Olexander Shádskykh tem 23 anos e estuda medicina. A 24 de fevereiro, no primeiro dia da invasão russa que sinalizou o “tiro de partida” da guerra contra a Ucrânia, alistou-se no exército: esteve seis meses na frente de Irpin, e depois disso em Jarkov. Pelas vidas que salvou, recebeu uma condecoração do próprio Volodymyr Zelensky.
Além de herói de guerra, Oleksander é também homossexual assumido, num contexto (o militar) e num país (a Ucrânia) onde os direitos e as atitudes perante a comunidade LGBTQ+ estão muito aquém do que se verifica em países ocidentais, como Portugal.
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No entanto, o jovem conta que a sua experiência foi bastante diferente. “Quando disse aos meus camaradas que era gay, fiquei surpreendido que nenhum deles reagiu mal. É verdade que muitos são universitários e têm atitudes mais liberais, mas ninguém fez piadas homofóbicas ou me colocou de parte. Eu era o único médico da minha unidade, e eles sabiam que em combate lhes podia salvar a vida“, disse ao El Mundo.
Oleksander conta que ganhou coragem para se assumir graças, ironicamente, à propaganda russa. Há cerca de um mês publicou um vídeo nas redes sociais em que, fardado com o uniforme do exército, declarava que a sua orientação sexual não o impedia de defender o seu país.
O vídeo acabou por chamar a atenção da televisão estatal de Moscovo, com os propagandistas Olga Skabeyeva e Vladimir Soloviov a comentarem que “o exército ucraniano está tão destruído que têm de recorrer aos seus gays para combater”. Oleksander foi defendido pelos seus companheiros de armas.
O caso do jovem médico de combate está longe de ser único no exército. A presença crescente da comunidade LGBTQ+ nas forças armadas ucranianas levou mesmo a que, há alguns anos, estes militares se juntassem num grupo que se auto-intitula de “Batalhão Aquiles” — assim chamado em homenagem ao herói da mitologia grega, que segundo os historiadores, era homossexual. Não combatem juntos, mas reúnem-se para ações de sensibilização.
O grupo está nas redes sociais, com páginas no Telegram e Facebook. Em 2018, o Batalhão Aquiles organizou a sua primeira marcha do orgulho gay. Envergando os seus uniformes militares, marcharam pelas ruas de Kiev pela igualdade de direitos.
A existência do Batalhão Aquiles deve-se à iniciativa de dois membros das forças armadas: Nastya Konfederat, uma voluntária, e Viktor Pylypenko, veterano da guerra no Donbass. Este último, em particular, tem assumido um papel fundamental no reconhecimento da causa LGBTQ+ na Ucrânia.
“As forças armadas ucranianas têm a capacidade de mudar as atitudes da sociedade. Elas têm a reputação e a confiança das populações, e têm defendido a paz na Ucrânia”, afirmou Pylypenko em declarações à Reuters em 2021.
Esta sensibilização é importante num país como a Ucrânia, em que a igualdade de direitos entre as diferentes orientações sexuais está aquém do que se verifica no Ocidente. O casamento gay, por exemplo, não é legal no país, nem tampouco a adoção de crianças por pessoas do mesmo sexo, ou a partilha de bens por parte de um casal homossexual.
Apesar disso, Viktor Pylypenko acredita que o caminho que está a ser traçado tem, aos poucos, conquistado terreno. “A sociedade ucraniana está a mudar em frente dos nossos olhos. Talvez há algum tempo atrás estivéssemos atrás de outros países no que toca a esta causa, mas agora as coisas são diferentes. No que toca à transformação social, educação para os direitos humanos, incluindo os da comunidade LGBTQ+, estamos a avançar”. Como prova dessa mudança na atitude dos ucranianos, aponta a sua família de militares que, diz, aceitaram a sua orientação.
Já Oleksander não tem como saber a reação do progenitor. O seu pai, também ele veterano do Donbass, morreu em 2016, antes do filho ter se ter assumido.
Questionado, admite que talvez o pai não o tivesse aceitado, mas diz não se importar. “Levo nove anos de luta comigo mesmo e com a minha auto-aceitação, e finalmente decidi que sou assim, sou homossexual e gosto de mim, independentemente das opiniões de qualquer outra pessoa”.
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Numa altura em que o parlamento russo aprovou uma lei que proíbe a promoção de “relações sexuais não convencionais”, muitos homossexuais no exército vêm nisso apenas mais uma razão para lutar. Oleksander é perentório: “Sou ucraniano, esta é a minha terra. Não quero que os russos ocupem as nossas cidades. Não imagino o que me aconteceria se os invasores nos conquistassem por completo. Eles estão a perder a guerra, e sabem-no, mas não vou descansar até que saiam completamente“.