O líder do Chega gerou esta sexta-feira mais um incidente no parlamento, após considerar que o Brasil é governado por “um bandido”, expressão ofensiva repudiada pelo presidente da Assembleia da República e que revoltou deputados, sobretudo da esquerda.

“Compreendemos a fúria e angústia de milhões de brasileiros por verem o seu país governado por um bandido”, declarou André Ventura momentos antes de o parlamento aprovar por unanimidade — ou seja, também com os votos do Chega — um voto apresentado por Augusto Santos Silva de condenação pela invasão e vandalização das principais instituições brasileiras no passado domingo.

André Ventura foi imediatamente repreendido pelo presidente do parlamento por ter usado uma expressão injuriosa e ofensiva, em violação do Regimento da Assembleia da República, atingindo um chefe de Estado de “um país amigo de Portugal”.

Perante sonoros protestos de dezenas de deputados, o presidente do Chega procurou relevar que, no passado domingo, foi o primeiro líder partidário a condenar a tentativa de “subversão das instituições democráticas” em Brasília.

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Observou que até compreendeu a advertência que lhe fora feita por Augusto Santos Silva, mas frisou que não recuava naquilo que dissera e que, inclusivamente, estava disposto para levantar a sua imunidade parlamentar se for a tribunal.

Augusto Santos Silva ouviu ainda, sem responder, o líder do Chega acusá-lo de “cegueira ideológica” por apresentar um voto sobre incidentes no Brasil, mas “não sobre a violência da extrema-esquerda comunista no Peru e na Colômbia, onde já morreram dezenas de pessoas”.

Mesmo na parte final deste aceso período de debate, o presidente da Assembleia da República foi novamente obrigado a intervir, desta vez para retirar a palavra ao deputado do Livre, Rui Tavares, que recorria à figura da interpelação à mesa para atacar o Chega.

“O senhor deputado [Rui Tavares] faça o favor de se calar enquanto eu estiver a falar. Não posso ser intermediário das vossas recriminações”, advertiu Augusto Santos Silva.

Rui Tavares, primeiro na sua intervenção e depois por via da sua interpelação à mesa, pediu atenção à extrema-direita em Portugal, apontando que o Chega, numa manifestação, “deixou uma corda com uma forca à entrada do Tribunal Constitucional”.

Uma das intervenções mais duras contra André Ventura partiu do vice-presidente da bancada do PS Pedro Delgado Alves.

“Pensa que nos toma a todos por parvos, pensa que nos toma a todos por desconhecedores da realidade ao dizer que compreende as razões de quem sobe a rampa do Palácio do Planalto para invadir as instituições brasileiras, ignorando o Estado de Direito, o resultado das eleições e a forma como em democracia se resolvem os diferendos. Faz de conta que essas palavras não são as que mobilizam as pessoas contra a democracia. É tomar-nos por parvos e é hipócrita na forma como o faz“, declarou, numa intervenção aplaudida de pé pelos deputados socialistas.

O deputado social-democrata Tiago Moreira de Sá considerou que a “transição pacífica de poder é o coração da democracia” e declarou que o PSD “condena de forma veemente” os incidentes de domingo passado em Brasília e “saúda as instituições democráticas”.

Também dura foi a intervenção da dirigente do Bloco de Esquerda Joana Mortágua, dizendo que o discurso do Chega — “partido que apoia o ex-presidente Jair Bolsonaro, como apoia Donald Trump” —, revela “má consciência”.

“Portanto, não consegue condenar inequivocamente a invasão dos poderes democráticos no Brasil“, acentuou Joana Mortágua, numa intervenção em que lembrou o assassinato da ativista Marielle Franco durante a anterior presidência de Jair Bolsonaro.

A deputada do PAN, Inês Sousa Real, observou que nos incidentes em Brasília houve também violência contra animais das forças de segurança e, olhando para a bancada do Chega, declarou: “Não passarão”.

Pela bancada do PCP, Bruno Dias condenou “o ato de caráter golpista” em Brasília, pediu a condenação de todos os que protagonizaram e conspiram para a concretização daquela ação antidemocrática, advertiu para os perigos das “ameaças fascizantes” e manifestou-se convicto que “serão os povos das Américas e do mundo a construir a sua própria história”.

O líder parlamentar da Iniciativa Liberal, Rodrigo Saraiva, fez uma intervenção curta: “O único desejo é que o Brasil alcance ordem e progresso, respeitamos a vontade soberana do povo brasileiro e, por isso, repudiamos o que aconteceu na Praça dos 3 Poderes em Brasília”.