Só os homens não sabem que as mulheres entram nas lojas para ver tudo o que não precisam. Por acaso, muitas vezes e inesperadamente, encontram uma ou duas coisas que não sabiam que estavam à procura e acabam por comprar. Os pequenos mercados de rua têm um encanto extra: permitem que se vá em conjunto espreitar tudo aquilo que não precisamos, com o bónus de uma ida num mercadinho de rua ser um misto de passeio e prospeção. Se não levarmos nada, não há problema. Se encontrarmos, então é porque é o nosso dia de sorte.

Em final deste setembro, dei por mim no The Spot Market ao ar livre, um marché urbain no pequeno e simpático jardim das Amoreiras, em Lisboa. A minha amiga Cuca andava furiosa em busca de uns brincos para um casamento onde ia no domingo desse fim de semana e eu fui com ela.

Se vos disserem um dia que a vida não é nada como o Instagram, já sabem pelo menos uma coisa a respeito dessa pessoa: nunca esteve num Spot Market. O Spot Market é o instagram montado em estacas de madeira onde por cada pessoa feia e sem estilo nenhum (ou com um tote bag que alguma marca distribuiu em tempos e deveria estar guardado numa gaveta qualquer), há pelo menos cinco estupendas que compensam. Ali, o algoritmo não falha.

discourse do jour é sustentabilidade, ambiente, proteger o planeta, mas no The Spot Market não perdem tempo com essas coisas. Deve ser por estarmos no final de semana e as pessoas precisarem de descansar da sua luta diária por um mundo melhor. Ali, as passeantes querem resolver a sua vida, com mais uma pochette, mais um vestido longo, mais uma camisa, que nem sempre é tempo de pensar no clima e umas estacas de madeira, umas bancadas e uns charriots são suficientes.

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Nunca tinha ido a um destes mercados (ou markets). Sempre que vão à Comporta, e vão várias vezes, ou estou na praia ou no barco, de maneira que nunca fui. Mas tenho ouvido boas coisas e por isso disse que sim à ideia da Cuca. Viemos de um almoço nas Amoreiras, passamos os campos de Padle do Ginásio Clube, descemos as escadas, atravessamos a rua e vimos logo que o mercado estava em pleno funcionamento. Pequenos slots de madeira que parecia nova e resistente, albergavam pessoas que exibiam e vendiam roupa, roupa, roupa, joalharia, roupas, joalharia e roupa. Também vi alguns acessórios e havia também uma jovem que vendia trelas para cães e um Phillipe que vendia arte em posters. Fora isso, o algoritmo daquele fim de semana só dava pret-a-porter feminina e joias.

Aquela era uma missão da Cuca, deixei-a à solta, enquanto vagueava pelas barraquinhas. Depressa acabei, porque este The Spot Market era muito pouco concorrido e sem variedade. Para não me aborrecer, e como sou muito curiosa e não ia comprar nada, pus-me a contar as carteiras Vuitton com patine que as lisboetas ainda morenas do sol algarvio exibiam (contei 4), os namorados à espera com New Balance nos pés (contei 7), as adolescentes com All Star (contei 5) e as mulheres com Birkenstock nos pés (contei 9 verdadeiras e inúmeras imitações). Também contei iWatch nos pulsos, mas desisti quando cheguei aos 20.

Os portugueses são todos muito parecidos com os outros elementos do seu grupo, seja qual for esse grupo. A maioria das roupas que vi expostas nos stands (ou devo dizer barraquinhas?) podia estar no corpo daquelas mulheres, raparigas e senhoras compradoras e vice-versa. O que elas usavam podia estar ali à venda e se calhar foi mesmo comprada em markets anteriores. Também as mulheres que vendiam nas barraquinhas podiam ser as clientes e as clientes podiam ser as mulheres que vendiam nas barraquinhas. Não admira que estar no Spot Market seja como estar naquele feed do instagram em que é tudo lindo, igual a nós, maravilhoso, calmo, elegante, sem vento, sem pó, sem ruído, caro e igual.

A Cuca estava empenhada e sabia ao que ia. Passara a manhã de volta do site e queria muito ver (ou seja tocar) umas coisas numas barraquinhas que esperava haver por lá. Uma bancada com joias giras é um prazer só comparável a um litro de Haggen Daz em noite de coração partido e deve ser essa a razão que leva as mulheres a competirem tanto pelo melhor lugar para verem como deve ser, tocando e imaginando como ficarão com aquilo, combinado com centenas de coisas que já têm. A Cuca sentia-se em forma e não abdicou de ver, tocar, pensar se lhe ficava bem em todas as barracas de joias. Quando finalmente encontrou uns brincos banhados a ouro, que eram uma espécie de aves que lhe dariam o ar exótico (ou seja, mais juvenil e provocador, ideal para que um homem metesse conversa com ela no casamento) que procurava, um sorriso triunfante começou a desenhar-se, até perceber que os ditos brincos custavam quase 50 euros. Claro que a Cuca queria fazer um bonne affaire, ficou irritada e anunciou que íamos embora. Pensei, mas não disse: Je partage ton chagrin, crois-moi. E não disse porque a Cuca quando se irrita, não quer ouvir ninguém.

Gostei de umas coisas na Hippielosophie, na Chocolat Colours, de um sac à main com um coração na PVF e de um anel na Stones, mas no geral fiquei um pouco desapontada. Este The Spot Market era muito pequeno, sem pechinchas nem promoções, sem grande lifestyle como prometem, parecia mais uma quermesse de uma paróquia rica do que um local para boas oportunidades. Tudo o que por ali vi, parecia novo, novíssimo, caro e a estrear e eu estou numa fase Vintend, armário da minha mãe e o ocasional disparate em lojas de Chinês (desculpem o tema racial, não encontro mesmo outras designação), onde agora muitas de nós nos vestimos, não digam a ninguém. Por estarmos com dificuldades financeiras? Isso sempre, mas suponho que seja porque há muita variedade e uma embriagante ausência de culpabilidade. Tudo o que compramos é mais barato que um cocktail na happy hour do Praia no Parque e podemos sempre mentir e dizer que trouxemos aquele top ou aquele camiseiro de um séjour em New York.

Menos de uma hora depois de termos chegado, lá fomos à nossa vida e acabamos por passar numa loja do chinês enorme só com roupa, sapatos e acessórios, onde não aceitavam cartões. Não faz mal, há um Multibanco a cem metros, que eu bem sei. Sigam o instagram do The Spot Market para saberem onde será o próximo.

Patrícia Le Mans estudou Filosofia e Moda. Gosta de queijo, champagne e de ameîjoas à Bolhão Pato. Tem mãe portuguesa, pai francês, vai flutuando entre Lisbonne e Paris e escrevendo para o Experimentador Implacável.