A Iniciativa Liberal está em pleno processo de reorganização interna, mas os trabalhos no Parlamento não param e a discussão do Orçamento do Estado para 2023 marcou os últimos dois dias. Com os holofotes focados na vida interna do partido e com os dois candidatos à liderança como deputados, houve espaço para intervenções de ambos, mas o encerramento ficou a cargo de Carla Castro, como já tinha acontecido no último debate orçamental.
Na bancada dos liberais a normalidade mantém-se, pelo menos aparentemente. Ainda o debate não tinha arrancado, na quarta-feira, quando Rui Rocha e Carla Castro estiveram vários minutos à conversa, perante as câmaras. Acabaram por se sentar lado a lado, mesmo atrás de João Cotrim Figueiredo — que vai deixar o lugar livre para um dos dois.
Dois dias de debate, uma intervenção para cada um. Carla Castro ficou com o lado mais institucional, ao ter a responsabilidade de subir ao púlpito para representar a IL no encerramento do debate. Rui Rocha, mais livre, numa das intervenções no primeiro dia, teve espaço para atacar António Costa e para o acusar de falta de “seriedade” no discurso dos últimos tempos — tendo em conta que já acusou Cotrim Figueiredo de estar a mudar o tom para se aproximar de Ventura e apontou diretamente à IL por lutar com o Chega no “lamaçal”.
A deputada Carla Castro considerou o Orçamento do Estado “mau” e fez questão de garantir que “não é liberal”. Mais do que isso: sublinhou que um orçamento bom teria de ter “soluções de menos saque fiscal no bolso das famílias, crescimento para as empresas e não se esquecer de reformas para a saúde, para a educação, para a água, para a justiça, ou tantas outras”.
O sentido de voto já era conhecido, mas a candidata à liderança reiterou: “A IL vai votar contra.” Para os liberais falta estratégia, visão de futuro e reformas. E onde o Governo vê “estabilidade, confiança e compromisso”, o partido ainda liderado por Cotrim Figueiredo nota “estabilidade na estagnação; confiança de que não nos contam a história toda e compromisso com a sobrecarga fiscal”.
Carla Castro disse tratar-se de um “orçamento de maquilhagens” e com vários “enganos” para as famílias e empresas, nomeadamente com referências à “não atualização de escalões de IRS”, a um “salário mínimo que passará a estar sujeito a IRS a partir de 2024” e com críticas à falta de medidas para os jovens.
No encerramento, a IL insistiu nas propostas apresentadas — desde a redução do IVA nos produtos alimentares à redução do IVA da eletricidade e gás e à redução da taxa de IRC. “Não nos podemos acomodar na cauda dos países desenvolvidos em matéria de Competitividade Fiscal”, alertou.
Carla Castro sublinhou que a IL quer “muito mais para o crescimento e para a ambição de Portugal” e terminou com aquilo que disse ser a “frase correta” para descrever o plano do Governo: “Com este orçamento, o Governo tem a confiança que o [programa] Famílias Primeiro vai garantir o compromisso de estabilidade das receitas do Estado.”
De forma menos formal e num ataque direto ao primeiro-ministro, Rui Rocha aproveitou a intervenção para afirmar defender os trabalhadores liberais e para apontar soluções: “A governação socialista trata, em geral, mal o sucesso, o mérito e o trabalho e a governação trata mal, particularmente nos últimos tempos, os profissionais liberais e trabalhadores independentes.”
Numa altura de luta interna, o candidato deu atenção a um dos temas que João Cotrim Figueiredo referiu nas jornadas parlamentares do partido: a necessidade de olhar e dar atenção aos trabalhadores independentes. Além de ter apresentado quatro propostas — de sublinhar que o candidato também ficou com esta função, além da parte mais institucional no discurso final de Carla Castro —, Rui Rocha aproveitou para defender o partido que quer liderar ao lançar um ataque ao primeiro-ministro, que sorria enquanto ouvia o liberal.
“Senhor primeiro-ministro, o senhor ri-se, o senhor tem tido atitudes muito inaceitáveis nos últimos tempos, o senhor está descontrolado e alguém tem que lho dizer”, começou por dizer.
Mas prosseguiu: “A IL está a apresentar propostas sérias e a seriedade das propostas merece seriedade do seu comportamento. Tem tido comportamentos inqualificáveis, contribuído para a degradação do debate democrático, tem sido das pessoas que mais tem de contribuir para essa degradação (…) e para a degradação das instituições.”
No final do debate e olhando para as duas intervenções, retira-se um ataque liberal concertado ao PS e à governação — um mais vocal, outro mais institucional —, numa linha que ambos continuam a seguir aos olhos dos portugueses, ainda que estejam numa luta interna pela conquista da Iniciativa Liberal.