Capacidade de resistência, grande organização com e sem bola, competitividade do início ao fim. Apesar de ter estado oito meses sem competição oficial e resumida a jogos particulares que em muitos casos serviam sobretudo para o desporto passar uma mensagem política (e angariar mais meios para aqueles que estão na guerra), o Dínamo Kiev fez aquilo que alguns consideravam impossível e passou eliminatórias até ao playoff de acesso à Champions, deixando para trás os turcos do Fenerbahçe orientados por Jorge Jesus e os austríacos do Strurm Graz. Sempre na segunda mão, sempre no prolongamento, sempre a lutar contra as dificuldades de quem viu partir os melhores jogadores estrangeiros e tem de resumir as caras novas à formação treinando e jogando desde fevereiro também fora da Ucrânia (neste caso em Lodz, na Polónia).

Benfica vence Dínamo Kiev na Polónia por 2-0 e tem pé e meio na fase de grupos da Champions

“Eles têm o favoritismo e a superioridade técnica mas nós temos coração. O Benfica fez boas transferências, como o Enzo [Fernández], Florentino [que regressou de empréstimo] e o David Neres, que treinei no Shakhtar. Aumentaram o seu valor e jogam um futebol espetacular. Só posso agradecer aos meus jogadores pelo empenho em condições incomparáveis. Queremos compensar as ausências com outros jogadores, com trabalho. Será um jogo muito difícil mas estamos preparados”, tinha referido na antecâmara o experiente treinador Mircea Lucescu. “Vamos jogar pelos heróis da Ucrânia, pelo povo ucraniano, mas também pelos polacos que nos apoiam. Sentimo-nos em casa em Lodz”, acrescentara Oleksandr Andriyevskyi.

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Era neste contexto que o Benfica se deslocava à Polónia, com um ligeiro favoritismo teórico mas ciente do que o Dínamo Kiev tinha conseguido fazer antes, nomeadamente o facto de também não ter sofrido golos nos dois encontros realizados em “casa” nas duas rondas das pré-eliminatórias. “Espero uma equipa motivada. São uma equipa muito boa, não é fácil jogar na casa deles. Têm uma boa mentalidade e uma boa condição física. Têm uma forte capacidade para se adaptarem e e espero um jogo aberto”, elogiara Roger Schmidt, minimizando as ausências nos ucranianos já desfalcados como a de Sydorchuk.

“Se este é o jogo mais importante da temporada? O próximo é sempre o mais importante… Para nós, clube e adeptos, seria ótimo jogar na Liga dos Campeões. Vamos ter de mostrar que somos melhores e que merecemos estar na fase de grupos. Não houve muitas mudanças neles e a chave será estarmos focados em nós e acreditamos em nós, respeitando o adversário. Tento preparar a equipa o melhor possível. Não temos de fazer algo de especial mas sim manter o nível e temos boas hipóteses de manter o nível amanhã. Ambos merecem estar na fase de grupos mas só um pode. Temos de mostrar que somos os melhores. Queremos ser essa equipa”, destacara, confirmando ainda a disponibilidade física de Neres.

Depois de uma eliminatória com pouca história diante dos dinamarqueses do Midtjylland, tendo em conta a superioridade expressa nos resultados, nos números e nas exibições, e de uma goleada a abrir a Primeira Liga frente ao Arouca, o Benfica chegava a Lodz após o triunfo mais complicado da temporada em Leiria frente ao Casa Pia, naquilo que ficaria também como uma “recomendação” para o teste mais exigente da época até ao momento frente ao Dínamo Kiev sobretudo pela necessidade que a equipa teve de dar largura ao seu jogo e explorar as laterais para fugir a um corredor central bloqueado pelos gansos. E era por isso que se abriam hipóteses de mexidas na equipa inicial que tem feito todos os jogos (até na pré-época) a não ser por problemas físicos como os que afastaram Neres ou condicionaram Gonçalo Ramos.

Ao contrário do que chegou a ser levantado por alguma imprensa, Ramos foi mesmo titular recuperado das questões físicas e Neres voltou ao seu lugar estando a 100%. O primeiro, que em todos os jogos marca ou assiste (e assim continua), fez o golinho da ordem; o segundo, que já falhara também o encontro fora com o Midtjylland, veio mudar por completo o jogo ofensivo dos encarnados. Aliás, se com Casa Pia o primeiro tempo mostrou um Benfica “coxo” e sem ser capaz de desequilibrar pelas alas também pela inércia dos laterais, agora o brasileiro conseguiu deixar a defesa ucraniana “coxa” com movimentos interiores que davam a largura a Gilberto pela direita e permitiam ainda a Rafa receber noutros espaços. Sem marcar ou assistir, a equipa melhorou e muito com Neres em campo. E, com isso, o Benfica ficou com pé e meio na fase de grupos da Liga dos Campeões, com todos os milhões que esse apuramento representa.

Num movimento que voltaria a fazer a diferença por mais do que uma vez, David Neres deu início à jogada do primeiro sinal de perigo junto a uma das balizas, com Gilberto a libertar em Rafa que assistiu Gonçalo Ramos na área para o remate às malhas laterais (3′). O Dínamo Kiev ainda teria uma boa saída rápida ao aproveitar um lance em que Enzo Fernández perdeu a meio-campo, com Vlachodimos a defender o remate de Besedin quando estava fora de jogo (8′), mas seria o Benfica a continuar a dominar e sobretudo a ser eficaz também na primeira tentativa enquadrada à baliza: Grimaldo subiu bem pela esquerda, Gonçalo Ramos fez o apoio frontal na área, João Mário fez a assistência para Gilberto no seu jogo 50 na Luz depois da passagem pelo Sporting e o lateral rematou na passada para o 1-0 nos dez minutos iniciais (9′).

Logo na resposta, Tsygankov ainda obrigou Vlachodimos a uma defesa mais apertada. E, nos minutos seguintes, os ucranianos mostraram uma capacidade sem continuidade de conseguirem passar a linha de médios dos encarnados, sendo que a melhor oportunidade acabou por surgir por João Mário numa jogada de novo iniciada por Neres que teve assistência de Rafa para um remate pouco ao lado (24′). No entanto, e em pouco mais de dois minutos, Tsygankov esteve no melhor e no pior que praticamente sentenciou o que seria o jogo daí para a frente: na frente, após uma grande diagonal da direita para o meio, fez a bola passar a rasar o poste num remate de pé esquerdo (35′); atrás, facilitou na primeira fase de construção, permitiu que David Neres conseguisse roubar a bola e Gonçalo Ramos marcou o 2-0 isolado (37′), sendo que até ao intervalo o mesmo Neres voltou a ficar perto de aumentar a vantagem num remate ao lado (42′).

Se o Benfica já tinha estado muito bem nos momentos de jogo e pressão na primeira parte, o segundo tempo fazia adivinhar uma gestão na mesma medida não só para segurar a vantagem mas também para procurar um terceiro golo que pudesse fechar por completo as contas da eliminatória. E foi isso que mais uma vez David Neres procurou, agora com Bushchan a evitar o golo do brasileiro (48′). No entanto, o ritmo de jogo e a qualidade do mesmo iriam decair com o passar dos minutos, algo que nem as trocas de David Neres (já cansado) e Gonçalo Ramos por Henrique Araújo e Yaremchuk conseguiu mudar.

Assim, e até ao final, entre um ou outro rasgo de Enzo Fernández e uma ou outra aceleração de Rafa, foi o Dínamo Kiev que beneficiou da melhor oportunidade dos segundos 45 minutos com Karavaev, o herói do jogo em Istambul com o Fenerbahçe, a ficar muito perto do golo pouco depois de entrar em campo, com uma receção ligeiramente para a frente com o peito ao segundo poste que ainda permitiu que Vlachodimos tivesse tempo para fazer a “mancha” (67′). Pouco ou nada haveria a registar até ao final de uma partida que teve globalmente a pior metade do Benfica esta temporada também por influência do resultado, a não ser mais um duelo entre Karavaev e Vlachodimos de novo com “vitória” para o guarda-redes (82′).