida também pelo bem-estar de todos aqueles que residem e trabalham em Portugal, sejam portugueses ou estrangeiros.

Não me impressiono nem com pateadas, nem com volume de som.

Estou há muitos, mesmo muitos anos empenhado na defesa da democracia e da liberdade e assim continuarei até ao fim dos meus dias.

Ainda antes de concluir o quarto ponto — depois da referência às pateadas (pelo facto de alguns deputados do Chega terem batido na mesa enquanto havia aplausos a Santos Silva) —, os deputados do Chega levantaram-se, viraram as costas a Augusto Santos Silva e abandonaram a sala. O presidente da Assembleia da República assistiu ao momento, foi atrasando o início da frase que concluiria o raciocínio e terminou quando já nenhum deputado estava no hemiciclo. No fim, voltou a merecer aplausos de grande parte do Parlamento.

Chega acusa Santos Silva de estar “refém” do PS e apresenta censura

Depois do sucedido, o Chega marcou uma conferência de imprensa para explicar que, depois de ter usado a figura do “protesto” e da “advertência”, o partido se sentiu obrigado a apresentar uma “censura inédita ao presidente da Assembleia da República”, justificando que abandonou o hemiciclo por apenas “restar mostrar fisicamente que não compactua com este tipo de atitude”.

“O presidente da Assembleia da República está refém desta maioria absoluta”, apontou o líder do Chega, que falou aos jornalistas rodeado por todos os deputados eleitos pelo partido, frisando que Augusto Santos Silva age como “deputado de um partido maioritário”.

Aos olhos do presidente do Chega, este é um caso inédito na “história da democracia“, o que o leva mesmo a desafiar os deputados mais velhos a recordarem outros momentos idênticos.

Para o Chega é um “mau precedente” que este tipo de reprimendas aconteça e, como tal, reiterando o que disse ainda dentro do hemiciclo, o partido vai apresentar uma censura ao presidente da República em setembro, quando começar o ano parlamentar, por considerar que Santos Silva pretende “silenciar” o partido e que tem a “complacência” dos outros partidos que, disse, “acham que assim anulam ou cercam o Chega”.

“Santos Silva tem de decidir se quer ser presidente da Assembleia da República ou se quer ser Eurico Brilhante Dias [líder da bancada parlamentar]. Tirem de lá o Eurico que não está lá a fazer nada”, atirou.

André Ventura explicou que não se trata de uma “moção de censura no sentido jurídico”, mas entende que “não deixa de ser politicamente um ato de censura, que [caso aprovado] tira a Augusto Santos Silva a capacidade e as condições para continuar a exercer funções”.

O líder do Chega considera que esta é uma reação à “tirania” da qual acusa o presidente da AR e realçou que se a censura não for aprovada deverá haver um recurso para os meios judiciais.