Na primeira intervenção no partido, depois de semanas de crise intensa com várias demissões no Governo — incluindo do peso pesado Pedro Nuno Santos –, António Costa contornou o elefante na sala até à linha final do discurso. Nessa altura , na reunião da Comissão Política Nacional do PS, em Coimbra, deixou um recado forte, dois dias depois de ter criado um questionário para responsabilizar novos membros do Governo na altura da sua nomeação: “Da escolha de presidente de junta de freguesia a de membros do Governo temos de ser mesmo muito exigentes, muito mais exigentes”.
Ao que o Observador apurou, trata-se apenas de um recado para as tropas e não há uma intenção de aplicar o famoso questionários às escolhas internas que o partido fizer a partir de agora. Mas Costa acaba por dar agora o sinal de que essa mesma lógica deve imperar quando são designados representantes do partido para os vários níveis da administração.
A dica ficou depois de o líder socialista falar no calendário das festas dos 50 anos do partido, que se celebram a 19 de abril deste ano, e para dizer que a exigência referida se impõe porque há precisamente “50 anos de história e um partido que há que respeitar”.
Na sala estava sentada a ouvir a ministra da Agricultura Maria do Céu Antunes, que esteve no mais recente episódio de erro de escrutínio no PS, ao escolher para secretária de Estado Carla Alves que estaria indiretamente implicada num caso de justiça e teve de se demitir 25 horas depois de tomar posse. A acumulação de mais um caso e a rapidez com que tudo acontece chocou o PS que, nos corredores, tem criticado a falta de cuidado com essa nomeação depois do que já tinha acontecido com Miguel Alves e Alexandra Reis.
Os outros socialistas governantes ou ex-governantes que tiveram alguma relação com estas polémicas, como Fernando Medina ou Pedro Nuno Santos, não estiveram nesta reunião. O segundo porque deixou os órgãos de direção do partido na sequência da demissão do Governo.
Antes de chegar a este ponto delicado, António Costa tentou focar o partido para os meses que aí vêm, fixando mesmo uma linha de ação para três meses. Disse que o próximo trimestre “será muito exigente” e que há “seis grandes prioridades” em que o partido deverá estar concentrado neste horizonte: a agenda do trabalho digno, a reforma do SNS, o modelo dos professores, a conclusão do processo de descentralização, as políticas de habitação, execução dos fundos comunitários. O objetivo, sublinhou também, é a “recuperação da crise inflacionista”.
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Uma das principais exigências que definiu foi mesmo “o bom nível de execução que o PRR está a ter. É fundamental não corrermos o risco de não estar tudo integralmente cumprido”. Disse saber que as condições objetivas para o executar “estão mais difíceis” — os preços dos materiais de construção subiram, faltam componentes para processos de transição digital — mas isto só significa que é “preciso acelerar mesmo”.
O mesmo para as políticas de habitação onde há um novo Ministério, sob liderança de Marina Gonçalves, mas a mesma urgência em pôr medidas cá fora, mesmo que temporárias. Aos socialistas, Costa disse que “é preciso acelerar o que estava previsto mas também criar novos instrumentos”, mesmo que “transitórios para responder aos problemas” de hoje.
E a mesma pressa ainda sobre a Agenda do Trabalho Digno e até encomendou “novamente” ao grupo parlamentar socialista — e o líder parlamentar estava sentado na primeira fila — “que coloque toda a sua energia na aprovação mais rápida possível da agenda do trabalho digno”. É importante “acelerar” a conclusão deste dossiê, defendeu.
E na questão da Educação, em dia de manifestação de professores em Lisboa, António Costa voltou a garantir, a partir de Coimbra, que “é uma óbvia fantasia” que “tenha estado em cima da mesa qualquer decisão de transferência de poderes para municípios no que tenha a ver com pessoa docente, desde a contração à gestão” de professores. E vincou a necessidade de se avançar na autonomização das escolas e no novo modelo de contratação e vinculação dos professores — cuja negociação está precisamente no centro destes protestos.
Ainda devolveu ao partido um outro dossiê que tinha deixado de molho numa última reunião da Comissão Nacional, em julho passado e no rescaldo do caso da desautorização de Pedro Nuno no novo aeroporto, a regionalização. Nessa altura, Costa disse aos socialistas que é um assunto que requer “amplo consenso nacional” e que o PSD de Luís Montenegro tinha acabado de dizer que não queria qualquer referendo em 2024 (como Costa previa no seu programa eleitoral).
Agora, diz aos socialistas: “A opção é muito simples, ou os camaradas querem avançar na descentralização e criação de regiões ou não querem. Se não querem, têm de ir explicar aos portugueses que deram o dito por não dito. Eu não direi. Se quiserem, temos de cumprir o que está no programa do Governo e integrar esse serviços da administração desconcentrada do Estado nas CCDR.”