Tudo começou com “O Diário da Princesa”. Em 2001, Anne Hathaway tinha 18 anos quando foi a escolhida entre um rol de centenas de atrizes para ser Mia Thermopolis naquele que se tornaria um autêntico sucesso de bilheteira e que acabaria, de certa forma, por cimentar a sua imagem no imaginário do público. O papel de Mia foi a sua estreia no cinema. Ainda hoje, a atriz multipremiada é tida como certinha, diplomática, afável e instruída, uma espécie de princesa de Hollywood, se quisermos.

Torna-se fácil alinhar na analogia do conto de fadas se apontarmos Raffaelo Follieri, o seu ex-namorado, como claro vilão desta história. Hathaway namorou quatro anos com o italiano até este ser acusado de 14 crimes de fraude que envolveram os mais elevados círculos sociais de Nova Iorque, angariando milhões de dólares de forma fraudulenta a personalidades da esfera política. Apesar da sua inocência e de se terem separado antes de Follieri ser preso, a atriz não se livrou de um processo de investigação pelo FBI.

Milan Fashion Week Autumn/Winter 2006 - Roberto Cavalli - Front Row

Com Raffaelo Follieri, em 2009.

O seu talento valeu-lhe uma carreira prolífica, papéis em filmes aclamados pela crítica e grandes sucessos de bilheteira como “O Diabo Veste Prada”, “O Segredo de Brokeback Mountain” e “Interstellar”, mas nem sempre foi uma personagem popular entre o público. Pouco tempo depois de ganhar um Óscar de Melhor Atriz Secundária pelo papel de Fantine em “Os Miseráveis”, procurou o seu próprio nome no Google durante uma brincadeira com amigos e encontrou um artigo intitulado “Porque é que toda a gente odeia a Anne Hathaway?”, publicado pela Page Six (e entretanto removido do site).

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Durante muitos anos, Hathaway foi alvo de cyberbullying e considerada uma das atrizes mais odiadas do mundo. Até existe uma palavra para o clã de pessoas que têm como hobby embirrar com a atriz, “Hathahaters” (uma junção do seu apelido com a palavra “haters”). Acusavam-na de ser pouco genuína, demasiado emocional e calculista. “Não é a Anne Hathaway que eu odeio”, pode ler-se num artigo do The New York Times. “São as Anne Hathaways menores da vida real que já conheci — princesinhas instruídas em escolas de teatro, que não têm sex appeal e que comem passas à sobremesa.”

"Armageddon Time" Red Carpet - The 75th Annual Cannes Film Festival

No Festival de Cinema de Cannes, este ano.

Durante muito tempo, as opiniões foram difíceis de gerir para a atriz, que chegou mesmo a afastar-se da representação em 2013 (depois de ganhar o Óscar) para dar às pessoas “uma pausa”, como confessou ao Huffpost. Regressou em 2014, mas não com o mesmo ritmo. Em 2017, não participou em qualquer projeto. Felizmente, as coisas parecem estar a mudar. Está “em todo o lado” em 2022 e a revista australiana MammaMia dedicou um artigo ao seu regresso triunfante. “O sarcasmo que seguia Hathaway onde quer que fosse parece ter desaparecido e foi substituído por efusividade à volta dos seus looks recentes nas passadeiras vermelhas e sessões fotográficas”, pode ler-se no texto que lhe atribui, aos 39 anos, um novo estatuto de cool girl. Faz 40 anos este sábado, 12 de novembro.

O sonho da representação e a vontade de ser freira

Anne Jacqueline Hathaway nasceu em 1982 em Brooklyn, Nova Iorque, mas a família mudou-se para New Jersey quando ainda era uma criança. Foi lá que acabou por passar o resto da sua infância e adolescência com os pais e os dois irmãos — Anne é irmã do meio. O seu nome foi escolhido em homenagem a Anne Hathaway, a mulher de William Shakespeare.

FOX TV Up Front Party

Em 1999.

O pai, Gerald, tem raízes francesas, irlandesas, inglesas e alemãs, e trabalhou como advogado. O avô materno, Joe McCauley, era radialista e a mãe, Kate, de ascendência irlandesa, era atriz. Quando tinha 6 anos, Anne viu-a pela primeira vez representar na peça “Os Miseráveis” e resolveu que queria também ser atriz. Curiosamente, seria precisamente com uma adaptação da obra de Victor Hugo ao cinema que viria a ganhar o seu primeiro Óscar, anos mais tarde. Mas, inicialmente, esta vontade não foi aprovada pelos pais e a própria mãe acabou por desistir da representação para poder dedicar mais tempo à família.

Os Hathaways deram aos filhos uma educação assente na religião católica e, em criança, Anne chegou mesmo a querer ser freira, uma ideia da qual acabou por desistir mais tarde. Na verdade, a relação de toda a família com a religião mudou radicalmente quando descobriram que Michael, o irmão mais velho, era homossexual. Durante alguns anos, converteram-se à Igreja Episcopal pela maior abertura  na aceitação de diferentes orientações sexuais, mas acabaram por também a abandonar.

The 81st Annual Academy Awards - Arrivals

Com os pais nos Óscares, em 2009.

Da princesa da miudagem à super estrela de Hollywood

Durante a adolescência, participou em várias peças em New Jersey e estudou na The American Academy of Dramatic Arts. A sua estreia nos ecrãs aconteceu em 1999, na série da Fox “Get Real”, que durou apenas uma temporada. Foi em 2001 que conseguiu o seu primeiro grande (e icónico) papel no cinema como Mia Thermopolis em “O Diário da Princesa”, um sucesso de bilheteira que regressou para uma sequela em 2004 com “O Diário da Princesa: Noivado Real”. Durante esse período, Hathaway participou noutros filmes para toda a família, como “Ella Encantada”, e posicionou-se como a menina certinha de Hollywood e um bom exemplo para a juventude — algo que estaria prestes a mudar.

Em 2005, Anne Hathaway estreou-se finalmente e de forma estratégica em filmes para um público mais maduro com “Havoc – Jovens Sem Rumo”, que não teve qualquer sucesso comercial (nem sequer estreou nos cinemas), mas acabou por ser um passo importante na sua carreira. Seguiram-se projetos como “O Segredo de Brokeback Mountain” (papel para o qual mentiu ao realizador sobre saber montar a cavalo), o filme de culto “O Diabo Veste Prada” — com o qual concretizou o sonho de contracenar com Meryl Streep —, “A Juventude de Jane”, “O Casamento de Rachel” (que lhe valeu fortes elogios da crítica e a sua primeira nomeação aos Óscares) e “O Amor é o Melhor Remédio”.

Ganhou um Emmy em 2010 com a dobragem da “Princesa Penelope” nos “Simpsons” e, em 2013, ganharia um Óscar, um Globo de Ouro, um SAG e um BAFTA graças a “Os Miseráveis”, papel para o qual perdeu 11 quilos em duas semanas. “Tive de ser obsessiva em relação ao isto — a ideia era parecer estar à beira da morte”, disse em entrevista à revista Vogue sobre o seu processo de preparação para o papel.

85th Annual Academy Awards - Press Room

Ganhou o Óscar de Melhor Atriz Secundária pelo seu papel em “Os Miseráveis”.

“O Cavaleiro das Trevas Renasce”, “Interstellar” e o “Estagiário” foram alguns dos projetos em que participou até 2016, antes de fazer uma pausa de dois anos na carreira de atriz, que retomaria em 2018 com “Ocean’s 8”. A participação na série “Modern Love”, da Amazon Prime, foi outro triunfo. Durante o confinamento, entrou em “Locked Down” (filme da HBO sobre a vida de um casal em confinamento) e, em 2022, estreou a minissérie da Apple TV+ “WeCrashed” e “Armageddon Time”, filme que a levou ao Festival de Cinema de Cannes e onde foi recebido com uma ovação de pé de sete minutos.

A sua carreira está em altas. Hathaway parece estar em todo o lado: na capa da Vogue Hong Kong, nos editoriais da Bulgari como nova embaixadora, em red carpets a promover os seus projetos mais recentes — e de onde sai mais cedo, como aconteceu em Cannes, para ir gravar “Mothers’ Instinct”, um filme em fase de pós-produção onde contracena com Jessica Chastain. “Ela está em todo o lado recentemente”, escreve a revista australiana MamaMia sobre o seu “suspeito ressurgimento”. “O que parece diferente neste momento particular para Hathaway é a reação do público. Principalmente porque as pessoas estão de facto a gostar dela e a celebrá-la além da sua arte”, escreve Chelsea McLaughlin.

O namorado italiano vigarista

Embora tenha conseguido manter, por muitos anos, a sua vida privada afastada dos radares dos tablóides, Hathaway esteve no centro de um escândalo muito público. Em junho de 2008, terminou a relação que mantinha com Raffaello Follieri. Poucos meses mais tarde, o italiano recebeu uma sentença de prisão de quatro anos e meio, depois de um julgamento em que se declarou culpado em 14 acusações de fraude, lavagem de dinheiro e conspiração, que envolveram figuras públicas como os Clinton, Donald Trump e John McCain. O casal esteve junto quatro anos. Apesar da atriz não ter qualquer envolvimento nos negócios fraudulentos do namorado (e de ter mesmo alegado não ter conhecimento de nada), acabou por se ver envolvida num dos maiores julgamentos de fraude na história de Nova Iorque. Quando o FBI capturou Follieri, a atriz viu-se forçada a devolver peças de joalharia no valor de milhares de dólares que lhe haviam sido oferecidas pelo companheiro e as autoridades confiscaram-lhe os diários como parte da investigação.

Um aparente final feliz

Em novembro de 2008, estava Follieri já na prisão, a atriz foi apresentada a Adam Shulman no Festival de Cinema de Palm Springs por um amigo comum. “Vou casar com aquele homem”, comentou com uma amiga na altura. À Harper’s Bazaar, disse: “Acho que ele pensou que eu era um bocadinho maluca, e sou, mas também sou boa pessoa. […] Nunca falei sobre isto, mas limitei-me a ser muito honesta com ele. Soube desde o momento em que o conheci que era o amor da minha vida.”

Armageddon Time Premiere - 75th Cannes Film Festival

Em 2022, com o marido no Festival de Cinema de Cannes.

Apesar de já ter confessado que o timing foi “péssimo” para conhecer alguém — a atriz tinha vontade de estar sozinha e recuperar a confiança perdida na relação com Follieri — Shulman despertou “sentimentos tão intensos” que foi Hathaway quem deu o primeiro passo. Seis semanas depois de o conhecer — e depois de descobrir que estava solteiro — convidou-o para uma viagem a Nova Orleães. Estão juntos desde esse dia.

Ator, produtor e designer de joias, foi o próprio que desenhou o anel de noivado com que pediu Hathaway em casamento. Deram o nó em 2012, tiveram o primeiro filho em 2016 e o segundo em 2020. “Para todos os que estão a passar por um inferno de infertilidade e conceção, saibam por favor que não foi uma linha direita em qualquer das minhas gravidezes”, partilhou no Instagram em 2019 sobre a sua experiência como mãe.

Ao lado do atual marido, reconquistou a confiança que tinha perdido com o ex-namorado. “Foi assustador”, disse ao The Independent em agosto de 2008 (meses depois de terminar com Follieri). “Mas, à medida que os dias iam passando, as coisas ficavam cada vez melhores. Descobri que o amor que sentia por ele [Adam Shulman] me fazia confiar mais em toda a gente.” O casamento e a família sempre foram conceitos importantes para a atriz, que declarou ao mesmo jornal: “Os meus pais estão juntos há mais de 25 anos, com toda a glória e dor que possam imaginar, mas eles mantiveram-se juntos. […] Quero um casamento forte assim. Sempre quis uma família. Não sou uma daquelas pessoas que dizem ‘qual é o objetivo do casamento?'” Estão juntos há 14 anos, um aparente final feliz para este conto de fadas.