Está há muitos anos ao lado de Pedro Nuno Santos no Ministério das Infraestruturas. Antes, tinha estado com o agora ex-ministro no primeiro Governo de António Costa na secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares, altura em que Pedro Nuno Santos era o pivô do Governo com os partidos que formavam a geringonça.

Hugo Santos Mendes esteve também aí com Pedro Nuno Santos. Agora demitem-se quase em simultâneo. Hugo Mendes, secretário de Estado das Infraestruturas, foi a segunda vítima do caso Alexandra Reis, que na terça-feira se demitiu da secretaria de Estado do Tesouro, depois de ter sido conhecido que tinha recebido um cheque de 500 mil euros quando saiu da TAP, empresa que estava a ser intervencionada. Alexandra Reis saiu da TAP em fevereiro e foi escolhida por Pedro Nuno Santos para a presidência da NAV em junho. Uns meses mais tarde, Fernando Medina convida-a para um dos gabinetes do Terreiro do Paço. O resto passou-se no espaço de quatro dias. O Correio da Manhã noticiou o pagamento de 500 mil euros a Alexandra Reis no sábado, o Governo pede explicações à TAP, e perante os esclarecimentos da transportadora, Fernando Medina despede Alexandra Reis. Mas os danos não ficavam pela gestora que recebeu 500 mil euros, mas que pediu 1,5 milhões de euros.

Além de fazer cair a própria Alexandra Reis, o caso fez agora cair Hugo Santos Mendes e o seu ministro Pedro Nuno Santos.

Hugo Santos Mendes apresentou a demissão no seguimento das explicações da TAP, que determinaram o envio dos documentos para a CMVM e IFG. Nesse seguimento, “o secretário de Estado das Infraestruturas entendeu, face às circunstâncias, apresentar a sua demissão”, lê-se no comunicado enviado poucos minutos depois da meia noite pelo gabinete de Pedro Nuno Santos que, na mesma missiva, anunciava que também se demitira (o que foi já aceite pelo primeiro-ministro).

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Mas o que tem Hugo Santos Mendes a ver com o caso? Segundo o próprio comunicado do Ministério das Infraestruturas, foi ao secretário de Estado das Infraestruturas que a TAP comunicou que os advogados (da TAP e de Alexandra Reis) tinham chegado a acordo “que acautelava os interesses da TAP”, mas o Secretário de Estado das Infraestruturas, “dentro da respetiva delegação de competências, não viu incompatibilidades entre o mandato inicial dado ao Conselho de Administração da TAP e a solução encontrada”.

O Ministério diz, no entanto, que o processo do acordo foi acompanhado por escritórios de advogados e pelos serviços jurídicos da TAP mas não foi “remetida qualquer informação sobre a existência de dúvidas jurídicas em torno do acordo que estava a ser celebrado, nem de outras alternativas possíveis ao pagamento da indemnização que estava em causa”.

O Ministério das Infraestruturas acrescenta que, no entanto, o ministro Pedro Nuno Santos só agora teve conhecimento dos termos do acordo.

O próprio comunicado coloca Hugo Mendes no centro do furacão.

No centro de outras polémicas

Não é a primeira vez que o “discreto” Hugo Mendes fica no centro das polémicas ligadas ao Ministério das Infraestruturas. Foi sua a assinatura que acompanhava o despacho que determinava a solução para o aeroporto de Lisboa, uma solução tripartida já que implicava a coexistência de Portela e Montijo, enquanto se construia Alcochete. Uma solução anunciada por Pedro Nuno Santos, com um despacho assinado por Hugo Mendes, e que foi travada por António Costa, que revelou ter havido neste episódio do aeroporto uma falha grave do ministro. Pedro Nuno Santos não caiu na altura, nem o seu secretário de Estado. E se o despacho inicial com a solução para o aeroporto foi assinado por Hugo Mendes, o despacho de revogação já levou a assinatura do ministro.

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Foi este caso que tornou Hugo Mendes mais conhecido dos holofotes mediáticos. Mas na delegação de competências, Hugo Mendes tinha dossiês pesados.

Quer competências tinha Hugo Santos Mendes?

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Pedro Nuno Santos no despacho de delegação de competências atribuiu ao secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Santos Mendes:

a) As competências que legalmente me estão atribuídas relativamente à definição de orientações e ao exercício de poderes de direção, superintendência e tutela, bem como à prática dos demais atos, a respeito dos seguintes serviços, organismos e entidades:

i) Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários;

ii) Gabinete de Investigação de Acidentes Marítimos e da Autoridade para a Meteorologia Aeronáutica, na respetiva área de intervenção;

iii) Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, na respetiva área de intervenção;

iv) Escola Superior Náutica Infante D. Henrique;

v) Administrações Portuárias;

vi) Navegação Aérea de Portugal – NAV Portugal, E. P. E.;

vii) Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P.;

b) As competências que legalmente me estão atribuídas relativamente a todas as matérias e à prática de todos os atos respeitantes às infraestruturas e transportes na área da aviação civil, nas áreas das comunicações, dos transportes marítimos, dos portos e do transporte rodoviário;

c) As competências que me estão legalmente atribuídas relativamente às entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo nas áreas da aviação civil, das comunicações, dos transportes rodoviários e ferroviários nos termos da legislação aplicável e, designadamente, no respeitante às entidades a seguir assinaladas:

i) Autoridade Nacional da Aviação Civil;

ii) ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações;

iii) AMT – Autoridade da Mobilidade e dos Transportes;

d) O exercício das competências que me estão legalmente atribuídas para a prática dos atos no âmbito dos contratos de concessão ou outros contratos administrativos na área da aviação civil e das comunicações, dos transportes marítimos, dos portos e no âmbito das concessões sujeitas à gestão do IMT, no que respeita ao seu acompanhamento, negociação, avaliação e controlo global da gestão e execução;

e) As competências que me estão legalmente atribuídas no que se refere à legislação nas áreas da aviação civil e das comunicações, dos transportes marítimos, dos portos e dos transportes rodoviários, designadamente no âmbito dos seguintes diplomas legais, na sua atual redação:

i) Nos termos do Decreto-Lei 111/2012, de 23 de maio, a competência para intervir na definição, conceção, preparação, negociação, concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e acompanhamento global das parcerias público-privadas, bem como a competência para aprovação do relatório da negociação, prevista no n.º 3 do artigo 23.º do referido diploma;

ii) Nos termos do Código das Expropriações, a competência para a declaração de utilidade pública das expropriações e das servidões administrativas requeridas ou submetidas pelos organismos, serviços e entidades referidos na alínea a) do n.º 1, a competência para decidir os pedidos de reversão referentes às referidas expropriações, bem como a atribuição do caráter de urgência e a autorização da posse administrativa dos bens expropriados;

iii) No âmbito das competências setoriais delegadas, as competências estabelecidas no Decreto-Lei 151-B/2013, de 31 de outubro, na sua redação atual, no âmbito da avaliação de impacte ambiental;

iv) Nos termos do artigo 21.º do Decreto-Lei 166/2008, de 22 de agosto, na sua redação atual, a competência para reconhecimento de ações de interesse público das áreas incluídas na Reserva Ecológica Nacional, no âmbito de atividades dos serviços, organismos e entidades referidos nas alíneas a) do n.º 1;

v) Nos termos do artigo 25.º do Decreto-Lei 73/2009, de 31 de março, na sua redação atual, a competência para reconhecimento de ações de relevante interesse público das áreas incluídas na Reserva Agrícola Nacional, no âmbito de atividades dos serviços, organismos e entidades referidos nas alíneas a) do n.º 1;

vi) Nos termos do disposto no n.º 9 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei 9/2007, de 17 de janeiro, na sua redação atual, a competência para, em coordenação com o membro do Governo responsável pela área do ambiente, dispensar a exigência do cumprimento dos limites previstos no n.º 5 do citado artigo, no caso de obras de infraestruturas de transportes, no âmbito de atividades dos serviços, organismos e entidades referidos nas alíneas a) do n.º 1;

vii) Nos termos do disposto na Lei 5/2004, de 13 de setembro, na sua redação atual, e para os efeitos do referido diploma, todas as competências que me são atribuídas no que se refere às comunicações eletrónicas;

viii) Nos termos do disposto na Lei 17/2012, de 13 de setembro, na sua redação atual, e para os efeitos do referido diploma, todas as competências que me são atribuídas no que se refere ao regime jurídico dos serviços postais;

ix) Nos termos do disposto no Decreto-Lei 360/85, de 3 de setembro, na sua redação atual, todas as competências que me são atribuídas no que se refere à emissão de selos postais;

x) Nos termos do disposto na Lei 105/2009, de 14 de setembro, as competências que me são atribuídas no que se refere à autorização de laboração contínua;

xi) Nos termos do disposto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual, todas as competências que me são atribuídas no que se refere à emissão de portarias de extensão de convenção coletiva ou de decisão arbitral;

xii) Para efeitos de aplicação do regime jurídico das despesas públicas e da contratação pública, a delegação de competências abrange a autorização para a realização de despesas e respetivos pagamentos até aos montantes referidos na alínea c) do n.º 1 e na alínea c) do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 197/99, de 8 de junho, bem como a competência para a decisão de contratar e as demais competências atribuídas ao órgão competente para a decisão de contratar, nos termos do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 109.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei 18/2008, de 29 de janeiro, na sua redação atual;

xiii) Nos termos do disposto no Decreto-Lei 265/71, de 18 de junho, e para os efeitos do referido diploma, as competências que me são atribuídas no que se refere à zona de proteção dos estabelecimentos prisionais e tutelares de menores.

Hugo Santos Mendes tinha sob sua alçada as questões ligadas à aviação e aeronáutica, as telecomunicações, os serviços postais, os portos e é sua a tutela da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), que foi o caso mais polémico que enfrentou.

Mulher entrou para a AMT tutelada por marido

Tal como noticiado pelo Observador, Ana Cristina Chéu, mulher do secretário de Estado das Infraestruturas, foi contratada para consultora jurídica do conselho de administração da Autoridade de Mobilidade e Transportes, uma das entidades reguladoras do setor tutelado pelo marido sob delegação de competências de Pedro Nuno Santos publicada em julho, cerca de quatro meses depois da tomada de posse do XXIII Governo em que Hugo Santos Mendes se manteve ao lado de Pedro Nuno Santos no Ministério das Infraestruturas. Mas nem a reguladora nem o Ministério das Infraestruturas e Habitação, questionadas pelo Observador, viram qualquer incompatibilidade nesta ligação.

Secretário de Estado tem como pasta entidade reguladora que contratou a mulher

Também face a esta notícia, Hugo Santos Mendes aguentou-se. E nem se ouviu palavra do governante sobre o caso.

Poucas são as mensagens deste responsável político que ficaram na memória. Discreto, muitos responsáveis dos setores regulados nem o conhecem.

Quem é Hugo Santos Mendes?

Hugo Santos Mendes nasceu no Porto há 46 anos. Pedro Nuno Santos é de Aveiro. Partilharam vários ministérios, mas também a vivência no PS. Aos 30 anos, Hugo Santos Mendes foi assessor da ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, entre 2006 e 2009, passando os anos seguintes, no segundo governo de José Sócrates, a adjunto do secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, José Almeida Ribeiro, entre 2009 e 2011.

O PS perdeu as eleições. E na era de Passos Coelhos e do Governo PSD/CDS passa para a Assembleia da República, para assessor do grupo parlamentar do PS, assessorando em particular a comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública. Pedro Nuno Santos pertencia já a essa comissão, como deputado.

O PS volta ao Governo e Pedro Nuno Santos é chamado para o elenco, como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, em plena geringonça. Hugo Mendes é escolhido para adjunto de Pedro Nuno Santos. E na subida do aveirense a ministro das Infraestruturas em 2019 Hugo Santos Mendes passa a ser seu chefe de gabinete, assumindo em 2020 o cargo de secretário de Estado Adjunto e das Comunicações (o leilão 5G era um dos seus dossiês). Hugo Santos Mendes já tinha demonstrado, em 2018, estar ao lado de Pedro Nuno Santos, colocado numa ala mais à esquerda do PS, quando no 22.º Congresso do PS Hugo Santos Mendes se ligou à moção sectorial subscrita por Pedro Nuno Santos.

No Executivo que tomou posse em março deste ano, Hugo Mendes surge como secretário de Estado das Infraestruturas com pelouros relevantes e foi já nessas condições que Alexandra Reis assumiu o papel de presidente da NAV, onde se encontrou com Pedro Ângelo, vogal da gestora de navegação aérea que tinha sido chefe de gabinete de Hugo Mendes.

Recentemente, o Expresso noticiou incidentes em dois aeroportos de Portugal com os controlos aéreos, casos que estão a ser investigados pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF). Hugo Mendes com a tutela da NAV e do próprio gabinete que investiga, além da ANAC, não se pronunciou sobre o tema. Pedro Nuno Santos considerou “graves” os “incidentes” identificados no relatório mas foi dizendo que essas alegadas falhas estão a ser corrigidas. Mais uma polémica que parece ter passado ao lado de Hugo Mendes, sociólogo de formação.

Licenciou-se em Sociologia, em 1999, e é mestre em Políticas Públicas, em 2019, pelo ISCTE-IUL, tendo, segundo o seu currículo, feito uma dissertação sobre política fiscal em Portugal. Frequência do doutoramento em Sociologia em Warwick (Reino Unido) é doutorando em Ciência Política no ISCTE-IUL e pós-graduado em Comunicação e Marketing Político pelo ISCSP e em Análise de Dados em Ciências Sociais pelo ISCTE-IUL. Frequentou a pós-graduação em Direito Fiscal do IDEFF. Exerceu funções de docência em pós-graduações no IPPS-IUL e na Nova SBE. É o que consta do curriculum que no mais fala numa carreira política de assessoria primeiro, chefe de gabinete depois e culmina com a secretaria de Estado. Sai, agora, do Governo.