A ex-ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, considera que a “mediatização da justiça” levou a que os atrasos no caso BES/GES, que envolvem Ricardo Salgado, se tenham tornado “socialmente insuportáveis”. “Para as pessoas, deixou de ser suportável que estes processos não tenham um desfecho ao mesmo tempo que têm o desfecho nas notícias das nove.”
Em entrevista ao Expresso, Francisca Van Dunem diz haver uma “espécie de concursos” nos meios de comunicação social que difundem “notícias hora a hora sobre a justiça, porque o crime vende”: “Claro que a Justiça só é Justiça se aqueles que praticaram atos criminosos forem condenados. E a Justiça que não é atempada não é Justiça. Recordo que antes de sair do Governo se fez uma estratégia nacional anticorrupção.”
Sobre os confrontos entre os juízes Ivo Rosa (ex-responsável pelo caso BES/GES) e Carlos Alexandre, a ex-ministra da Justiça lamenta que se tenha perdido “um bocadinho a dimensão institucional das coisas”. “Parece faltar bom senso”, atirou, vincando que, “em determinados casos, é preciso ter um comportamento exemplar”. Para Francisca Van Dunem, a Justiça ganharia se trabalhasse “num ambiente de maior serenidade, com menos cargo de personalidades“.
Francisca Van Dunem não deu, no entanto, uma resposta contundente à pergunta sobre se deveria haver menos egos da Justiça, sublinhando que gostaria de que “não houvesse tanto” uma “transferência para o exterior daquilo que parecem ser estados de alma, desabafos, reações intempestivas”. “A justiça ganharia com maior serenidade quer ao nível da atividade normal dos magistrados quer ao nível dos pronunciamentos públicos que se fazem a respeito das causas da justiça. Essa cacofonia gera perturbação e incerteza.”
Noutro tópico, a ex-ministra diz não ter as “condições para dizer” se existe “um problema profundo de corrupção em Portugal”, salientando que houve “uma evolução muito positiva” do Ministério Público “no que diz respeito ao combate à corrupção nos últimos 30 anos”. Na ótica de Francisca Van Dunem, Portugal vinha de “um regime em que aparentemente era tudo puro”. Existia, defende a ex-ministra, uma “cegueira relativamente a esse tipo de fenómenos e passámos a despertar para eles. E quanto mais a Justiça age nessa área, mais temos a perceção pública de que eles existem.”
“O meu marido perdeu uma fortuna. Do ponto de vista económico, a minha passagem pelo governo foi uma tragédia”
Questionada sobre a incompatibilidade de o marido de Francisca Van Dunem (o jurista Eduardo Paz Ferreira) ter aceitado contratos com o governo devido a trabalhar com o Estado, a ministra defendeu que se estão a criar “linhas de pensamento que geram unanimismo em torno de posições sem adesão à realidade”. “Ele não ficou diminuído por estar casado comigo e era lógico continuar com a atividade. Exigir que fosse diferente significava eu não aceitar ser ministra, o que os populistas defendem, ou ele morrer na miséria.”
Francisca Van Dunem diz mesmo que o “marido perdeu uma fortuna”: “Do ponto de vista económico, a minha passagem pelo Governo foi uma tragédia. Porque se gerou esta onda populista, ‘se ele é marido da ministra não pode trabalhar para o Estado’”. A ex-governante reforçou que um “ministro não ganha para o que faz”, justificando com a “exposição pública tremenda que afeta o próprio e as famílias”. “Honrou-me muito ter passado pelo Governo e servir o país, mas foi pesado do ponto de vista moral e financeiro.”