O telefonema de António Costa ao então governador do Banco de Portugal Carlos Costa foi “muito curto“, “irritado” e “agreste“. Em entrevista à CNN Portugal, Carlos Costa recorda que esse telefonema ficou gravado na sua memória porque “raramente” na sua vida recebeu um telefonema “tão agreste” – e reitera, mesmo sob ameaça de processo judicial, que o primeiro-ministro disse que “não admitia” que se “tratasse mal” a filha de um país amigo de Portugal (Angola).
As declarações foram feitas em entrevista à CNN Portugal. Carlos Costa diz-se “muito surpreendido” pela polémica causada pela publicação do livro “O Governador”, da autoria do jornalista do Observador Luís Rosa.
Mas a polémica entende-se porque, diz Carlos Costa, está relatado “no livro um telefonema para o meu telemóvel feito pelo senhor primeiro-ministro cerca de duas horas depois de reunião com Isabel dos Santos e Fernando Teles” – acionistas do Banco BIC. Essa foi uma reunião onde Carlos Costa diz que o “incentivou” a procurar gestores independentes, porque não lhes daria idoneidade para estarem na gestão do BIC (hoje EuroBic).
Poucas horas depois, “seguramente alguém foi dar parte ao sr. primeiro-ministro que a reunião tinha sido, também, agreste”. “O telefonema foi muito curto mas foi muito irritado, achando que eu não podia tratar a senhora desta forma“, diz Carlos Costa.
O ex-governador acrescenta que subjacente ao telefonema de António Costa estava uma ideia de tratar “a idoneidade como moeda de troca por outras situações envolvendo outros bancos”, numa alusão ao plano que estava em curso para manter Isabel dos Santos na administração do BIC para que saísse do capital do BPI. “A idoneidade ou se tem ou não se tem“, diz Carlos Costa: “As questões em curso no BPI eram legítimas mas não se podia argumentar com isso para a idoneidade no BIC”, afirma.
Carlos Costa falou, ainda, sobre a carta que António Costa escreveu em novembro de 2015 a Jean-Claude Juncker e Mario Draghi, onde traçou um quadro muito negativo sobre o sistema financeiro português – o que teve impactos imediatos sobre o Banif (que estava em processo de venda mas o primeiro-ministro escrevia que estava em “pré-resolução”) e, também, efeitos prolongados sobre outros bancos.
O ex-governador do Banco de Portugal diz que não teve “conhecimento” da carta – só soube dela “através de amigos na Comissão Europeia“. “Teria sido muito útil o sr. primeiro-ministro falar comigo antes, ter-lhe-ia explicado que aquela fotografia não estava correta e a carta caiu com um grande splash quando chegou às autoridades europeias”, afirma Carlos Costa.
Tendo sido enviada à Comissão Europeia e BCE, a carta “mostra uma grande desconfiança em relação ao sistema financeiro que eles vinham a acompanhar”. Carlos Costa diz que o conteúdo da carta e os termos utilizados “tinham a ver com a luta política sobre a saída limpa” mas recusa tecer comentários sobre aquilo que aquela carta diz sobre a forma de fazer política de António Costa: “Deixo isso ao ouvinte para julgar“.
O primeiro-ministro reafirmou esta terça-feira que vai processar o ex-governador do Banco de Portugal por ofensa à honra depois de, em livro, Carlos Costa relatar que foi pressionado por para não retirar Isabel dos Santos do BIC. “Eu mantenho aquilo que disse e responderei onde quer que seja por aquilo que disse“, diz Carlos Costa, na entrevista à CNN Portugal.