Mário Centeno diz que “é, de certo modo, um mito” que exista em Portugal uma grande quantidade de famílias com baixos rendimentos e com crédito à habitação, famílias que agora ficam numa situação de grande fragilidade devido à subida rápida das taxas de juro. O governador do Banco de Portugal diz que, de acordo com uma análise do supervisor, “apenas 8,8%” das famílias com menores rendimentos têm crédito à habitação.

A afirmação de Mário Centeno surgiu em conferência de imprensa de apresentação do Boletim Económico de Dezembro, em Lisboa. O relatório inclui uma caixa relativa ao impacto da subida das taxas de juro nas famílias, num contexto de inflação elevada, e a conclusão mostra que o Banco de Portugal não está muito preocupado.

“Os resultados do exercício sugerem que a generalidade das famílias consegue manter um volume de consumo de bens essenciais igual ao de 2021 e satisfazer o serviço da dívida a partir do rendimento corrente, sem pôr em causa outro tipo de despesas“, sublinha o Banco de Portugal.  Ainda assim, reconhece-se que “para as famílias endividadas do primeiro quintil de rendimento a capacidade de ajustamento deverá ser mais exigente“, embora essas famílias representem apenas 2,4% do total de famílias com crédito à habitação.

Num contexto em que as “famílias endividadas vão ter um aumento de custos”, “é preciso monitorizar e compreender quem são as famílias e o que é que representa as famílias de baixos rendimentos” no universo das famílias endividadas. Sendo certo, diz Mário Centeno, que “a política monetária não é feita para as famílias com dívidas, é feita para todos os cidadãos da zona euro“.

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“Ajustamento da despesa em bens não essenciais”

Se no campo dos bens essenciais o Banco de Portugal transmite uma ideia de tranquilidade, já no campo dos consumos não essenciais o cenário é um pouco diferente. “Atendendo à dimensão e à persistência dos choques, será de esperar um ajustamento da despesa em bens não essenciais ou outras alterações do cabaz de consumo, a utilização de poupanças acumuladas, incluindo para redução da dívida — que se tornou mais onerosa — , e um aumento do número de horas trabalhadas, entre outros aspetos”, afirma o supervisor financeiro.

Já num outro relatório do Banco de Portugal, publicado no final de novembro, o supervisor tinha antecipado que algumas famílias – incluindo as mais jovens, que compraram casa há menos tempo – poderão ter de “alterar a composição do seu consumo, através da substituição ou adiamento de despesas não essenciais, o que permite a suavização do impacto do aumento da prestação”.

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Ainda assim, “em termos agregados, a posição financeira das famílias registou uma evolução favorável nos últimos anos, com uma redução do rácio de endividamento e um aumento dos ativos detidos, incluindo ativos financeiros facilmente mobilizáveis como os depósitos”, diz o Banco de Portugal, argumentando que “as famílias estão, em geral, melhor posicionadas para gerir o impacto da subida das taxas de juro e da inflação, através de uma combinação de redução de despesas não essenciais, diminuição da poupança corrente ou recurso à poupança acumulada”.

Tendo em conta, porém, que a inflação continua elevada e as taxas de juro ainda estão a subir, o Banco de Portugal conclui que “a situação das famílias mais expostas ao impacto dos choques deve continuar a ser monitorizada“.

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