Foi um alarme, um epicentro, um terramoto e uma mão cheia de nada em pouco mais de 24 horas. Vá, no máximo dos máximos, 48 horas. A forma como tudo apareceu e foi apresentado também não ajudou, a maneira como a UEFA reagiu ainda menos, mas a Superliga Europeia tornou-se uma espécie de ideia morta à nascença que ficou nos braços de Florentino Pérez e Andrea Agnelli, presidentes de Real Madrid e Juventus (e de Joan Laporta, líder do Barcelona que quando percebeu a faceta menos friendly do assunto não saiu mas descolou-se da dianteira). Agora, sempre com o número 1 do campeão europeu na sombra, voltou. E a Web Summit acabou por funcionar como um duelo entre prós e contras, com Javier Tebas, que dirige a Liga espanhola, e Bernd Reichart, CEO da A22 Sports que agora assumiu a ideia da Superliga.

“Começámos em 2014 a construir todo o sistema digital da La Liga, tendo esse objetivo de conhecer os mais jovens, perceber como consumiam futebol e como era lá fora e depois crescer a partir desses dados”, começou por referir o espanhol, antes de começar a dar o exemplo interno para apontar contra o projeto da Superliga Europeia. “O grande problema de tudo isto é que fazem um diagnóstico errado porque parte de uma base de análise errada. É como um médico, se não sabe o que se passa, não vai acertar na cura. As janelas de consumo é que mudaram. O discurso de que os jovens deixaram de seguir futebol e que fazem uma coisa com os melhores e o resto não aparece não existe, são fake news“, apontou.

“As ligas nacionais são fortes, a Champions é excelente. Pode mexer-se um bocado no modelo mas está bem. Aquilo que os números mostram é que a geração dos 9-24 é a que segue mais, mais até do que seguem os millenials dos 24 aos 40. A diferença é que primeiro começam a seguir mais focados nos jogadores, com a idade vão ligando mais aos clubes. A chave é perceber os comportamentos de consumo, a importância do futebol no Tik Tok que é a principal rede dos mais novos. Depois, muda aquilo que estão dispostos a pagar, que é menos quando são mais novos também porque não têm independência financeira. Outro ponto: dizem que as pessoas já não querem 90 minutos de jogo. Isso não está em lado nenhum. O que se passa é que 80% está ao mesmo tempo nas redes sociais durante o jogo”, prosseguiu Javier Tebas.

“Há um problema, aí sim, que são os clubes estado ou de mecenas. Na Premier League perdem muito dinheiro mas passa, Bundesliga e La Liga que são duas provas que respeitam e controlam o fair play vão perdendo competitividade com o tempo. Tem de haver denúncias, tem de se recorrer aos tribunais. Sobre a Superliga, é ver o que disse o Parlamento Europeu. Espero que os tribunais acabem de vez com esse tema. Nos últimos dez anos fui das pessoas que mais criticou a UEFA mas o seu modelo de competições fortes tem de continuar e todos os clubes têm de participar nessa decisão. Em Espanha o futebol não é só Real e Barcelona, juntos não chegam aos 38%. Em 2019 já tinham tentado através da ECA [Associação de Ligas Europeias] uma coisa assim, não conseguiram, depois veio a Superliga. Se é assim tão bom, porque escondem? O PSG tem sozinho 60% dos salários da Ligue 1, isto é que não é futebol”, concluiu.

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Mais tarde, em conferência de imprensa, Tebas voltou a tocar nos mesmos temas, abordando também as alterações que estão a ser preparadas pela UEFA. a nível de controlo financeiro dos clubes. “O próprio nome, normas de sustentabilidade e não regras de fair play, diz muito sobre a mensagem que se quer passar. Não estou muito, muito contente, só um bocado contente. Mas há um detalhe importante: alguém tem de fazer com que se cumpra ou que as sanções sejam mesmo aplicadas, evitando que apareça um Tribunal Arbitral do Desporto a anular coisas como aconteceu com City e PSG”, atirou.

“O novo CEO da Superliga admite que possa existir a partir de 2024? Que acorde desse sonho, só pode estar a sonhar. Primeiro tem de explicar o que quer, é preciso ter cuidado com essas pessoas sem qualquer experiência de futebol que querem dar lições aos outros e colocam todos em perigo. O que é perigoso, o que é o real perigo, é a figura do clube estado e mecenas, que coloca em causa o futuro e a sustentabilidade. Não critico que Qatar, Abu Dhabi ou Arábia Saudita agora sejam donos de clubes mas sim que criem estruturas à volta que permitam inventar patrocinadores e vendas de jogadores que não são reais para cumprirem regras. Se não fosse assim, City e PSG não estariam onde estão”, salientou Tebas.

O líder da Liga espanhola respondeu ainda a uma questão do Observador sobre a entrada da QSI, que detém o PSG, no capital social do Sp. Braga tendo uma participação minoritária a rondar os 22%. “Só consigo compreender esses movimentos de compra para poderem ter influência nessas ligas. Comprar 22% faz pouco sentido, neste caso na Liga portuguesa mas em qualquer liga”, comentou.

Mais tarde, Bernd Reichart, nova cara do projeto da Superliga Europeia, esteve presente no mesmo palco do Sports Trade para abordar esta espécie de versão 2.0 da competição com uma ideia sempre a nortear todos os passos que serão dados no futuro: diálogo. “A Superliga está viva, apesar de alguns acharem que não e darem uma outra versão. Continuamos com a mesma ambição de fazer um futebol diferente. O nosso desafio é cuidar do futebol. Os últimos anos provaram que existem problemas existenciais e já existem evoluções na nossa forma de comunicar. A prova que queremos é uma prova aberta”, começou por dizer, num discurso bem mais moderado do que em entrevistas recentes que deu sobre o tema.

“Temos a oportunidade de contar com jogos mais atrativos não a partir de fevereiro ou março como agora mas desde o início da época e em maior quantidade. Continuamos a apresentar soluções e queremos ter uma dimensão capaz de chegar a mais pessoas. Devemos olhar para o ecossistema do futebol, fazer ver aos clubes o que esperar do futuro e preparar para esses desafios. Acho que inicialmente o problema foi a falta de diálogo e de explicações, toas as pessoas se focaram na questão dos clubes fixos, na elite. Houve ameaças de expulsões [por parte da UEFA], espero que agora seja diferente. Não estamos a ir contra ninguém, todos se podem juntar. Se a decisão do tribunal a 15 de dezembro vai ser determinante? É importante mas o diálogo é independente a isso. Devemos perceber o stress financeiro que os clubes estão a atravessar e também que este é um projeto que prevê o investimento no futebol feminino e na solidariedade”, vincou, dizendo mais uma vez que “o atual modelo é um claro caso de monopólio dentro da União Europeia”.

“O futebol atual não se consegue pagar, é necessário dinheiro vindo de fora. Porque é que a Premier é uma competição tão elogiada? Porque dão aos fãs jogos competitivos. Nem sei se esta competição se poderia ou não chamar Superliga, vamos ver. Gostávamos apenas de decidir um formato que nos colocasse um passo à frente, com o objetivo de poder avançar no intervalo entre 2024 e 2027. Se a UEFA me odeia? Não tem razões para isso, só quero sentar-me com eles e falar com eles”, acrescentou ainda, sem dizer se mais clubes além de Real Madrid, Barcelona e Juventus se aproximaram de novo a este projeto de nova prova.