O Prémio Camões, a mais importante distinção no campo da literatura em língua portuguesa, foi atribuído este ano ao autor, ensaísta e crítico brasileiro Silviano Santiago. O anúncio foi feito esta segunda-feira, 24 de outubro.

O autor de 86 anos, nascido em 1936, sucede assim à escritora moçambicana Paulina Chiziane — vencedora em 2021 — como autor premiado com esta distinção, que celebra o contributo do conjunto de uma obra literária de um autor para “a projeção e reconhecimento da língua portuguesa” no mundo.

A atribuição do prémio a Silviano Santiago foi comunicada pelo ministério da Cultura português, em nota enviada às redações. O júri do prémio justificou assim a atribuição:

Silviano Santiago, além de escritor com uma obra literária com vários prémios nacionais e internacionais (Jabuti, Oceanos, etc.), é um pensador capaz de uma intervenção cívica e cultural de grande relevância, com um contributo notável para a projeção da língua portuguesa como língua do pensamento crítico, no Brasil e fora dele (nos países ibero-americanos, africanos, nos Estados Unidos e na Europa).”

Já o ministro da Cultura Pedro Adão e Silva, citado na nota oficial do Ministério, destacou o “perfil de intelectual interventivo” de Silviano Santiago e a sua “visão ampla e abrangente sobre o que é a Cultura”. Esta visão foi “materializada em reflexões sobre múltiplos domínios, desde Machado de Assis aos estudos culturais, Caetano Veloso e o tropicalismo“, lembra o governante.

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Para o escritor, este é um reconhecimento do seu “longo trabalho em literatura”. Em declarações ao Estadão, jornal onde chegou a colaborar como colunista, defendeu que este “prémio chega num momento difícil para o mundo e para o Brasil”. “Não deixa de ser, para mim, em particular, um momento de alegria – um reconhecimento do meu longo trabalho em literatura”, sublinhou.

Prémio Camões atribuído a Paulina Chiziane, “a primeira romancista de Moçambique”

Um autor que cruzou romance e contos com ensaios e crítica

Nascido em Formiga, no estado de Minas Gerais, Silviano Santiago começou a publicar ainda na década de 1950, inicialmente em revistas de cinema e outras publicações culturais similares.

Com um percurso académico extenso (como aluno, primeiro, e docente, depois, passou por França, México, Canadá, EUA e Brasil), foi ao longo da vida editor, tradutor, ensaísta literário e cultural, organizador de antologias literárias, romancista, contista e poeta.

Apesar de ter começado a publicar nos anos 1950, foi a partir do final dos anos 1960 que o seu ritmo de publicação — quer ensaística, quer ficcional — começou a tornar-se mais regular.

© FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Entre a sua vasta produção contam-se obras como os romances Em Liberdade (1974), Stella Manhattan (1985), Uma História de Família (1993) e O Falso Mentiroso: memórias (2004), o livro de contos Keith Jarrett no Blue Note – improvisos de jazz (1996) e as obras de ensaios Nas Malhas da Letra (1989) e As Raízes e o Labirinto da América Latina (2006), entre outras.

Recentemente, em 2015, Silviano Santiago já tinha sido distinguido com o prémio Oceanos, que lhe foi atribuído pelo romance Mil rosas roubadas, publicado no ano anterior no Brasil. Dois anos depois, em 2017, foi-lhe entregue o prémio Jabuti, devido à obra Machado, também esta um romance — que, neste caso, transformava em ficção os últimos dias da vida do autor brasileiro Machado de Assis.

Silviano Santiago vence principal prémio literário do Brasil com romance sobre Machado de Assis

Em 2019, em conversa com o Observador a propósito de Grande Sertão: Veredas, obra de João Guimarães Rosa então acabada de reeditar em Portugal, dizia ao Observador: “O grande romance, o grande poema, inventa a literatura. Já não podemos ler aquilo a que chamamos livro de literatura da mesma maneira. Exige novos protocolos — são outros quando você abre o livro. Isso é um bocadinho complicado, mas é a graça, eu acho, da invenção literária”.

Acho que o ser humano ou tem paciência ou tem impaciência. Os seres humanos pacientes gostam de ler, têm prazer em ler, porque isso exige reflexão. Há pessoas que são impacientes na vida e em tudo. Nem um filme conseguem ver inteiro, que é uma coisa de hora e meia”, referia também.

Um prémio de 100 mil euros e uma lista com Chico Buarque, Lobo Antunes ou Agustina

Instituído em 1988 pelos Governos de Portugal e Brasil, tendo começado a ser atribuído no ano seguinte — distinguindo, na sua primeira edição, o português Miguel Torga—, o Prémio Camões tem um valor monetário de 100 mil euros, financiado em montantes equivalentes (50 mil euros) pelos Estados de Portugal e Brasil.

O júri que atribuiu este ano o prémio a Silviano Santiago foi constituído por personalidades do meio académico e literário, como os portugueses Abel Barros Baptista e Ana Maria Martinho, a moçambicana Teresa Manjate, a são-tomense Inocência Mata e os brasileiros Jorge Alves de Lima e Raúl Cesar Gouveia Fernandes.

Nos últimos anos, o prémio foi atribuído a Paulina Chiziane (Moçambique), Vítor Aguiar e Silva (Portugal), Chico Buarque (Brasil), Germano Almeida (Cabo Verde), Manuel Alegre (Portugal), Raduan Nassar (Brasil) e Hélia Correia (Portugal).

Chico Buarque é o vencedor do Prémio Camões 2019

Em anos anteriores, a distinção já foi atribuída a autores como Mia Couto (Moçambique), Ferreira Gullar (Brasil), António Lobo Antunes (Portugal), Agustina Bessa-Luís (Portugal), Rubem Fonseca (Brasil), Maria Velho da Costa (Portugal), Eugénio de Andrade (Portugal), Pepetela (Angola), Sophia de Mello Breyner Andresen (Portugal), Eduardo Lourenço (Portugal), José Saramago (Portugal), Jorge Amado (Brasil), Vergílio Ferreira (Portugal) e João Cabral de Melo Neto (Brasil), entre outros.