Há uma pergunta que talvez lhe tenha passado pela cabeça (pelo menos em criança): porque é que os patinhos nadam sempre em fila atrás da mãe? Um facto bem retratado na história do “Patinho Feio” — o pequeno cisne é o último da fila e rapidamente excluído pelos “irmãos”. Na verdade, a sorte é mesmo do último da fila, aquele que poupa mais energia nesta natação perfilada, segundo a equipa de Frank Fish, da Universidade de West Chester University (Estados Unidos). No caso de Fish, a interrogação veio já na idade adulta, quando era aluno de doutoramento em hidrodinâmica.
Duvida que esta conclusão tenha algum interesse ou resultado prático? Talvez a navegação marítima possa usar as conclusões. Mas, como bem concluiu Gen Matsuzaki, até o foco num problema que não interessa a ninguém pode alcançar algum reconhecimento. No caso deste investigador de design industrial do Instituto de Tecnologia Chiba (Japão), a investigação centrou-se em quantos dedos são precisos para rodar uma maçaneta. A resposta depende do tamanho da maçaneta: se tiver muito menos do que cinco centímetros de diâmetro (no caso de uma maçaneta redonda) não será possível usar os cinco dedos para a abrir. Agora, Matsuzaki dedica-se às pegas dos sacos e às pegas dos chapéus-de-chuva.
Se este é o tipo de investigação que primeiro o faz rir e depois o faz pensar, então é porque os editores da revista Annals of Improbable Research cumpriram o objetivo na seleção dos galardoados com os prémios Ig Nobel de 2022.
Os prémios destinam-se a celebrar o invulgar, honrar a imaginação — e estimular o interesse das pessoas pela ciência, medicina e tecnologia”, lê-se no site do prémio Ig Nobel.
O foco dos projetos de investigação pode ser inusitado, mas nem por isso menos rigoroso ou menos passível de verificação do que os estudos que fazem as capas das revistas científicas mais conceituadas. Pelo terceiro ano consecutivo online, a 32.ª primeira cerimónia anual dos prémios Ig Nobel agraciou 10 investigadores (ou equipas de investigadores) no passado dia 15 de setembro.
Como manda a tradição, são cientistas galardoados com prémios Nobel (aqueles que são atribuídos todos os anos em outubro) que entregam os prémios aos vencedores dos Ig Nobel. Este ano, os vencedores vão receber com um documento em pdf que, depois de impresso, pode ser montado num recipiente para guardar ideias (boas ideias) e ainda um prémio monetário no valor de 10 biliões de dólares… do Zimbabué (uma moeda que já nem existe). Este prémio é uma referência às notas de 100 biliões de dólares impressas em 2009 com o objetivo de contrariar a subida da inflação — e que atualmente são vendidas na internet por cerca de 20 euros.
Se não se deixou impressionar pelo Ig Nobel de Física de Frank Fish ou pelo Ig Nobel de Engenharia Gen Matsuzaki, a lista tem mais opções que reconhecerá mais facilmente no seu dia a dia, como a linguagem ilegível usada nos contratos e em outros documentos legais (Ig Nobel de Literatura). A culpa, afinal, não são os termos complexos ou o jargão jurídico, concluiu o investigador Francis Mollica da Universidade de Edimburgo (Reino Unido). A culpa, pasme-se, é que estão mesmo muito mal escritos: é frequente enfiar-se uma frase no meio de outra — em vez de se deixar as duas separadas —, dificultando (ou até impossibilitando) a leitura de ambas. E isto só para dar um exemplo dos problemas encontrados.
Outro aspeto da vida quotidiana que provavelmente reconhecerá é o do Ig Nobel da Economia: têm mais sucesso os sortudos do que os talentosos, ou seja, a sorte (acaso) tem um papel mais importante do que o talento e as competências para subir na carreira, de acordo com a equipa de três investigadores italianos. Dois destes investigadores, Alessandro Pluchino e Andrea Rapisarda, já haviam ganho um Ig Nobel em 2010 com um percursor do trabalho agora galardoado: na altura demonstraram matematicamente que as empresas seriam mais eficientes se promovessem os trabalhadores aleatoriamente.
E já foi alvo ou motor de boatos e mexericos? Não se ressinta com a pergunta, a coscuvilhice é uma forma eficaz de resolver problemas em situações de conflitos de interesse e alcançar a cooperação, escreveu a equipa de Junhui Wu do Instituto de Psicologia da Academia de Ciências da China. Mas o foco da equipa, na realidade, foi perceber quando é que era mais útil mentir ou dizer a verdade quando se está a falar de pessoas que não estão presentes. A medida é simples e sem grandes custos — exceto quando o coscuvilheiro é descoberto — e a investigação mereceu o Ig Nobel da Paz.
Os coscuvilheiros vão escolher uma estratégia de boato (seja honesta ou desonesta) que maximize a sua aptidão e que minimize os custos [de a alcançar] que são, em parte, determinados pelos níveis de aptidão interdependente entre quem lança o boato e as outras duas partes (ou seja, o alvo do boato e quem o recebe) que, em conjunto, constituem a tríade do mexerico”, escreveram os autores no artigo científico publicado na Philosophical Transactions of The Royal Society B.
Entre as investigações premiadas haverá observações que lhe são mais distantes, como o facto de a obstipação dos escorpiões afetar a sua performance sexual (Ig Nobel da Biologia) ou os modelos de acidentes rodoviários que usam alces (Ig Nobel da Engenharia de Segurança), mas outros continuam a ser altamente relevantes apesar de incrivelmente simples, como comer gelados para aliviar um efeito secundário da quimioterapia. A investigação que mereceu o Ig Nobel da Medicina foi publicada na revista científica Scientific Reports, do grupo Nature.
Doses altas de melfalanina como quimioterapia antes do transplante autólogo de células estaminais hematopoiéticas (ou seja, transplante de células percursoras das células do sangue do próprio doente) leva, frequentemente, à inflamação das mucosas da boca e da garganta e à formação de úlceras dolorosas (mucosite). A crioterapia (terapia com frio) é uma das estratégias para prevenir este efeito secundário, que reduz a qualidade de vida dos doentes. O gelado, como forma de crioterapia mais barata e fácil de aplicar, mostrou ser igualmente útil a prevenir a mucosite oral, concluiu a equipa de Marcin Jasiński da Universidade Médica de Varsóvia (Polónia).
Para completar o leque dos 10 premiados, há ainda que referir o Ig Nobel da Cardiologia Aplicada, atribuído ao estudo que concluiu que o batimento cardíaco dos enamorados acerta o compasso quando se conhecem pela primeira vez e se sentem atraídos um pelo outro, e o Ig Nobel da História de Arte, que contradiz a corrente mais convencional de que a civilização Maia era contemplativa e propõe que os maias usavam enemas (clisteres) com álcool e ervas alucinogénicas.
