Está oficialmente aprovada a viagem de Marcelo Rebelo de Sousa ao Qatar para ver a seleção nacional jogar, mas o debate esteve longe de ser pacífico. Depois de uma pequena parte dos deputados ter dado a primeira luz verde, numa reunião da Comissão de Negócios Estrangeiros, esta terça-feira o assunto chegou ao plenário e voltou a merecer a aprovação dos deputados — mas dividiu as bancadas, até internamente.
O resultado final foi o esperado: viagem aprovada, com votos a favor do PS, PSD e PCP, abstenção do Chega e votos contra de IL, BE, PAN e Livre. Ainda assim, o assunto agitou as bancadas e acabou mesmo por provocar uma chuva de declarações de voto, votos contra no PS (Isabel Moreira, Alexandra Leitão, Carla Miranda e Pedro Delgado Alves) e abstenções ao centro (Hugo Carneiro, António Topa Gomes e Fátima Ramos do PSD também; Maria João Castro, Miguel Rodrigues e Eduardo Alves do PS).
Apesar de a aprovação ter contado com uma ampla maioria, ou não tivesse os votos PS e PSD em peso, mesmo entre quem votou a favor houve explicações. Desde logo do PS, cujo líder parlamentar, Eurico Brilhante Dias, fez questão de se distanciar da decisão de Marcelo e de passar ao Presidente da República a responsabilidade por ela. Assim, recordou que a aprovação da viagem é apenas uma formalidade para garantir que as instituições funcionam normalmente na sua ausência e não para caucionar “opções políticas legítimas”, que são da “exclusiva responsabilidade política” de Marcelo.
PS, PSD e PCP aprovam viagem de Marcelo ao Qatar. BE e IL condenam ida ao “Mundial da vergonha”
Já o PCP voltou a garantir que condena a “inaceitável exploração” dos trabalhadores que estão em “condições desumanas” no Qatar, mas recusou “ações de boicote” à participação dos atletas nem ao seu “acompanhamento institucional”.
O Chega explicou a sua abstenção acusando quem vota contra, e “descobriu hoje que os direitos humanos no Qatar não são cumpridos”, de se guiar por “hipocrisia e demagogia barata”, perguntando: “Então e quando há quatro anos o Mundial foi na Rússia?”. Aproveitou também, pela voz do líder parlamentar, Pedro Pinto, para acusar Marcelo de “já ter triplicado as viagens em relação a Mário Soares e Ramalho Eanes”.
Mesmo assim, multiplicaram-se as vozes contra. Desde logo, na Iniciativa Liberal, com o líder parlamentar, Rodrigo Saraiva, a defender que o Mundial servirá como uma “ferramenta geopolítica” para validar o regime do Qatar e que Portugal será cúmplice nisto: “O nosso Presidente não pode fazer esta validação e a comunidade internacional não pode fechar os olhos”. E o Bloco de Esquerda mostrou-se de acordo, considerando a viagem, mais do que uma formalidade, uma forma de “representação política, um juízo político de como o Estado português se posiciona face ao que acontece no Qatar”
Do lado do PAN, Inês Sousa Real fez questão de lembrar as violações dos direitos das mulheres e das pessoas LGBT no Qatar, pedindo também que nem António Costa nem Augusto Santos Silva se desloquem para ver jogos da seleção.
Já Rui Tavares, do Livre, veio juntar outro argumento: além do desrespeito pelos direitos humanos, é preciso condenar também as suspeitas de corrupção na FIFA e na atribuição da condição de país anfitrião ao Qatar. “Estamos a ser cúmplices”, atirou, provocando os aplausos de duas socialistas — Isabel Moreira e Alexandra Leitão — mas não as suficientes para conseguir travar a autorização.