É uma revolução na discussão de décadas sobre a solução aeroportuária para Lisboa. Em vez de optar por uma das localizações que ia ser alvo de uma avaliação ambiental estratégica, o Governo decidiu avançar com uma solução faseada que procura no curto e médio prazo resolver o problema do congestionamento do aeroporto da Portela, mas que deixa garantida uma infraestrutura para o longo prazo.

A primeira fase desta solução, de acordo com informação avançada pelo Ministério das Infraestruturas, é a construção da estrutura aeroportuária complementar no Montijo, projeto que já tem uma declaração de impacte ambiental favorável, ainda que condicionada. O desenvolvimento da base aérea do Montijo só irá contudo avançar no terreno após a solução completa ser objeto de uma avaliação ambiental estratégica que desta vez o Ministério de Pedro Nuno Santos resolveu entregar ao LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil). Prevê-se que uma vez iniciadas as obras em 2023, estas possam estar concluídas dentro de quatro anos.

Só numa segunda fase é que será retomado o projeto de construção do novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete, como foi equacionado no final da década passada antes da privatização da ANA, mas com uma nova avaliação ambiental.

Montijo ou Alcochete? Os dois. O que muda com a decisão sobre o novo aeroporto

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Este projeto já teve uma declaração de impacte ambiental favorável que caducou e irá exigir muito mais tempo de avaliação e estudos do que o Montijo. Mas também permite dotar o país de uma infraestrutura aeroportuária de longa duração com capacidade para expansão até quatro pistas, o que o modelo conjunto da Portela/Montijo não permitiria. A fundamentar esta opção está também a consciência por parte do Executivo de que seria muito difícil obter a luz verde ambiental para desenvolver mais o aeroporto de Lisboa dada a elevada sensibilidade que existe face ao ruído e outros impactos negativos.

Depois de construída a nova estrutura de Alcochete, que pode ficar concluída em 2035, o plano é que o aeroporto de Humberto Delgado feche em definitivo, tal como o do Montijo, ficando apenas um grande aeroporto. Mas até lá, as duas infraestruturas irão permitir ganhar tempo e evitar a perda de milhares de voos, passageiros e milhões de euros em receitas por falta de capacidade.

A decisão foi já esta tarde publicada num despacho assinado pelo secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Santos Mendes onde se justifica:

“Ao longo dos últimos anos, a resposta de curto prazo e a resposta de longo prazo foram vistas como mutuamente exclusivas: a escolha de uma implicaria necessariamente o abandono da alternativa. No entanto, esta não é a forma mais adequada de perspetivar a solução para este problema. Por esse motivo, o Governo optou por uma decisão que compatibiliza os dois horizontes, resolvendo o problema de curto prazo – com uma solução limitada na sua capacidade de expansão futura mas de mais rápida concretização -, sem impedir o desenvolvimento futuro de uma solução de cariz mais estrutural, que, embora mais demorada na sua concretização, seja capaz de servir o País no longo prazo.”

O Governo já está articulado com a ANA, gestora dos aeroportos, para avançar nesta solução que, no imediato, implica também obras na Portela, mas não para reforçar a capacidade tal como chegou a estar previsto no projeto aprovado em 2019. Estas obras de menor dimensão financeira — 200 a 300 milhões de euros — visam aumentar a fluidez da operação aeroportuária em Lisboa e reduzir os atrasos crónicos desta infraestrutura. E como não aumenta capacidade dispensa declaração de impacte ambiental que o Executivo temia fosse recusada num cenário que colocasse mais aviões a sobrevoar a capital.

Contrato de concessão da ANA vai ser renegociado

Apesar de existir um entendimento com a concessionária da ANA, a francesa Vinci, este processo vai obrigar a renegociar o contrato de concessão dos aeroportos que termina em 2062 no sentido de vincular o operador privado à construção de uma nova infraestrutura. Essa negociação vai fixar quem paga o quê, mas sobretudo os indicadores de tráfego ou movimento de aviões, a partir dos quais a concessionária terá de avançar para o Campo de Tiro de Alcochete.

Para já, o Governo está convencido de que os investimentos nestes aeroportos serão financiados pelos privados com recurso às receitas de exploração da concessão, mas também tem a consciência de que esta não será uma solução grátis para o Estado, ao contrário do projeto que estava previsto da Portela mais Montijo e que não exige a construção de novos acessos. O projeto que estava aprovado para os dois aeroportos previa um investimento de 1,5 mil milhões de euros, dos quais a maioria estaria destinada à Portela. Esse valor vai agora ser revisto em baixa. Já o novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete foi estimado em 2008 em 4,5 mil milhões a cinco mil milhões de euros, mas este valor terá de ser revisto.

Campo de Tiro de Alcochete implica terceira travessia do Tejo. Quem paga o quê

O Campo de Tiro de Alcochete, que fica a quase 50 quilómetros de Lisboa na margem sul do Tejo, vai obrigar a construir infraestruturas de acesso que acelerem o tempo de deslocação e permitam transportar milhares de pessoas. É inevitável que seja acompanhado da construção da terceira travessia do Tejo (TTT), projeto que estava previsto no estudo inicial deste aeroporto no eixo Chelas/Barreiro. Esta nova ponte será ferroviária e provavelmente também rodoviária. E para além de servir o aeroporto será a infraestrutura para uma ligação ferroviária de alta velocidade a Madrid, permitindo retirar meia hora ao tempo de deslocação entre as duas capitais estimado para quando estiver concluída a nova ligação até Caia.

Terá de haver investimento público nos acessos, sendo que o Estado terá a partir de 2027 acesso às receitas da exploração das duas pontes rodoviárias do Tejo, com o fim do contrato da Lusoponte.

A solução ainda vai ser objeto de avaliação ambiental estratégica por parte do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil). O concurso internacional para a avaliação que tinha sido lançado pelo IMT (Instituto de Mobilidade e Transportes e que motivou contestação por alegado conflito de interesse (um dos elementos do consórcio é uma empresa que espanhola que está na gestão dos aeroportos de Madrid) caiu numa decisão política que abre o caminho para uma nova solução aeroportuária.

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O Montijo já tem declaração de impacte ambiental, mas para que a obra possa avançar ainda é necessária a alteração legislativa para anular o poder de veto das autarquias, que foi o que atrasou a obra.

Quando era minoritário, o Governo socialista fez um acordo com o PSD para viabilizar essa alteração legislativa no qual se comprometeu a realizar uma avaliação ambiental estratégica que foi posta em marcha no ano passado através de um concurso público internacional para escolher uma entidade não portuguesa para fazer esse trabalho que não estivesse já comprometida com a discussão sobre as várias opções.

Só que o consórcio vencedor do concurso inclui uma empresa espanhola com ligações à gestora pública dos aeroporto de Madrid, infraestrutura que concorre com o hub aeroportuário de Lisboa o que suscitou dúvidas sobre eventuais conflitos de interesse, ainda que do ponto de vista jurídico o júri estivesse convencido que a legalidade tinha sido cumprida. Foram estas dúvidas que levaram o ministério liderado por Pedro Nuno Santos a deixar cair esse concurso, na certeza de que qualquer solução que saísse deste processo iria estar contaminada pela dúvida sobre se a proposta seria a melhor para Portugal ou para Espanha.

Com a anulação do concurso abriu-se o espaço para esta solução que ainda não se sabe se vai reunir o apoio de outros partidos, em particular do PSD cuja liderança muda no próximo fim de semana. Sendo que o tempo de divulgação da informação, que coincide com a publicação do despacho em que é fundamentado o novo pedido de avaliação que terá como destinatário o LNEC, não parece ir de encontro à expetativa manifestada por António Costa de que fosse possível chegar a um acordo com o PSD sobre a matéria.

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Foram propostas para a avaliação ambiental estratégica original três opções: Portela mais Montijo como aeroporto complementar, Montijo como infraestrutura principal apoiada pela Portela e um aeroporto único raiz no Campo de Tiro de Alcochete. A nova solução agora proposta junta todas essas localizações, mas num projeto para várias décadas e com várias fases de execução.

Com a sujeição de uma decisão que já parece tomada politicamente a este procedimento, o Governo visa também o de reforçar a segurança jurídica desta opção, uma vez que as ações judiciais contra o Montijo tinham como fundamento a ausência da avaliação ambiental estratégica. Este processo previsto na lei para grandes infraestruturas é mais do que mera análise de impactes ambientais que é feita quando existe já um projeto concreto de execução da obra. O que está em causa é uma avaliação conjunta e ponderada de vários critérios do impacto económico e social ao ordenamento do território, passando naturalmente pelo ambiente e sustentabilidade, e pelos acessos à infraestrutura e efeitos na região.

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O relançamento do Campo de Tiro de Alcochete tem vindo a ganhar adeptos mesmo entre os operadores dada a rapidez da retoma no tráfego aéreo e as limitações operacionais e ambientais do Montijo, para além das desvantagens económicas de operar em duas estruturas.

No despacho, o Governo sublinha que “desde o momento da decisão da inclusão da solução Montijo stand alone como opção merecedora de estudo na avaliação ambiental estratégica, tanto a informação recolhida como a reflexão feita pelo Ministério das Infraestruturas e da Habitação levaram a concluir pela existência de dúvidas fundadas sobre a viabilidade desta solução. Os riscos de uma infraestrutura aeroportuária com duas pistas de grande extensão na península do Montijo não obter autorização ambiental para avançar são hoje avaliados como muito elevados. Por este motivo, o Governo deixou, pois, de equacionar a opção Montijo stand alone como viável e, nesse sentido, merecedora de estudo aprofundado”.

Os partidos à esquerda do PS, nomeadamente o Bloco de Esquerda e o PCP sempre defenderam Alcochete, tendo aliás sido o argumento por trás dos chumbo dado pelas então autarquias comunistas da Moita e do Seixal no parecer que em 2020 levou o Governo a abandonar esta solução como complementar à Portela.