Conversa acessória? Numa primeira avaliação, pode parecer estranho que os brincos de pouco mais de quatro libras (ou cinco euros) mereçam tanta atenção, mas depois de Liz Truss ter escolhido a acessível peça da marca Claire’s para o frente a frente na BBC a troca de impressões tornou-se essencial. Enquanto o seu oponente, Rishi Sunak, se foi valendo, como é hábito, dos fatos de quatro dígitos e do melhor calçado italiano, a secretária da Cultura, e apoiante de Truss na corrida à liderança dos Conservadores britânicos atirou a acha que faltava: Liz estava preparada para percorrer o país na tradicional versão low budget, como os tempos recomendam, enquanto o rival não olha a gastos nas suas aparições públicas.
Aos 47 anos, a adversária de Sunak não é apenas louvada pelas escolhas frugais — é também várias vezes acusada de emular o estilo de Mrs. T, ou Margaret Thatcher (uma referência assumida), em especial quando o característico azul Tory e os vestidos pencil entram em cena, numa dedicação extrema às marcas mais populares do reino. As blusas com laçada, o blazer escuro e outros pormenores saídos de 1979 foram recuperados ao milímetro para o primeiro debate nesta maratona. E a internet apressou-se a traçar comparações depois desse momento a 15 de julho no Channel 4.
“Não raras vezes, as citações do manual de Thatcher são conscientes: cores brilhantes, particularmente em azul e vermelho, são uma imagem de marca de guarda-roupa para Truss.”, escrevia ainda em 2021 o Politico sobre a “nova Dama de Ferro”, uma modalidade 2.0 de Maggie. Se Margaret Thatcher confiou na Aquascutum durante o seu consulado (marcado por 120 idas ao cabeleireiro num só ano), Truss é conhecida por apostar em marcas como a Karen Millen, quase sempre nacionais e com valores pouco proibitivos. Para se apresentar no debate mais recente, em Exeter, recuperou um vestido usado em 2021, em Manchester, e de novo nesse ano, em Glasgow, que não terá ido além das 200 libras (cerca de 239 euros). Segundo o Daily Mail, é ainda fã da marca de design londrina Winser (elegendo um vestido roxo Grace Miracle de 185 libras) e de outras marcas de fast fashion como a LK Bennett e a Whistles, ou ainda o site The Fold. E não se pense que o simples nome de um vestido é um dado irrelevante numa análise semiótica desta natureza. Que o diga o sempre atento twitter.
Perita a reciclar guarda-roupa, reincide nos tons e nas peças de outerwear como o casaco bege ou os blazers ao melhor estilo Union Jack. Ousada nos acessórios, não estranhe ser a vir com uns sapatos amarelos ou uma carteira encarnada, arriscando em combinações inesperadas. O azul predomina nos mais variados looks, em uniforme estruturado ou em linhas mais fluídas, como aliás se viu nesta intervenção recente.
Se esses laivos de começo dos anos 80 conferem para alguns um ar excessivamente datado, Truss é conhecida também por gostar de agitar o figurino – nem sempre da forma mais bem sucedida, entenda-se. Os dias em que optou por um conjunto de fato calça rosa choque ou em que ousou combinar uma saia pelo joelho com com ankle boots não terão sido dos mais felizes em matéria de indumentária e perduram até hoje no lado mais sombrio do imaginário coletivo — de resto, o domínio irrepreensível da arte da alfaiataria ainda é uma promessa por cumprir.
Elizabeth já foi fotografada a sair de casa com uns práticos ténis e em outubro de 2021 o The Times não hesitava em rotulá-la de nova influencer no Instagram. “O escrutínio da moda ao qual as mulheres políticas são submetidas pode parecer injusto. É mesmo. No entanto, pode ser dividido em uma espécie de potência. O que pode parecer uma vulnerabilidade pode se tornar uma fonte de força. Uma funcionária pública que trabalhou com Truss anos atrás lembra-se dela “sempre parecendo impecável e colorida, enquanto todos os políticos homens pareciam aborrecidos”.
Ao Daily Mail, Truss confessaria que a sua guru de estilo é a sua prole adolescente, provavelmente a mesma que lhe incutiu o gosto pela cantora Taylor Swift. Apesar de “bastante contida”, um olhar chega para dar a entender que a mãe não deve sair de casa com esta ou aquela roupa. “Houve uma transformação de estilo, cortesia de sua filha de 13 anos, Liberty, assinalava a You Magazine em 2019. “Ela tem uma ideia muito pop colorida”, admitia Liz. “Faz compras em lugares como a New Look e River Island, e apresenta-me a lugares em que não pensaria muito.”.
O poder das redes não é estranho à mulher que desempenhou vários papéis em Westminster desde que encetou a sua carreira, em 2010. Truss é uma entusiasta assumida do Instagram — tanto que os funcionários do Departamento de Comércio Internacional diziam, em jeito de brincadeira, que trabalhavam no Departamento de Instagramming Truss. “Ironicamente, ela mesma fez todo o Instagram”, conta um deles. Livre de timidez, é ali que Liz tanto posa com equipamento militar num tanque na Estónia, como num porta-aviões, ou a andar de bicicleta com um guarda-chuva com as cores da bandeira do Reino Unido. Claro que não se livra de momentos menos bem conseguidos, que em dois tempos se transformam em acontecimentos virais. Como o dia em que surgiu num registo que mais parecia saído de Handmaid’s Tale.
We need more ministers with real job experience like Liz Truss (emerged from the mist in glades to dispense apples that put you into a coma until true love’s first kiss) pic.twitter.com/SK8fmkAXPT
— James Felton (@JimMFelton) April 12, 2022
Será bem mais difícil identificar um desalinho no candidato com quem por estas semanas divide atenções — ou pelos menos são outros os motivos de reparo. Quando o assunto é aprumo e cuidado com a imagem, poucas dúvidas restam de que Rishi Sunak protagoniza um updgrade claro em reação a Boris Johnson. De forma tão vincada até, diga-se, que as opções de moda não escapam à crítica dos mais austeros, em especial em momento de crise pré-anunciada. Com um estilo à medida de uma capa GQ, que já consagrou “Dishi Rishi” como um dos mais fancy, o antigo ministro das Finanças de 42 anos paga não raras vezes pelo excesso de sofisticação e preferência por marcas upperclass. “Mais Southampton, menos Sillicon Valley”, ironizava o The Telegraph nessa chamada de alerta ao candidato que disputa a liderança com Truss, numa corrida de fundo com meta aprazada para 5 de setembro.
Fiel aos mais rigorosos e exclusivos padrões de Saville Row, a etiqueta Henry Herbert não passou despercebida no interior do blazer de Sunak. Muito menos os sapatos Prada de camurça castanha (que roçam as 500 libras, ou 597 euros) que escolheu levar ao cenário de um obra, que porventura aconselharia uma opção mais económica. Detalhes que talvez escapem ao entendimento de um comum bilionário.
Convém enquadrar que Sunak e a mulher, Akshata Murthy, valem juntos, estimou em maio o Sunday Times, qualquer coisa como 730 milhões de libras (872 milhões de euros), quando conjugadas ambas as fortunas. E que se uns censuram os gostos dispendiosos outros interrogam-se: até que ponto deve um privilegiado esconder o seu privilégio? Será que a bijutaria barata faz mais por um candidato que umas solas de luxo? É possível apurar vencedores claros desta luta? “Rishi Sunak é um homem muito rico. Não é surpresa que ande por aí a comprar roupas caras em vez de procurar pechinchas em lojas de caridade. Deixem-me lembrar-vos: podia gastar muito mais do que 3.500 libras num fato por medida. As roupas chiques da Huntsman ou Kilgour podem ascender aos cinco dígitos.”, nota um antigo oficial da Câmara de Comuns.
Numa era em que muitos lares europeus têm pela frente decisões difíceis, o The Telegraph ensaia algumas dicas de modéstia para Sunak e, porque não, de coolness, como aparecer mais vezes em mangas de camisa, como Barack Obama tão bem protagonizava. “Não cai bem com esta crise no custo de vida, com as pessoas a terem de escolher entre aquecimento ou alimento. Ele pode ter que recorrer a fatos por medida para se ajustar à sua estrutura, mas há formas mais acessíveis de o fazer. Tente a Burtons, a Reiss ou a Ted Baker.” Nem só de Prada vive o político que confia nos ténis Common Projects (sempre na ordem das centenas), nos chinelos Palm Angels, na garrafa térmica inteligente de 180 libras, no exercício matinal na Peloton, e que continua a gastar 13 mil libras (16 mil euros) por ano para aquecer a sua piscina.
“Casados desde 2009, Rishi e a mulher possuem uma série de propriedades de luxo no valor estimado de 15 milhões de libras, de uma cobertura no Pacífico em frente a um enclave de celebridades em Santa Monica, até uma mansão em North Yorkshire. Em Londres, possuem duas propriedades, incluindo uma casa de cinco quartos em Kensington e um apartamento pied-à-terre na Old Brompton Road, em South Kensington.”, resume o Evening Standard.
O consenso nesta matéria é improvável. Por mais que o recato seja um caminho seguro, um ícone de estilo é sempre um ícone de estilo. Um hoodie cinzento com capuz sobre camisa e gravata? Check. E, já agora, o hoodie é de caxemira? Em março de 2020, com a pandemia lá fora, Sunak liderava aquilo que entretanto foi cunhado como estilo “chancellor chic”, numa referência ao look descontraído que mostrava aos seguidores enquanto trabalhava a partir de casa.
Working from home and wishing @BorisJohnson and @MattHancock a speedy recovery. #StayHomeSaveLives pic.twitter.com/i3WuABOE4p
— Rishi Sunak (@RishiSunak) March 27, 2020
Em novembro daquele ano, para o Standard, Chloe Street dissecava o “guarda-roupa vencedor” de Rishi Sunak, um “exercício confiante” de afirmação permanente, sublinhando as inevitáveis leituras. “Importa se um político está bem vestido? Não, no sentido de que um político mal vestido pode fazer um bom trabalho, não importa. No entanto, os fatos poderosos de Margaret Thatcher, o casaco verde de Michael Foot, o boné de Jeremy Corbyn e os kitten heels de leopardo de Theresa May são a prova de que notamos se nossos líderes políticos sabem manejar um guarda-roupa. E Sunak está excecionalmente bem vestido.”, sentencia.