Quando Gianni Infantino começou a longa conferência de imprensa na manhã deste sábado na capital do Qatar, Doha, o cronómetro dava conta que faltava um dia e sete horas para o início do mundial de futebol, contudo, o presidente da FIFA, deixou claro no início que não seria sobre o desporto que iria falar.
Disse que tem estado calado nos últimos meses “a trabalhar nos bastidores e a observar o que se estava a passar” e a tentar fazer o seu melhor. Mas um dia antes do início do mundial achou que era importante “falar sobre alguns, se não todos, tópicos que têm sido postos em cima da mesa, de forma certa ou errada, nos últimos meses”, afirmou Infantino. “Então vamos olhar para isso e depois vamos também, esperemos, falar um pouco sobre futebol, se não estiverem muito cansados”.
A experiência pessoal. Discriminado por ser filho de estrangeiros e ruivo
Escolheu começar por partilhar a sua história pessoal. “Sou filho de trabalhadores emigrantes. Os meus pais trabalharam arduamente em condições muito difíceis. Não no Qatar, na Suíça. Lembro-me muito bem, e não tenho 150 anos, e não estou a falar do Apartheid na África do Sul.” Estava a referir-se aos locais e condições em que os imigrantes viviam no país europeu e “os direitos que tinham, ou não tinham”.
De quando era criança, lembra-se do que acontecia aos emigrantes nas fronteiras, quando queriam entrar num país para trabalhar. Por isso, quando foi ao Qatar pela primeira vez depois de ter sido eleito presidente da FIFA, foi ver alguns desses trabalhadores e diz que a experiência transportou-o de volta à infância. Na altura disse às pessoas no Qatar que as coisas não estavam bem e “tinha de se fazer alguma coisa em relação a isso”. E depois rematou: “Tal como a Suiça hoje se tornou hoje um exemplo de inclusão, de tolerância, de nacionalidades a trabalharem juntas, com direitos, o Qatar também fez progressos”.
Infantino disse que sabe o que é ser discriminado e vítima de bullying, “enquanto estrangeiro num país estrangeiro, enquanto criança na escola” e ainda acrescentou que dois dos motivos da discriminação que sentiu foram o cabelo ruivo e as sardas.
Para o presidente da FIFA, tal como antes, também agora a solução não está em fazer acusações, lutas ou insultos, mas sim no envolvimento e declara que “era isso que devíamos estar a fazer”.
A crítica à “moral” europeia
Na conferência de quase uma hora, Gianni Infantino, começou por dizer que “hoje” tem “sentimentos fortes”. “Hoje sinto-me qatari, árabe, africano, gay, deficiente motor, trabalhador migrante” declarou, destacando as ações negativas dos europeus “há três mil anos” e acusando a Europa de não se preocupar realmente com as pessoas que vivem no Qatar.
“Sou europeu. Tendo em conta o que andamos a fazer há três mil anos em todo o mundo, devíamos pedir desculpa nos próximos três mil anos antes de dar lições morais. Se a Europa realmente se importasse com o destino destas pessoas, criaria canais legais, como o Qatar fez, para que um determinado número desses trabalhadores pudesse ir para a Europa trabalhar. [Para que fosse possível] dar-lhes algum futuro, alguma esperança”, disse, citado pela BBC.
Infantino disse ainda ter dificuldade em perceber as críticas que têm sido feitas, insistindo que é necessário “investir para ajudar essas pessoas” e dar-lhes uma melhor educação e um melhor futuro e esperança. “Devíamos educar-nos. Muitas coisas não são perfeitas, mas a reforma e a mudança levam tempo”, disse ainda, interrogando-se “porque é que ninguém reconhece o progresso que tem sido feito”. “Estas lições de moral com apenas um ponto de vista são apenas hipocrisia”.
Quando há seis anos visitou o Qatar, chamou a atenção para a questão dos emigrantes na primeira reunião que teve no país. Questionou depois quantas “empresas ocidentais que ganham milhões do Qatar, ou de outro país na região” o fizeram, para responder a si próprio: “Nenhuma. Porque quando se muda a legislação significa menos lucro. Mas nós fizémo-lo”, disse, concluindo que a FIFA lucra muito menos com o Qatar.
Os direitos humanos e o direito a beber no interior dos estádios
Ao fim de uma hora de monólogo, o presidente da FIFA aceitou responder a perguntas dos jornalistas presentes e foram abordadas duas das questões que mais têm estado a causar polémica, os direitos dos homossexuais no Qatar e a recente decisão de “suprimir os pontos de venda de cerveja no perímetro dos estádios”, segundo informou a FIFA esta sexta-feira.
Infantino disse que as pessoas homossexuais são bem vindas no Qatar. “Temos de nos envolver, e temos de explicar e acho que a provocação é o caminho errado. Posso estar certo ou posso estar errado.” Disse que na Europa as pessoas homossexuais também foram processadas, mas houve “um processo”. E continuou: “Não temos de tomar como garantido que um país que não teve a mesma oportunidade de desenvolvimento por causa do clima, por exemplo, que nós tivémos na Europa, passou pelas mesmas experiências que nós passámos.”
Quanto à proibição de vender bebidas alcoólicas no exterior dos estádios, o presidente da FIFA disse: “Se este é o maior problema que temos, não vender álcool no interior dos estádios, vou-me despedir já e vou para a praia.” Afirma ainda que todas as decisões são conjuntas entre o Qatar e a FIFA e que se pedirem às pessoas para não beberem durante três horas do dia, elas vão sobreviver.
O campeonato que arranca já este domingo
A decisão de realizar o Mundial de Futebol 2022 no Qatar foi tomada pela FIFA em 2010, antes de Infantino se tornar presidente. E ele disse este sábado que “não é fácil ler todos os dias críticas sobre decisões que foram tomadas há 12 anos”.
O presidente da FIFA defendeu ainda que “o Qatar está pronto” para receber a competição, que arranca este domingo. “Vai ser o melhor Campeonato do Mundo de sempre. Não tenho de defender o Qatar, eles podem defender-se sozinhos. Defendo o futebol.”
Infantino, que falava para cerca de 400 jornalistas, agarrou uma bola de futebol que estava à sua frente, em cima da mesa da conferência, e afirmou: “Sabem, melhor do que eu, da magia do futebol. Assim que esta bola começar a rolar as pessoas vão-se concentrar nisso, porque é isso que querem”. Disse ainda que aplaudia e agradecia às cerca de 100 mil pessoas que estão a trabalhar para este evento.
O Mundial 2022 será histórico, uma vez que é o primeiro Campeonato do Mundo a ser realizado no médio Oriente. Contudo, a realização do evento no Qatar tem levantado várias questões relacionadas com os direitos humanos no país, nomeadamente a discriminação contra a comunidade LGBTQI+. Várias organizações internacionais falam ainda na morte de vários milhares de trabalhadores durante os trabalhos de construção e preparação para a competição de futebol. As autoridades do Qatar negam as acusações.