A líder dos Irmãos de Itália sempre se definiu como “mulher”, “mãe”, “italiana” e “cristã”. Não é por isso de admirar que, na noite eleitoral em que as projeções indicaram que deverá ser a primeira mulher a liderar um governo italiano, tenha invocado S. Francisco de Assis no seu discurso. “Começa por fazer o que é necessário. Depois faz o que é possível. E, de repente, estarás a fazer o impossível”, disse, perante a audiência composta por membros do seu partido, o Irmãos de Itália, que nas últimas legislativas tinha ido pouco além dos 4% e agora é a força mais votada, com mais de 20% dos votos, de acordo com as projeções.

Quando Meloni discursou, ainda não havia resultados oficiais. Às 2h (hora de Lisboa, 3h em Itália), menos de 10% dos votos tinham sido apurados, mas a sondagem à boca das urnas da RAI era clara ao garantir que há agora uma maioria de direita tanto na Câmara dos Deputados como no Senado, graças à coligação do Irmãos de Itália com a Liga, de Matteo Salvini, e o Força Itália, de Silvio Berlusconi. Até essa hora, a maioria dos partidos tinha sido cauteloso nas reações oficiais. Mas eis que, de madrugada, Meloni subiu ao palco para reclamar para si a vitória, dizendo que os italianos deram uma “indicação clara” de que querem um governo “liderado pelos Irmãos de Itália”.

Ser o primeiro partido em Itália significa muitas coisas”, disse a sua líder, classificando o momento como “uma noite de orgulho, uma noite de alegria”. E deixou claro qual será o seu objetivo à frente do governo: “Fazer com que os italianos voltem a ficar orgulhosos de serem italianos, de agitar a bandeira tricolor”.

A confirmarem-se as sondagens, que dão ao bloco da direita 227 a 257 deputados, o Irmãos de Itália será o primeiro partido de extrema-direita a liderar um governo em Itália desde Benito Mussolini. Durante toda a campanha, Meloni tentou desvalorizar as ligações do partido ao fascismo italiano — o seu símbolo, por exemplo, é a chama tricolor usada durante anos pelo neofascista Movimento Social Italiano.

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Mas, independentemente da semântica, certo é que esta é uma força política que tem defendido propostas anti-imigração como a criação de um “bloqueio naval” que impeça a chegada de barcos com migrantes ilegais e requerentes de asilo a Itália. E a sua quase certa vitória foi recebida com elogios por parte das forças políticas mais à direita no xadrez europeu, como do espanhol Vox, do Chega em Portugal e do governo de Viktor Orbán, na Hungria.

Partidos à direita prometem “governo de estabilidade”

Para conseguir governar, porém, Meloni estará dependente dos restantes parceiros à direita com quem se aliou, a Liga e o Força Itália. Tanto Matteo Salvini como o coordenador do FI, Antonio Tajani, festejaram os dados mostrados pelas projeções ao longo da noite e mostraram-se disponíveis para formar governo.

Os três partidos — nomeados “coligação de centro-direita”, apesar de duas das suas forças políticas não serem forças centristas — partilham algumas linhas programáticas, mas têm divergências em temas como a guerra na Ucrânia. Salvini e Berlusconi opõem-se a algumas das sanções à Rússia e a apoiam muito mais claramente Vladimir Putin do que os Irmãos de Itália. “O resultado do centro-direita irá resultar num governo estável, não haverá problemas relacionadas com as diferentes posições dos partidos de coligação”, prometeu Tajani, em nome do Força Itália, ainda antes da líder dos Irmãos de Itália reagir às projeções.

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No seu discurso, Meloni também sublinhou que este será um governo de “estabilidade” e pediu calma a todos os atores políticos. Depois de uma “campanha violenta”, o país e a Europa enfrentam agora “uma situação particularmente complexa”, reconheceu. Mas deixou a promessa de que irá “contribuir para um clima sereno” e para o “confronto dentro do sistema democrático”.

A oposição a este novo governo deverá ser assegurada pelo Partido Democrático (PD) e pelo Movimento 5 Estrelas. O primeiro reagiu laconicamente às projeções, com a responsável Debora Serracchiani a falar numa “noite triste”, mas assumindo que, perante estes dados, o partido terá agora “a grande responsabilidade” de fazer oposição.

Já o 5 Estrelas, que contribuiu para a queda do governo liderado por Mario Draghi, destacou o facto de ser o partido mais votado no sul do país e — à semelhança do que havia feito o PD — considerou que a vitória da direita foi inflacionada pela atual lei eleitoral. “A direita será maioritária no Parlamento, mas não é maioritária no país”, disse o líder e antigo primeiro-ministro Giuseppe Conte. “Este curto-circuito é o resultado de uma lei eleitoral com a qual não concordamos.”