Aconteceu em setembro e causou estranheza entre os deputados. O anúncio das candidaturas vencedoras ao Programa Consolidar estava agendado para 28 de setembro mas uma primeira lista foi publicada na página do Banco Português de Fomento dias antes. Questionada sobre o facto esta quarta-feira na comissão de Economia, a presidente executiva do BPF, Ana Carvalho, admitiu que se tratou de um erro.
As empresas foram informadas sobre a decisão a 21 de setembro e foi-lhes dado cinco dias para se pronunciarem sobre as mesmas, pelo que os resultados “nunca” poderiam ser tornados públicos antes. O que aconteceu, explicou, foi que a equipa de comunicação começou a testar no site “o que iria ter de publicar”. Foi, assim, “um lapso lamentável da equipa de comunicação”, tanto que o Banco até mudou uma decisão face à primeira lista publicada, justificou. “Peço desculpa, foi um lapso”, repetiu, em resposta às questões de Carlos Guimarães Pinto, deputado da Iniciativa Liberal, que pediu a audição.
A audição foi pedida pela IL a propósito da atribuição dos fundos do Programa Consolidar. No âmbito deste programa, foram selecionadas 14 sociedades de capitais de risco, entre 33 candidaturas, para gerir 500 milhões de euros em fundos. A seleção das candidaturas motivou a contestação junto do tribunal da Menlo Capital, que quer saber os critérios da seleção.
O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra admitiu uma providência cautelar para suspender o programa, mas o Banco de Fomento entregou à justiça uma Resolução Fundamentada, invocando o interesse público, para permitir a contratualização dos financiamentos, contornando a providência cautelar. Já na semana passada, a Menlo Capital voltou a contestar, tendo requerido junto do mesmo tribunal a “declaração de ineficácia dos atos praticados pelo Banco Português de Fomento”.
Em resposta a esta contestação, e às questões da IL sobre a transparência dos critérios de seleção, Ana Carvalho sublinhou que “o Banco cumpre a lei”, adiantando que “não se pode partilhar informação no contexto das candidaturas”, e que “a partilha com terceiros só irá acontecer quando houver uma decisão do tribunal, ate lá não o podemos fazer”. A informação, acrescentou, é partilhada com os candidatos, nomeadamente a sua grelha de avaliação, mas não com os restantes. “Há informações de caráter confidencial associadas ao plano estratégico de cada candidato. Não podemos dar aos outros a avaliação dos seus concorrentes”.
A fórmula da Coca Cola
Este foi um dos temas que marcaram aquela que foi a primeira audição de Ana Carvalho no parlamento. A responsável insistiu no “dever de sigilo” e no cumprimento da lei para não serem reveladas as informações sobre as candidaturas. “Elas estão a dar a sua fórmula da Coca Cola quando apresentam uma candidatura”, defendeu. Ao que Carlos Guimarães Pinto respondeu que não queria saber a “fórmula”, mas a justificação para a pontuação que cada fórmula recebeu. O deputado apontou ainda a capacidade de Ana Carvalho “responder não respondendo”, atirando que “se quiser fazer um downgrade salarial terá capacidade para vir para aqui”.
Ainda em resposta à IL e ao PSD, Ana Carvalho revelou que o BPF contratou até ao momento 105 milhões de euros e que foram assinados dois contratos com capitais de risco no âmbito do Consolidar. “Estamos a ultimar uma panóplia muito grande de contratações. A contratação do Consolidar não é simples. Há uma minuta standard e cada instituição tem de agregar a essa minuta peças contratuais que depois têm de ser validadas e escrutinadas. Acelerámos muito nas últimas oito semanas”, considerou.
Ana Carvalho adiantou ainda que a média das comissões de gestão dos candidatos será de 1,59%, um valor “abaixo do mercado”. Estes fees incidirão sobre os capitais investidos, que têm de avançar até ao final de 2025, e não sobre o valor teórico do fundo. “Se os 500 milhões forem investidos até ao final do ano, estamos a falar de 8 milhões de euros por ano, e, à medida que houver desinvestimentos, reduzirá”, adiantou, tendo Carlos Guimarães Pinto considerado que o valor não é “exagerado” se for para “gerir bem”.
Na sua intervenção inicial, Ana Carvalho garantiu a “independência e não enviesamento” na escolha das candidaturas ao Consolidar, que respeitaram sete critérios “objetivos”. Estas foram apresentadas entre 25 de janeiro e 15 de fevereiro, “o tempo que o mercado achou pertinente”, e que a 16 de fevereiro começou a seleção, que duraria seis meses, um prazo “aceitável”, na visão da responsável. Ana Carvalho destacou a “enorme procura” que o programa teve, 33 candidaturas, que levou a aumentar a dotação do programa de 250 milhões de euros para 500 milhões. A responsável sublinhou também a “muito boa qualidade” das candidaturas, que tiveram uma avaliação média de 2,15 pontos numa escala de um a três. As 19 que ficaram de fora tiveram uma avaliação média de 1,9 pontos.
As fatias do bolo e o filho que tem de comer
Uma das questões que os deputados mais vincaram foi o facto de a Portugal Ventures (PV), participada por BPF, ter sido uma das capitais de risco selecionadas para o Consolidar. Filipe Melo, do Chega, insistiu que a seleção da PV constitui uma “violação da transparência” do concurso e recorreu a uma metáfora para o sublinhar: “Se eu tiver um bolo com 14 fatias para 33 pessoas, vou dar uma fatia ao meu filho?”.
Ana Carvalho contestou a interpretação do Chega, afirmando que foram cumpridas todas as regras. “Não é por ser filho que deve ser prejudicado. Quando a PV se candidata, não pode ser excluída, discriminada, apenas porque é detida pelo BPF. Tem de ser escrutinada, a atenção e o foco têm de ser à prova de bala”. Segundo Ana Carvalho, esse escrutínio foi feito pela comissão de auditoria, que procedeu a uma “análise específica”. Desde que arranje parceiros e investidores que aportem 30% de investimento privado além do fundo, uma das condições do Consolidar, e “passando os crivos de escrutínio paralelo, tem direito a ser eleita e foi eleita”. Filipe Melo manteve que “neste caso o filho não tem de comer”, e que se está a “abrir uma brecha”.
A responsável foi ainda questionada por Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, sobre a origem dos 30% de capitais privados que têm de fazer parte do capital total de cada fundo, nomeadamente se vai ser escrutinado que este valor pode ter origem no Sistema de Incentivos fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE). “O programa prevê um apoio público de 70%. De onde vêm os restantes 30%? São SIFIDE? Então teremos 100% de capital público e estaremos perante de ajudas de Estado, que a Comissão Europeia não adora. Está a ser analisada a origem dos 30% dos capitais privados? Isto distorce a ideia e o racional do programa”, Consolidar, defendeu a deputada.
Ana Carvalho respondeu que “os estatutos do BPF dizem que o banco visa apoiar a inovação empresarial e dar apoio a empresas que evidenciem características inovadoras”. Paralelamente, no que toca a “outro tipo de incentivos aos quais somos alheios, isso é um tema fiscal”, afirmou, reconhecendo não conhecer o “andamento que o tema do SIFIDE está a ter”. “Creio que em breve possamos ter novidades sobre isto”, disse, mas “não estamos a escrutinar se estão no SIFIDE”, admitiu.
No final do ano, o Governo aprovou em Conselho de Ministros o diploma que prevê alterações ao regime do SIFIDE, nomeadamente que os fundos vão continuar a ter acesso, ao contrário do que chegou a ser avançado, mas com limites.