Quando os responsáveis do Manchester United começaram a ler as notícias que ligavam Cristiano Ronaldo ao Atl. Madrid, que tiveram início no jornal espanhol As e que se estenderam de seguida à edição de fim de semana do The Times, houve uma espécie de clique sobre a real situação do avançado português: estava disposto a tudo para sair. Porque a relação com os colchoneros sempre foi complicada, porque em alguns pontos o número 7 é quase a antítese do que Simeone quer, porque os próprios adeptos iniciaram campanhas não a favor mas contra a sua contratação, porque iria beliscar um legado que parecia à prova de bala no rival Real. No entanto, tudo isso aconteceu. Mais: os red devils sabiam porque tinha acontecido. E isso mesmo ficará confirmado esta quarta-feira, com o jornal Marca a falar em “novela de verão” na capa.

Hipótese Espanha ganha força para Ronaldo: Manchester United admite emprestar (com uma condição), Atl. Madrid procura vender Griezmann

Se em relação ao propalado interesse do Chelsea tinha existido um parecer afirmativo de Richard Arnold, novo chefe executivo do futebol do Manchester United para que as partes pudessem falar, agora esse tema já se tinha tornado quase uma espécie de leilão. Por opção do técnico Thomas Tuchel, a escolha de Todd Boehly, novo proprietário dos blues, recaiu em Sterling e na aposta no setor defensivo. Bayern (que além de Sadio Mané confirmou agora Mathys Tel, entre o dinheiro investido no reforço de outras posições com De Ligt, Gravenberch e Mazraoui), PSG ou Barcelona foram outros clubes que se foram afastando, Roma e Nápoles apareceram na “confusão” mas nunca contaram, da Arábia Saudita chegou ainda uma proposta milionária para todas as partes por dois anos que nunca chegou sequer a ser discutida.

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Contas feitas, nenhuma solução para o problema. E era neste contexto que ambas as partes se voltavam a encontrar esta terça-feira, no centro de treinos de Carrington, onde acabou por não haver folga ao plantel após a digressão por Tailândia e Austrália como chegou a ser ponderado. Ronaldo não chegou sozinho e na sua viatura seguiam também Jorge Mendes, empresário desde os tempos de formação do Sporting, e Ricardo Regufe, um dos melhores amigos do jogador e com ligações profissionais em várias vertentes como na representação da Nike ao avançado. Erik ten Hag e Richard Arnold foram de forma separada, cada um na sua viatura, mas também não estavam sozinhos – o antigo treinador Alex Ferguson foi chamado.

Desde o final da última época que Ronaldo não estava em Carrington, tendo falhado o início dos trabalhos como todos os internacionais da equipa e tendo ficado ausente na mesma no dia em que era suposto voltar aos treinos com a equipa, não marcando presença na lista de convocados do United para a digressão de pré-temporada (com todo o impacto que isso teve também a nível de marca). Ficou apenas a tratar de “problemas pessoais”, argumentou sempre o clube, recusando em todas as ocasiões a possibilidade de querer vender o número 7. Assim, e enquanto Jorge Mendes se foi desdobrando em contactos para ver as reais hipóteses de saída que poderia ter em cima da mesa, Ronaldo ficou a treinar em Lisboa, em ginásio ou no campo, contando algumas vezes com os amigos José Semedo e Miguel Paixão e o filho Cristianinho.

Os problemas pessoais reiterados, a presença de Ferguson e o regresso aos treinos

Assim, e antes do encontro que se esperava suficientemente decisivo para terminar a novela, os cenários estavam definidos. Se no final da última época Ronaldo admitia sair por considerar que a equipa não era suficientemente competitiva para ganhar títulos e por não estar presente na próxima Liga dos Campeões, agora eram questões pessoais, nomeadamente a vontade da família não regressar a Manchester depois do episódio traumático da perda de um dos gémeos em abril, que imperavam na decisão de querer rumar a outro clube e cidade. Da parte do Manchester United, e de acordo com os meios britânicos, essa justificação era aceite e o clube até poderia estar disposto a ceder por um ano de empréstimo o jogador caso ficasse já acordado que a cláusula de opção no contrato vigente seria acionada e voltaria em 2023/24.

Nesse cenário, e partindo apenas desse cenário que perante a presença de Alex Ferguson podia perder força pela conhecida ligação do antigo treinador quase como um mentor de Ronaldo (foi a peça chave no último verão para o português voltar ao United e não prosseguir as negociações com o rival City), não existiam muitas soluções para o português – ou o Atl. Madrid conseguia encontrar a folga financeira para contratar o número 7 com a cedência de Griezmann ou Morata e outro jogador ou a hipótese Sporting, que nunca deixou de ser possível mas num cenário de última etapa da carreira e num contexto diferente de todos os que tinha encontrado até agora. É por isso que, em Alvalade, a possibilidade de regresso para já continua a ser recusada mas com uma nuance: a mesma dependeria mais do jogador e das condições que colocasse do que do próprio clube. Ainda assim, o que antes se dizia impossível este verão é agora visto de outra forma.

“Obviamente que temos que respeitar as decisões de qualquer um. Não sei o que Cristiano disse ao clube, ao treinador, nem sequer sei o que lhe passa pela cabeça neste momento, mas temos de respeitar a sua privacidade. Tudo o que sabemos é que teve alguns problemas familiares, por isso temos de respeitar o seu espaço, dar-lhe tempo e é isso. O Cristiano foi o nosso melhor marcador na última temporada, ele trouxe golos à equipa, mas obviamente que não é uma decisão que me cabe a mim tomar, é o clube que tem de tomar decisões e o Cristiano fazer a sua escolha. A única coisa que eu perguntei ao Cristiano quando ele não apareceu [no regresso aos trabalhos do Manchester United] foi se estava tudo bem com a família dele e ele contou-me o que se estava a passar. Foi isso, nada mais”, contou nos últimos dias Bruno Fernandes.

“A situação do Ronaldo é clara: ele não está à venda. Eu quero trabalhar com ele, sobre o resto não posso dizer mais nada porque a situação é a mesma de há uma semana. Ele está a treinar e todos sabemos que ele é um enorme profissional. Vai estar em forma. Essa é a última preocupação que tenho. Eu quero a equipa a jogar de uma certa forma e o Ronaldo, como jogador de topo que é, pode participar. São os jogadores que dizem como jogas, especialmente aqueles que marcam golos, porque são extremamente importantes para a equipa e tens de construir à volta deles”, referiu Ten Hag ao The Athletic. “Não tenho novidades, é o mesmo que na semana passada. Porém preocupado não será talvez a palavra certa. Estou concentrado nos jogadores que tenho e estão a sair-se muito bem. Estão em boa forma, quero focar-me e desenvolver isso. Não posso esperar que volte… Depois poderemos integrá-lo”, argumentou em Perth, na Austrália.

“Trabalho feito”, escreve Ronaldo longe de Manchester. “Sei que há uma opção para ampliar contrato”, diz United

Em paralelo, o treinador admitiu publicamente a necessidade de contratar pelo menos um avançado, numa altura em que o Manchester United já conta com três reforços para 2022/23: o lateral esquerdo Malacia (Feyenoord), o médio ofensivo Christian Eriksen (Brentford) e o central Lisandro Martínez (Ajax). Todos marcaram presença na sessão de trabalhos, desta vez um pouco mais tarde depois de uma palestra de Erik ten Hag no relvado antes de um particular à porta fechada com o Wrexham esta quarta-feira.

A proposta apresentada por Mendes e a mensagem enigmática de Ronaldo

Aquilo que saiu de Carrington para a imprensa não foi propriamente igual mas teve um ponto em comum: as partes não se aproximaram em nenhum ponto, sendo que para uns ficou tudo na mesma e para outros o jogador tem um pé e meio fora do clube. Ainda assim, o The Telegraph continua a manter o Manchester United irredutível em relação à possibilidade de saída perante a vontade reiterada pelo avançado. Um outro dado acabou por ser “desmentido” ao longo do dia em relação a Alex Ferguson: se de manhã a ida da lenda do clube ao centro de treinos estava apenas relacionada com uma reunião com os dirigentes David Gill e Richard, à tarde foi assumido que o antigo técnico terá também tentado demover o número 7 de deixar os red devils esta temporada. “O plano Ferguson também falhou”, escreve o jornal Marca.

Segundo o programa El Partidazo de Cope, da cadeia Cope, Jorge Mendes apresentou uma tentativa de solução concreta ao Manchester United: Ronaldo comprometia-se a acionar já a cláusula de opção que está prevista no contrato para 2023/24 e o clube admitia cedê-lo durante uma época a um clube que jogue a Liga dos Campeões na próxima temporada. A resposta não é conhecida mas há um ponto importante de análise que será sinal de algo, tendo em conta que Ronaldo saiu a meio da tarde de Carrington com a carrinha dos seus seguranças privados e Mendes e Regufe terão ficado nas instalações.

Na conversa com Ten Hag, as duas partes voltaram a dizer o mesmo: o técnico fez ver que tem um projeto ambicioso no plano desportivo e que essas melhorias já se começam a ver nos jogos de pré-temporada, o avançado não colocou a ideia em causa mas voltou a repetir as mesmas razões para pedir a saída. Antes, no primeiro treino que fez com os restantes companheiros, o ambiente terá sido bom, sem qualquer celeuma contra o capitão da Seleção pelo que está a acontecer e estando como já era habitual mais próximo dos jogadores portugueses e brasileiros por uma questão de afinidade. Ronaldo trabalhou no ginásio, fez treino de campo, almoçou com os restantes companheiros e saiu de Carrington um pouco antes das 17h.

Entretanto, em Espanha, Enrique Cerezo, presidente do Atl. Madrid, abordou pela primeira vez em termos públicos sobre a possibilidade de contratar o português. “Não sei quem inventou a história do Cristiano mas é praticamente impossível que venha para o At. Madrid”, assumiu ao programa El Partidazo de Cope. Assim, e confirmando-se que não se trata de um qualquer bluff a tentar ganhar tempo e espaço no plantel e na folha salarial para apostar no número 7, os colchoneros eram mais uma equipa que ficava fora do lote de possibilidades. E, caso não exista um recuo que levasse à permanência em Old Trafford, algo que continua em cima da mesa, o Sporting voltava a surgir como possibilidade a curto prazo, numa espécie de antecipação de cenário que o jogador já tinha previsto mas não enquanto tivesse ligação ao United. Alheio a todos esses rumores, Ronaldo colocou uma enigmática mensagem na sua conta oficial do Instagram após sair do centro de treinos de Carrington: “A genética carrega o revólver, o estilo de vida puxa o gatilho”.