Os europeus têm de se preparar para uma redução no consumo de energia e os laboratórios de investigação também não vão escapar às medidas. Um centro de investigação espanhol já viu a fatura aumentar 60% e o CERN (Organização Europeia para a Investigação Nuclear), localizado no coração da Europa, vai reduzir a atividade de investigação em 2022 e 2023.

Os laboratórios mais afetados serão, naturalmente, aqueles que têm os maiores consumos energéticos, como os que têm aceleradores de partículas, lasers de alta potência, raios gama, centros de supercomputação e centros gigantescos de armazenamento de dados.

Ainda assim, todas as instituições científicas serão de alguma forma afetadas — em Portugal, foi pedido às universidades públicos e respetivos centros de investigação (por serem edifícios públicos) para reduzirem o consumo de energia.

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Laboratórios com dificuldade em suportar os custos da eletricidade

Estimativas preliminares apontavam para um aumento dos custos em eletricidade que podiam ir até sete vezes, consoante o país onde estivessem localizados e o consumo regular de energia, de acordo com uma notícia do Science Business em setembro.

O Sincrotrão Alba, um acelerador de partículas localizado em Barcelona, é a maior instalação daquele tipo na Península Ibérica. Anualmente, o consumo do sincrotrão ronda os 40 gigawatts hora. Este ano, mesmo depois dos descontos negociados com o fornecedor de energia, a instituição assistiu a um aumento de 60% na fatura da energia quando comparada com 2021.

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A quebra de financiamento às infraestruturas de investigação já tinham sido antecipado pelos governos, mas a crise energética tornou o problema ainda mais grave. Os maiores laboratórios europeus procuram fontes de receita adicionais para pagarem os custos da energia sem terem de recorrer ao dinheiro reservado para pagar a investigação científica.

No Reino Unido, o Conselho de Instalações de Ciência e Tecnologia destinou alguns fundos para compensar a escalada dos preços da energia, mas é insuficiente, disse Andrew Harrison, diretor executivo do sincrotrão Diamond Light Source, ao Science Business. Foi insuficiente para este ano e no próximo ano vai obrigar a interromper algumas operações.

O Sincrotrão Alemão de Eletrões (Desy) faz contratos plurianuais para o abastecimento de energia e já assegurou 80% do consumo previsto para 2023, 60% do consumo de 2024 e 40% de 2025, noticia a Nature News. No entanto, Wim Leemans, diretor da divisão do acelerador, não sabe se terão dinheiro para comprar os 20% que faltam para o próximo ano. Se não conseguirem aumentar o financiamento por parte do governo alemão, poderão ter de começar mais cedo a pausa de inverno.

Laboratórios têm de reduzir o consumo devido à escassez de recursos

Não é só o preço da energia que vai obrigar os laboratórios e infraestruturas a reduzir o consumo de eletricidade, também a falta de recursos vai determinar um racionamento energético, tal como já prevê fazer a Alemanha e como foi imposto pela União Europeia.

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O CERN consome cerca de 1.300 gigawatts hora por ano, mais de um terço do consumo da cidade de Genebra (Suíça), sua vizinha, com um consumo de 3.000 gigawatts hora anual. O aumento do preço da energia terá certamente impacto nas despesas da instituição (que costumam ser de mais de 90 milhões de euros por ano em eletricidade).

Mas as medidas que serão implementadas visam também ser uma resposta socialmente responsável à crise energética que atinge o continente europeu, de acordo com comunicado da instituição. O próprio fornecedor de eletricidade francês (Électricité de France, EDF), que abastece o CERN, pediu que a instituição reduzisse os consumos para ter menos pressão na rede de abastecimento, noticia a Nature News.

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A organização multinacional tem o maior acelerador de partículas do mundo — o LHC (Large Hadron Collider), que permitiu a descoberta do bosão de Higgs — e tem também o maior sistema de arrefecimento com hélio líquido que consome uma grande quantidade de energia.

Todo os anos, em meados de dezembro, a atividade do LHC é interrompida para ser retomada novamente no final de fevereiro ou março. A ideia é reduzir o consumo numa altura em que os consumidores particulares exercem uma maior pressão sobre os fornecedores de eletricidade, nomeadamente para aquecer as casas.

Este ano, o CERN vai interromper a atividade do acelerador de partículas mais cedo, a 28 de novembro, e no próximo ano será ainda mais cedo, no final de outubro. A instituição prevê uma redução de 20% nas atividades do acelerador. Ainda assim, durante este período será preciso manter o sistema de arrefecimento operacional.

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A medida vai afetar os trabalhos de investigação individuais, uma vez que a utilização do LHC é feita por marcação e haverá menos horários disponíveis, mas Joachim Mnich, diretor para a investigação e computação no CERN, acredita que isso não terá um impacto significativo na produção científica da instituição durante esta terceira temporada, que termina no final de 2025.

Na última década, ainda antes da crise energética, o CERN já tinha conseguido reduzir 10% do consumo de energia com melhorias nos sistemas de refrigeração e uso mais eficiente dos equipamentos, lê-se no comunicado de setembro. Agora a instituição vai ainda desligar a iluminação das ruas do complexo durante a noite, atrasar em uma semana o aquecimento geral dos edifícios e reduzir a temperatura de aquecimento em um grau Celsius.

Outros projetos em curso, incluem a utilização de energia de fontes renováveis, como energia fotovoltaica (produzida dentro do complexo ou não), e a recuperação do calor produzido pelas grandes infraestruturas, durante a sua atividade, para aquecer os edifícios mais próximos ou o município vizinho de Ferney-Voltaire (França).