O Movimento de Estafetas, constituído por trabalhadores que prestam serviços para plataformas digitais como a Uber ou a Bolt, divulgou uma carta aberta dirigida ao Governo a pedir que as alterações à lei laboral que estão a ser preparadas preservem a sua “autonomia”, nomeadamente para definir horários de trabalho e objetivos de entregas.

Segundo o Movimento, a carta é assinada por “quase dois mil estafetas” das plataformas digitais que se dizem preocupados com o futuro da atividade e com a possibilidade de, dizem, lhes serem retiradas “oportunidades de rendimento” com as alterações à lei que estão a ser preparadas pelo Executivo (e na União Europeia). Os estafetas pedem “liberdade” na forma como organizam o trabalho.

Os decisores devem perceber que há quase duas mil pessoas (e somos mais a juntar-nos a este movimento a cada dia que passa) que entendem que em termos pessoais e profissionais a melhor forma de trabalho é a que existe hoje, visto termos a autonomia para decidir quando trabalhamos, sem os tradicionais compromissos para com uma entidade patronal, como por exemplo, a obrigação do cumprimento de uma determinada quantidade de horas, ou mesmo de um horário fixo, ou de um certo número de entregas que temos que fazer para termos cumprido o objetivo do patrão”, referem.

O Governo tem preparado alterações ao Código do Trabalho que incluem o trabalho nas plataformas. O objetivo começou por ser obrigar as plataformas digitais, como a Uber ou a Bolt, a reconhecerem um vínculo dependente aos estafetas e motoristas que fossem falsos prestadores de serviços. Mas, na proposta do Executivo apresentada no verão, passou a admitir que a vinculação do trabalhador fosse feita não diretamente com as plataformas, mas com os “intermediários”, ou seja, aquelas empresas que, na maioria dos casos, estão entre a plataforma e o trabalhador.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Como Bruxelas quer regular o trabalho nas plataformas digitais, com direitos laborais e “transparência” nos algoritmos

O PS apresentou, este mês, uma proposta de alteração que continua a possibilitar que a chamada “presunção de laboralidade” (que leva a que um estafeta seja reconhecido como trabalhador dependente) pode ser feita tanto com os intermediários como com as multinacionais. E determina que é responsabilidade das plataformas os créditos (como os salariais) que os intermediários não paguem. A nível europeu, a discussão começa a ser feita em termos muito semelhantes.

Sindicatos como a CGTP e partidos como o Bloco têm pedido uma maior responsabilização das plataformas e aumento das suas obrigações para com os motoristas e estafetas, obrigando-as a reconhecer um vínculo laboral dependente nos casos em que haja evidências de essa ser a real relação de trabalho.

Na carta, os estafetas reconhecem que há problemas na profissão, como a necessidade de maior proteção no seguro contra acidentes ou a reabertura de postos de atendimento presencial para os estafetas. Além disso,  querem ser ouvidos pelo Governo no processo de tomada de decisão. Mas sublinham: “o direito que mais queremos preservar é o direito a podermos trabalhar como queremos”.

Bolt, Glovo e Uber Eats criam associação para representar setor contra “constrangimentos” que “desvirtuem” modelo de negócio

Os estafetas criticam o exemplo de Espanha, que implementou a chamada “lei Rider” com o objetivo de reconhecer o vínculo laboral entre estafetas e plataformas, para acabar com o falso trabalho independente,  mas que levou à saída de plataformas como a Deliveroo, por aumento dos custos operacionais, e à diminuição do número de estafetas.

“Pedimos aos governantes portugueses e à Senhora Ministra Ana Mendes Godinho que não sigam o mesmo caminho, que nos deixem continuar a ser independentes, para escolhermos quando trabalhamos e a que horas nos ligamos à aplicação, ou aplicações, que queremos, com a possibilidade de escolhermos as nossas metas de ganhos, com flexibilidade de horários para melhor gerirmos o nosso tempo e atividades adicionais”. “Somos e queremos continuar a ser independentes!”, escrevem.

Multas, contratos de trabalho e preços. As “inúmeras lacunas” da “Lei Uber” (e como resolvê-las)