Serão sobretudo as empresas industriais que vão ser chamadas a pagar a compensação às centrais a gás pelo teto do preço imposto no mercado ibérico desde junho. O esclarecimento foi feito pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) depois de o presidente da Endesa ter afirmado que a fatura da eletricidade dos clientes domésticos poderia subir 40% a partir do final de julho e de agosto, por ter de suportar o défice entre o preço de gás natural e o teto que os governos de Portugal e Espanha colocaram ao gás usado para a produção elétrica.

Em entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios, Nuno Ribeiro da Silva referiu que os clientes, incluindo domésticos, serão chamados a pagar esse défice na medida em que têm de renovar os seus contratos, ou seja, a partir do momento em que se vençam os contratos que atualmente asseguram preços fixos. Este universo de clientes é ainda reduzido, mas irá crescer à medida que mais pessoas tenham de renovar o seu contrato (cujo prazo é em regra anual), referiu.

As declarações do presidente da Endesa já tinham suscitado um comunicado do Ministério da Ação Climática a contestar a dimensão dos aumentos referidos pelo gestor onde classificou as declarações de “alarmistas”. E ao final da tarde a ERSE veio afirmar que o universo de pagantes dessa diferença é sobretudo composto por empresas, que representam 18% do consumo nacional em junho e 29% em julho.

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A ERSE não comenta a dimensão dos aumentos referidos por Nuno Ribeiro da Silva, mas sublinha: “Os comercializadores — como a Endesa —, na quantidade de energia aprovisionada através de contratação a prazo ou intra grupo, com preços firmes, estão isentos do pagamento do custo do mecanismo. Nesse sentido, os seus clientes com ofertas comerciais de preço firme, e como tal não beneficiando do presente mecanismo, não poderão ser onerados por um custo relativamente ao qual o comercializador não incorreu”.

O regulador avisa ainda que “estará particularmente atenta a esta situação e não hesitará em atuar, em caso de incumprimento nesta matéria, por parte dos comercializadores”.

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A ERSE confirma que o diferencial de preços do gás natural que é incorporado no mercado ibérico de eletricidade, face ao preço real do gás, é “suportado pelos consumidores que beneficiam deste mecanismo, ou seja, consumidores que têm ofertas comerciais com indexação ao mercado diário (spot) e novas contratações”. Este universo é maioritariamente composto por empresas.

O regulador sinaliza que o preço do gás natural apresenta valores muito superiores, acima dos 120 euros por MW que resultam do teto de 40 euros por MW hora, mas destaca também que os consumidores que beneficiam dos preços controlados por esse teto, e que serão chamados a pagar os custos do ajustamento, conseguem obter um “ganho face aos preços que seriam observados sem esta intervenção”.

Ou seja, ainda que essa compensação se traduza em aumentos dos preços que o gestor da Endesa admitiu poderem chegar aos 40%, esse aumento será menor do que resultaria na fatura caso o teto ao preço do gás não tivesse sido implementado.

Isto porque o limite aplicado em junho permite desligar o preço do gás do preço da eletricidade que não é produzida a partir do gás. Até então, toda a energia vendida numa hora em que o preço fosse fixado pelo gás natural recebia o mesmo valor, mesmo as renováveis e nucleares que têm custos de produção mais baixos. Agora a energia vendida nessa hora está dentro do teto estabelecido e apenas as centrais a gás são compensadas pelo custo mais alto que têm com o combustível. É daqui que vem a poupança para os clientes compradores que, em tese, será maior do que as compensações a pagar.

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No comunicado onde contesta a existência de um défice tarifário — é precisamente para o evitar que as compensações têm de ser já pagas pelos consumidores beneficiados — o Ministério do Ambiente e Ação Climática apresenta as seguintes contas: o preço médio no mercado ibérico para domingo é de 114,14 euros por MWh mais 84,94 euros por MWh do ajustamento, o que resulta em 199,08 euros por MW. Este valor compara favoravelmente com o valor de 253,16 euros por MWh, caso não existisse mecanismo, traduzindo-se, assim, numa redução de 54,08  euros por MWh, que corresponde a uma poupança de cerca de 21%.

O presidente da Endesa alertou ainda nesta entrevista para uma preocupação que as elétricas já manifestaram aos governos de Portugal e Espanha, tal como o Observador noticiou e que é o argumento de que este mecanismo beneficia muito mais Espanha do que Portugal. Isto porque Espanha adotou uma “tarifa populista” na qual estão 11 milhões de famílias, que baixou muito durante a pandemia e agora está a subir muito. Daí que o Governo espanhol tenha estado muito mais empenhado nesta medida que o português, conclui.

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O risco de Portugal ficar a perder foi considerado no processo de negociações com a Comissão Europeia que também o sinalizou, tendo sido incluída uma correção ao mecanismo original pela qual apenas os consumidores que beneficiam do teto terão de pagar as compensações às centrais a gás natural. Esta ressalva reduzido no entanto o universo de pagantes pelo menos na fase inicial de aplicação do mecanismo. E há duas outras razões pelas quais a compensação está a ser mais pesada do que o inicialmente previsto: o agravamento da seca que obriga a recorrer a mais energia térmica gerada a partir do gás e a escalada do preço do gás natural depois dos cortes de fornecimento por parte da Gazprom.

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O presidente da Endesa admitiu ainda que os clientes industriais que não tenham um contrato a prazo, mas estejam expostos à flutuação dos preços no mercado também estão a ganhar com este teto. Para Nuno Ribeiro da Silva o teto do gás nunca foi uma boa medida porque não resolve o problema de fundo. As elétricas sempre contestaram esta intervenção nos preços grossistas.