Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar
Podia ser apenas uma medição de egos, envolve muito mais do que isso. Se um tem, o outro quer ter a seguir. Se um tenta primeiro, o outro não quer chegar depois. Se um mostra o bom ou o muito bom, o outro procura mostrar o melhor. Se o Qatar tem a nova cidade de Lusail que vai receber a final do Campeonato do Mundo, a Arábia Saudita vai ter Neom, uma cidade futurista que promete deixar todas as outras num cantinho até 2030. Se o Qatar recebe agora o Mundial de futebol, a Arábia Saudita vai candidatar-se a receber a prova daqui a oito anos. Se o Qatar tem sido anfitrião de várias fases finais das mais diversas modalidades, a Arábia Saudita vai ficar com os Jogos Asiáticos de Inverno de 2029 no resort futurista de Trojena. Há de tudo.
A guerra (pouca) surda entre os dois países, que no plano político e económico teve o ponto alto nos últimos anos com o boicote de alguns países liderados pela Arábia Saudita ao Qatar que terminou em 2021 (e que chegou a colocar em risco a construção a tempo de algumas infraestruturas para este Mundial), toca em todos pontos e, em certa medida, vai ganhar agora uma nova frente com uma possibilidade que começa a ser cada vez mais falada (mas que nesta fase ainda não passa disso mesmo). Sim, o Mundial foi no Qatar. E agora, exceção feita às infraestruturas que ficam, o que sobra? E o que será dos investimentos externos com a possibilidade de haver uma venda de parte do PSG? Ainda ninguém percebeu ao certo. Com uma certeza: se a Arábia Saudita conseguir contratar Cristiano Ronaldo, volta também a passar para cima desta “batalha”.
“Adoraria ver Ronaldo na liga saudita. Beneficiaria o campeonato, o ecossistema desportivo no país e seria uma inspiração mais os mais novos. Ele é um exemplo para muitas crianças e tem uma grande legião de fãs na Arábia Saudita. Tudo é possível”, admitiu esta semana Abdulaziz bin Turki Al-Faisal, ministro do Desporto da Arábia Saudita. De acordo com a Marca, agora é o Al Nassr que está disposto a pagar 200 milhões de euros por temporada (incluindo vencimentos e contratos de patrocínio) num contrato de dois anos e meio que terminaria no verão de 2025, sendo que há seis meses também o Al Hilal apresentou uma proposta pelo capitão da Seleção na ordem dos 175 milhões por época. Para já, nada está fechado. Ainda assim, será esse um bom cenário para o número 7 nesta fase? Há um grande pró, existem alguns contras.
Os prós que jogam a favor de Ronaldo
A vertente financeira, num último contrato que todos sonhavam
- Quando marcou o golo do empate frente aos Países Baixos que permitiu ao Equador continuar a sonhar com a qualificação para os oitavos que não se veio a confirmar, Enner Valencia, avançado de 33 anos, fez o gesto de como se estivesse a assinar algo. O que era? Uma mensagem para o Fenerbahçe de Jorge Jesus assinar a renovação de contrato tendo em conta que acabara que marcar o terceiro golo na fase final do Mundial, sendo que deverá ser o último grande vínculo do equatoriano. Comparações à parte, porque os valores não têm nada a ver um com o outro, Ronaldo ficaria com o maior vencimento de um desportista e ganharia 500 milhões de euros num final de carreira literalmente de ouro.
O maior símbolo do crescimento de todo o futebol no Médio Oriente
- Depois de uma fase em que parecia ir dar o salto definitivo para um patamar mais alto na realidade do futebol, o Médio Oriente não atravessou um fase de total desinvestimento como aconteceu no antigo El Dorado China mas não conseguiu dar o salto que tanto se desejava e esperava. Agora, tendo como alavanca a realização deste Campeonato do Mundo, Ronaldo poderia ser a figura para dar um novo impulso para o aumento da visibilidade e da competitividade não só da liga saudita mas de todas as provas continentais asiáticas que depois valem presença no Mundial de Clubes da FIFA.
Os contras que não jogam a favor de Ronaldo
As últimas portas que ainda se poderiam abrir no top 5 europeu acabam
- Pelo que se tem percebido desde que o anúncio da saída do Manchester United foi feito, o cenário em relação ao último verão não parece ter mudado muito: se em 2021 Ronaldo tinha poder de escolha, agora não tem nenhuma hipótese de escolha. Uma ida para a Arábia Saudita seria a confirmação real disso mesmo pelo próprio jogador, sendo que também a possibilidade de alargar a lista de recordes na Champions ficaria definitivamente comprometida após 20 anos da alta roda do futebol europeu.
A falta de competitividade da liga da Arábia Saudita (apesar de alguns nomes conhecidos)
- Este é talvez o grande problema de Cristiano Ronaldo para os próximos tempos caso aceite a proposta do Al Nassr: a descida a nível de competitividade das provas em que está envolvido, a começar pela própria liga e a chegar ainda à Taça Asiática de Clubes. O conjunto de Riade treinado pelo francês Rudi Garcia tem no seu plantel nomes como David Ospina, Álvaro González, Gonzalo Martínez ou o ex-portista Aboubakar (além de metade da seleção saudita presente neste Mundial), outras formações dos primeiros lugares contam com jogadores com passagem ganha pela Europa como Banega, Krychowiak, Vietto, Cuellar, Moussa Marega ou Carrillo, mas o nível não será o mesmo.
O paradoxo de ter recusado uma proposta de publicidade há menos de dois anos
- Em março de 2021, o The Telegraph noticiou que Cristiano Ronaldo tinha recusado uma proposta feita pelas autoridades do Turismo da Arábia Saudita para que promovesse o país como destino turístico de eleição, com a possibilidade de receber um total de seis milhões de euros por ano só por essa promoção. Lionel Messi terá sido alvo da mesma abordagem mas ambos recusaram pela associação que era feita entre a Arábia Saudita e um regime de violações dos direitos humanos. Daí para cá as coisas não mudaram para haver tamanha inversão de pensamento, pelo que se torna quase um paradoxo.