A erradicação de espécies invasoras, a reconversão paisagística e a aposta no turismo de natureza são algumas das medidas que a Câmara de Cascais tem adotado nos últimos anos para prevenir novos incêndios no Parque Natural Sintra-Cascais (PNSC).

O PNSC, no distrito de Lisboa, foi atingido em outubro de 2018 por um incêndio florestal que consumiu perto de 500 hectares, mobilizando cerca de 800 operacionais das forças de socorro e segurança.

Desde então, a Câmara de Cascais tem levado a cabo várias ações no PNSC que visam não só a reflorestação da zona ardida, como também o “estabelecimento de um novo ordenamento paisagístico” e a “recuperação de alguma biodiversidade” que já ali existiu.

Em declarações à agência Lusa, o presidente do conselho de administração da empresa municipal Cascais Ambiente, Luís Capão, explicou que o investimento no PNSC começou a ser feito há cerca de 12 anos, depois de ter sido encontrado um espaço florestal “abandonado e sem vida”.

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“O património natural do parque estava totalmente devassado, quer por espécies invasoras, nomeadamente acácias, quer por falta de gestão florestal, quer pela incapacidade de promoção da biodiversidade. Era uma zona meramente verde, como se fosse um deserto, sem atividade. As populações não se reviam e estavam de costas voltadas. Tínhamos vandalismo, depósito ilegal de entulho e algumas práticas perigosas”, afirmou.

Luís Capão referiu que no rescaldo do incêndio de 2018 a autarquia (presidida pelo social-democrata Carlos Carreiras) “deu início a um processo de reflexão sobre este fenómeno” e definiu dois planos, “um de restauração pós-fogo e outro de paisagem”.

“O plano de restauração pós-fogo visou identificar riscos e promover ações de restauro ecológico. Foi executado na sua maioria, estando ainda em curso algumas ações como controle de invasoras e recuperação de linhas de água”, explicou.

Foi feita a reconversão de espécies existentes no PNSC, nomeadamente “transformando acaciais em carvalhais, ou em zonas de olival, e reconvertendo eucaliptais”.

“Estivemos na altura a proteger as bacias de retenção, como todas as linhas de escoamento de água da zona ardida para evitarmos a perda de solo, resultante do incêndio. O incêndio foi no início de outono, tínhamos chuvas. Fizemos o corte das árvores que arderam em pé e pusemo-las numa posição perpendicular ao escorrimento das águas e hoje em dia já temos algumas galerias húmidas que se foram criando nessas zonas”, contou.

Relativamente ao plano de paisagem, “está aprovado e em fase de implementação”, sendo o objetivo final a gestão integrada de todo o território, envolvendo também os proprietários.

“Este plano desenvolve o histórico de ocupação do solo e relaciona o abandono da agricultura com o aumento das ignições, estuda padrões de fogo, tipificando as diferentes características de progressão face ao terreno, e condições meteorológicas padrão”, apontou o representante.

Luís Capão sublinhou que a implementação deste programa vai permitir “desenvolver modelos de gestão que mitiguem o risco de incêndio”, promover a biodiversidade e a “transição de um território expectante para uma paisagem dinâmica, com a recuperação da ecoagricultura, de circuitos de distribuição e a dinamização do turismo de natureza”.

Na prática, está a ser desenhada a ocupação potencial de cada área, com apicultura, produção de vinho, pomares, hortícolas, gestão florestal: “Teremos zonas de pastagem, zonas de produção agrícola, zonas de arbusto e uma zona florestal pura”, perspetivou.

Atualmente a autarquia está a criar uma Zona de Interesse Florestal (ZIF) e a estabelecer parcerias com os proprietários privados de algumas parcelas de terreno que integram o PNSC.

“Olhamos para a zona que ardeu em 2018 e vimos o que podíamos fazer localmente. Não tivemos qualquer apoio. Temos uma grande parte de terreno que é privado e temos tentado fazer parcerias para gerir esse território”, disse.

Questionado sobre a possibilidade de este modelo ser replicado noutros parques naturais do país, Luís Capão ressalvou que tal “só terá sucesso com muito investimento e vontade política”, já que exige equipas especializadas e multidisciplinares com um caderno de encargos.

Segundo o responsável, a Câmara de Cascais investiu nos últimos 12 anos cerca de 20 milhões de euros no PNSC.

No entanto, a intervenção tem sido contestada por algumas organizações ambientalistas, que organizaram em fevereiro deste ano uma caminhada simbólica pela zona dos abates para denunciar a retirada de outras árvores não invasoras, como ciprestes e pinheiros, classificando-a como um “crime ambiental”.

Nessa iniciativa participaram organizações ambientalistas como o SOS Parque Natural Sintra-Cascais, Grupo dos Amigos das Árvores de Sintra, QSIntra, Fórum Cidadania Lisboa, Fórum por Carcavelos, Grupo Ecológico de Cascais ONGA e Associação de Defesa da Aldeia de Juso.

Face às críticas, o município, que já tinha anteriormente esclarecido os motivos e os contornos desta intervenção, reiterou que tudo está a ser feito com recurso às “melhores práticas nacionais de gestão florestal”.

“A ação de controlo de espécies invasoras realizada no PNSC nos últimos dias tem uma ampla validação técnica e um grande envolvimento de entidades externas como o Ministério do Ambiente, o Instituto da Conservação da Natureza (ICNF), os corpos de bombeiros e o Serviço Municipal de Proteção Civil”, argumentou a autarquia, acusando os grupos ambientalistas de tentar “manipular os cidadãos” e de “pôr em causa o trabalho de muitos profissionais”.

“A operação de controlo das invasoras segue também as melhores práticas internacionais na proteção da paisagem e no combate às alterações climáticas”, acrescentou.