Um carro do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foi apanhado em excesso de velocidade na placa do Aeroporto de Lisboa, a 70 quilómetros por hora, e não parou num sinal STOP. Outro obrigou mesmo um avião a travar, quando este último estava a entrar para o stand — contrariando a prioridade que é conferida a qualquer aeronave no tráfego aeroportuário. Os dois episódios, de claro desrespeito pelas normas de segurança em vigor, aconteceram na semana passada e ao volante dos carros estariam inspetores do SEF — sendo desconhecida qualquer razão de força maior que justifique estas infrações.

O Observador apurou junto de fontes daquele serviço que, até agora, o pacto de silêncio dos trabalhadores não permitiu à direção nacional do SEF perceber ainda quem são exatamente os inspetores que conduziam as duas viaturas, nem os motivos para as infrações. Também não foi possível apurar se as infrações foram cometidas ao volante da única carrinha caracterizada que pode circular na pista ou de algum dos carros descaracterizados que este órgão de polícia criminal tem ao seu dispor no Aeroporto Humberto Delgado.

Oficialmente, o SEF confirmou ao Observador que foi aberto um inquérito interno “para apuramento dos factos”, tendo sido requerido à ANA Aeroportos para guardar e analisar as imagens de videovigilância do local. Depois de analisadas as imagens que mostram os dois carros em excesso de velocidade e em incumprimento pelas normas de segurança do aeroporto, será então possível perceber “as condições em que terão ocorrido as alegadas infrações e aplicado o correspondente sancionamento disciplinar“, explica o SEF.

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O caso dos dois carros do SEF que circularam acima dos limites definidos para aquelas instalações e perturbaram o funcionamento do aeroporto foi detetado pela ANA Aeroportos, responsável pela gestão do Aeroporto Humberto Delgado, e foi de imediato enviado um relatório aos serviços de fronteira do SEF. Nesse mesmo dia, explicam fontes conhecedoras do caso ao Observador, o relatório da ANA foi encaminhado para a Direção Nacional do SEF.

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“O envio das ocorrências ao SEF foi efetuado pela ANA Aeroportos, reportando uma situação de viatura em excesso de velocidade (a cerca de 70 km/hora), sem paragem num sinal STOP, e uma outra em que uma viatura do SEF terá obrigado à travagem de uma aeronave à entrada para o stand”, revela o SEF ao Observador, adiantando que “em momento algum o relatório de ocorrência enviado pela gestora da estrutura aeroportuária refere qualquer episódio que possa ser tipificado como de ‘corridas’, até porque não se tratam de situações simultâneas”.

A terminar a resposta, o SEF faz saber que tomou as ações adequadas para situações desta gravidade. “A Direção Nacional do SEF determinou, como é habitual em situações de incumprimento, a abertura de um inquérito interno para apuramento dos factos, tendo sido requerido à ANA Aeroportos o visionamento das imagens das câmaras de segurança, cuja preservação havia já sido solicitada pelo SEF, de modo a poder concluir-se, com a máxima brevidade, sobre as condições em que terão ocorrido as alegadas infrações e aplicado o correspondente sancionamento disciplinar”, conclui a resposta escrita enviada pelo SEF.

Quanto a uma eventual comunicação do caso à Procuradoria-Geral da República, o SEF não esclareceu se essa é uma possibilidade.

Contactado esta quarta-feira, o Ministério da Administração Interna disse estar “a aguardar os resultados do inquérito aberto pelo SEF”, afirmando não existir “por agora mais comentários a fazer”.

Já a ANA Aeroportos, questionada pelo Observador, não enviou qualquer resposta até à publicação deste artigo.

Extinção do SEF forçada após morte de Ihor Homeniuk no aeroporto de Lisboa

Polémicas relacionadas com o SEF, e que envolvem inspetores deste serviço no aeroporto de Lisboa, não são caso único. Aliás, o anúncio de reestruturação do SEF foi feito, precisamente, depois de um caso fatal: a morte de Ihor Homeniuk, um cidadão ucraniano que foi agredido nas instalações do SEF, dentro do aeroporto de Lisboa, em março de 2020. Já estava nos planos do Governo fazer alterações na estrutura do SEF, mas no final do mês em que Ihor Homeniuk morreu, Eduardo Cabrita, à data ministro da Administração Interna da altura, transformou a reestruturação numa proposta de extinção do SEF.

O tempo foi passando e a extinção foi ficando na gaveta. Primeiro, apontou-se dezembro de 2021 como o mês em que os trabalhadores do SEF seriam distribuídos pelas diferentes forças de segurança – PJ, PSP e GNR. Depois, foi aprovado um projeto de lei, apresentado pelo PS e pelo Bloco de Esquerda, que adiou por seis meses esta extinção. Motivo: a pandemia.

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A nova data foi então fixada no calendário e tinha o mês de maio como meta. E, mais uma vez, foi anunciado um novo adiamento. Desta vez, sem data definida e apenas com uma garantia do atual ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro: “Estamos a trabalhar nos diferentes ministérios para garantir que esta mudança e transformação ocorram com serenidade, estabilidade, confiança e em condições de garantir que as funções de segurança continuam a ser salvaguardadas”.

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A maior polémica que o SEF conheceu — a morte do cidadão ucraniano — foi também o motivo para a demissão de Cristina Gatões, que foi diretora nacional deste organismo até 2020, e dos três inspetores que foram condenados em primeira instância a nove e sete anos de prisão, precisamente por crimes relacionados com o caso de Homeniuk – neste caso, crimes de ofensa à integridade física grave qualificada, agravada pela morte. A vítima, à chegada ao aeroporto de Lisboa, foi levada para o Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa, onde terá estado durante 48 horas. Nesse período foi agredida com violência, enquanto estava algemada.

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Depois de conhecido este caso, que além do inquérito-crime levou a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) a abrir um inquérito, foram feitas outras denúncias de violência nos centros de instalação temporária que conheceram o mesmo caminho – a abertura de inquéritos. No entanto, ainda sem conclusões conhecidas.

Notícia atualizada esta quarta-feira às 16h50, com a resposta do Ministério da Administração Interna.