Quando, em setembro, anunciou uma “mobilização parcial” de mais de 300 mil homens para combater na Ucrânia, Vladimir Putin deu ao mesmo tempo o mote para uma fuga massiva de cidadãos russos que abandonaram o seu país numa tentativa de escapar ao conflito. Para muitos, as opções eram reduzidas: com o início da invasão, vários países ocidentais impuseram restrições de entrada a cidadãos oriundos da Rússia.
A maioria optou por países vizinhos onde um visto de entrada não era necessário, como a Turquia ou a Geórgia. Já no caso dos mais ricos, o “mercado” de escolhas era mais alargado. Neste grupo, uma opção particular revelou-se bastante popular: a ilha de Grenada.
De acordo com uma investigação do Business Insider, um passaporte de entrada nesta pequena ilha do mar das Caraíbas pode ser adquirido por cerca de 150 mil dólares (cerca de 144 mil euros), através de uma iniciativa de “cidadania por investimento” em vigor no país e que oferece uma via rápida para a obtenção de um passaporte. Principal atrativo: a possibilidade de obtenção de um visto dos Estados Unidos no final do processo.
As vantagens são várias, a começar pelo estatuto de Grenada como um paraíso fiscal politicamente estável (o que, ironicamente, se deve à ação dos Estados Unidos, que invadiram a ilha em 1983). Não é por acaso que algumas agências de passaportes descrevem o território como uma “pequena Suíça”.
Mas o maior atrativo à obtenção de um passaporte daquela nação das Caraíbas é outro: um visto de cidadania de Grenada permite viajar livremente para mais de 100 países, incluindo os Estados Unidos, a China e qualquer país do Espaço Schengen, sem que para isso seja necessário passaporte. Percebe-se por que razão os cidadãos russos estarão entre os maiores interessados neste tipo de investimento.
No caso concreto dos Estados Unidos, quem tenha um passaporte de Grenada pode inclusive candidatar-se a um visto E-2, um tipo de visto de residência destinado a investidores não-imigrantes. No site da Citizenship Invest, uma firma de consultoria especializada em ajudar os seus clientes a obter cidadania rápida através de programas de investimento, este visto é descrito como “a forma mais rápida de conseguir um visto de residência nos Estados Unidos”, com um tempo de processo estimado em cerca de três meses. O visto tem uma duração de cinco anos, podendo depois ser renovado por um número ilimitado de vezes.
O Departamento de Estado norte-americano estabeleceu a embaixada dos Estados Unidos na Polónia como o local onde russos que se queiram candidatar a um visto se deveriam dirigir — uma situação pouco ideal para os que querem abandonar a Rússia com rapidez, especialmente depois de a Polónia ter fechado a fronteira a cidadãos russos em setembro de 2022. A “solução Grenada” oferece uma alternativa mais rápida a este processo — pelo menos aos que têm meios de pagar.
Grenada: uma “torneira que se voltou a abrir”
Este processo nem sempre esteve disponível para pretende usufruir das condições que disponibiliza. Inicialmente, nos primeiros meses da invasão e à semelhança de outras ilhas vizinhas com políticas de cidadania por investimento, o território de Grenada baniu cidadãos russos de obterem um passaporte por esta via. No entanto, reverteu a decisão em junho e, desde essa altura, viu as candidaturas para este tipo de vistos quadruplicar.
“Todos aqueles que estavam a preparar candidaturas ficaram em limbo” até a proibição ser revertida, explicou ao Financial Review Richard Hallam, conselheiro especial da iniciativa e diretor do programa de cidadania por investimento do Ora Caribbean, um negócio de desenvolvimento de resorts na região, cujo proprietário é o bilionário egípcio Naguib Sawiris. “É como quando se fecha uma torneira que depois se reabre.”
No entender de Hallam, as restrições de movimentação a cidadãos russos são excessivas. “Se uma pessoa não fosse pró-Putin e estivesse na Rússia, não podia sair. Só porque um russo em particular invadiu um país, não se pode decidir que todos os russos são maus”.
Entendimento diferente tem Gary Kalman, diretor do ramo norte-americano da Transparência Internacional, uma organização focada no combate ao crime financeiro e à corrupção. Ao Business Insider, Kalman defendeu que qualquer tentativa de “comprar” de forma ilícita cidadania americana coloca problemas sérios.
“Não devíamos adotar uma postura de ‘Sim, claro, o imperativo moral é ajudar estas pessoas a fugir da Rússia, mas só o vamos fazer se conseguirem investir’. Essa não é uma política humanitária, mas sim uma política que convida alguns dos mais ricos homens e mulheres da Rússia, muitos dos quais poderão ter adquirido a sua riqueza através de meios ilícitos”, sustentou.
Kalman levantou questões quanto à aparente rapidez de obtenção de um visto E-2, que não veta de forma minuciosa as fontes de rendimento dos investidores, bem como as dúvidas levantadas com a presença de um intermediário como Grenada no processo. No seu entender, “é altamente problemático” ter um sistema de imigração que permite aos mais ricos “contornar as regras”.
Certo é que os pedidos de imigração de cidadãos russos para os Estados Unidos por esta via estão a aumentar. Uma advogada de imigração estimou mesmo um aumento de 30 a 40% na procura. “Provavelmente estou a ser muito conservadora”, sublinhou.