Uma sessão que meteu José Sócrates (e como a sua condição de ativo tóxico já “prescreveu”), os erros de Rui Rio, a “graxa” que é preciso dar aos eleitores indecisos e as “trapalhadas” de Santana Lopes. Foi assim a aula que o veterano da comunicação — “consultor reformado, silvicultor estagiário” — Luís Paixão Martins foi dar aos ‘jotas’ do PS, na Academia Socialista. Com o objetivo de explicar, mais do que como se ganham, como se perdem eleições, Paixão Martins acabou, na verdade, a explicar como é que conseguiu ajudar o PS a ganhar as legislativas — e com maioria absoluta.
[Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador]
Com uma plateia de jovens à frente à espera de ouvir “como ganhar e perder eleições” (assim se chamava a sessão) da boca do estratega das maiorias absolutas de Sócrates e Costa, Paixão Martins justificou como é que, afinal, foi possível conquistar a inesperada maioria nas eleições de janeiro. Se muito se acusou o PS de andar em ziguezague, a pedir a maioria absoluta e a desistir dela a meio da campanha, o consultor autojustificou-se.
“Quando fizerem uma campanha e ouvirem os comentadores a dizer que outro não é bom porque anda em ziguezague, convoquem uma reunião, porque vão perder”, gracejou. Daí passou ao exemplo de Sócrates — que “alargou a base, dava conforto a pessoas da direita e assim fez com que PS tivesse maior votação de sempre”, sobretudo depois das “trapalhadas de Santana”.
Paolo Gentiloni na academia do PS: “Ninguém pode excluir risco de recessão”
Desta vez, a ideia para Costa foi a mesma, argumentou: por um lado, falar à esquerda e “esvaziar Bloco de Esquerda e PCP”; por outro, falar aos “moderados”, indo “corresponder às atenções dos eleitores de um lado e do outro do PS. “Só foi possível porque fomos aos ziguezagues”.
Se os socialistas, e a equipa em que Paixão Martins se inseria, foram tantas vezes acusados de fazer a campanha em modo tentativa e erro, o antigo consultor assegurou que havia uma “ideia base” e que para ganhar uma “maratona estratégica”, um candidato tem de “vencer muitos sprints táticos”. Passo a passo.
Os fãs, o fator Costa e a graxa
De resto, ao longo da aula, que dividiu em quatro temas — quatro erros frequentes em campanhas eleitorais — foi dando mais pistas sobre a estratégia que seguiu em janeiro (e, com Sócrates, em 2005). Primeiro erro, e que tem a ver com a lógica do ziguezague: falar só para os convertidos — ou os “fãs” (como disse aos ‘jotas’, “se calhar, se candidatasse aquela cadeira [pelo PS], vocês respondiam que votavam PS”). A ideia de uma campanha de sucesso é falar aos poucos que podem mudar de partido e decidir a eleição — e terá sido isso que Costa foi fazendo, falando ora à esquerda ora à direita para ‘pescar’ eleitores.
Segundo erro segundo o manual de Paixão Martins: “Cantar vitória a partir das sondagens” — como Rui Rio fez nesta campanha –, já que devem ser vistas apenas uma “ferramenta” para ir corrigindo estratégia. Elemento mais importante do que o suposto quase empate técnico entre PS e PSD, argumentou, era constatar que nas perguntas que acompanhavam as sondagens Costa ganhava sempre na competição entre quem era o candidato mais competente.
Daí, também, a campanha também tão centrada na figura do próprio, e não no PS: “Qualquer consultor vai querer transformar os admiradores de Costa em votos no PS. Desvaloriza-se a marca partidária, valoriza-se o candidato”.
Se há teorias que dizem que este comportamento — transmitir a ideia de que se está a ganhar — é positivo, Paixão Martins acha que o efeito é o contrário — e é “fatal”. É preciso “engraxar, engraxar” os indecisos e fazer o que o PS fez nesta campanha, quando a corrida começou (ou pareceu começar) a apertar: “Dar a ideia de bipolarização, de empate, falar do diabo como fez Passos — todos nós encontramos alguma fórmula para assustar eleitores“. Neste caso, a dramatização da relação “dúbia” entre PSD e Chega ajudou o PS.
Terceiro erro: “Divergir da bolha mediática”, o que explicará, segundo o consultor e autojustificando a própria estratégia — Costa deixou de pedir a maioria absoluta a meio da campanha, quando caía nas sondagens — as alterações de janeiro.
“Uma campanha não é para criarmos inimigos, já chega os que temos. É para atrair eleitores e criar um clima que leve eleitores a considerar que país fica bem entregue àquela pessoa. Se for muito hostil, negativa, com muito confronto, temos um problema”. É “puro pragmatismo”: se a ideia da maioria absoluta está a criar ruído, deixa-se cair.
Quarto erro: permitir casos e erros evitáveis, sem antecipar más reações, porque “os eleitores não votam em trapalhadas“, explicou. Daí que André Ventura tenha tentado embaraçar António Costa, num debate de janeiro, usando o último minuto para referir José Sócrates — mas, para o consultor, esse “potencial ativo tóxico” já “prescreveu”: “Já ninguém vota por causa do que ele fez ou terá feito há vinte anos, é questão ultrapassada nos estudos eleitorais”. Ativo tóxico nesta campanha, sim, seria a TAP para o PS e, para o PSD, ainda a questão dos reformados — “o PSD tem um problema com Passos” e com as lembranças da troika.
Estava feito o guião da “maratona estratégica” da vitória-surpresa do PS. Pelo menos, a posteriori.