Os primeiros cem dias do Governo da maioria socialista foram atribulados e entre a Comissão Nacional que chegou a estar prevista para cima do congresso do PSD — e que foi adiada para não melindrar o adversário — e a que se realiza este sábado ainda apareceu mais uma crise, a do aeroporto. Por isso, no arranque da reunião, o líder António Costa apareceu a garantir comando, numa sala onde também estava Pedro Nuno Santos, e a avisar que o programa é para cumprir “mesmo que possa levar mais tempo” — exceto talvez naquela parte que terá de se avaliar na altura se “é oportuna ou não”: a regionalização. E desta vez não houve só silêncio na plateia sobre o caso polémico de há uma semana.

No distrito do desautorizado ministro das Infraestruturas, Aveiro, António Costa quis acalmar o PS face à “agenda da bolha político-mediática” que ” se entusiasma imenso com casos e casinhos”, que comparou até aos “infinitos debates” sobre futebol. “Eu, que adoro futebol, gosto mesmo é daqueles 90 minutos em que os jogadores jogam”, afirmou Costa perante os socialistas: “E na política é mais ou menos o mesmo, perceber o que o país precisa a longo prazo, definir estratégia. Perante a execução da estratégia surgem surpresas e há incertezas? Concerteza que sim. Mas por isso é que isto não anda em piloto automático e precisa de alguém que saiba conduzir“.

Oposição interna a Costa isolada a pedir explicações sobre caso Pedro Nuno

Quando há problemas, “o que cabe fazer é identificar o problema e procurar soluções. Há problemas que são difíceis de resolver e até deve haver os que não têm solução… talvez“, disse sem falar diretamente no caso de há uma semana mas com ele em todas as entrelinhas. Na parte fechada da reunião ouviu algumas perguntas sobre o caso, exclusivamente dos apoiantes de Daniel Adrião, que lidera a sensibilidade interna que se opõe a Costa e tem mais de 20 elementos entre os 251 da Comissão Nacional. Pedro Nuno esteve na primeira fila do auditório da Fábrica das Ideias, na Gafanha da Nazaré, mas sem falar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Já não estava presente quando esses socialistas pediram explicações sobre o caso que o envolveu sobre o novo aeroporto de Lisboa. Daniel Adrião disse ao Observador que o que disse lá dentro é que este “não foi um episódio pontual mas uma erupção provocada pelo acumular de tensões entre ambos desde 2019”, ano em que a “geringonça” não foi reeditada. Na resposta, ouviu Costa dizer que registou a sua intervenção. Outro socialista que esteve na reunião conta que na intervenção final, o líder afirmou que “o seu papel é pugnar pela unidade do PS”, em vez de “expor as clivagens”.

Pressionado por este acontecimento, mas também outros casos nestes primeiros cem dias do seu Governo, na sua intervenção inicial o socialista já tinha dito aos dirigentes do órgão máximo entre congressos que “a chave do sucesso do PS nestes anos é que tem sabido de resistir e não reger a agenda pela da bolha político mediática”, exortando-os as “ignorar a bolha e concentrarem-se no que interessa aos portugueses” e não “andar a entreter com casos e casinhos que alimentam a bolha”.

E nesta senda de acalmar o partido, Costa usou também o ataque à direita, dizendo aos socialistas que a deixem entregue aos “campeonato que deve ser interessantíssimos, seguramente” de “saber quem é mais à direita e mais contra o Costa e o PS”.

Regionalização. Processo requer “amplo consenso”

O maior ataque ao PSD surgiu, no entanto, noutra parte do discurso, quando Costa falava sobre a regionalização. O novo líder social-democrata não quer o referendo em 2024 e o socialista diz que isso acontece porque o PSD “tem medo de ouvir os portugueses”. Foi isto mesmo que sugeriu ao dizer que “não se pode deixar de fazer [o referendo] porque se tem medo de ouvir os portugueses”, acrescentando logo de seguida, com ironia, que até compreende essa posição social-democrata já que “nos últimos anos, os portugueses foram ouvidos e só disseram coisas que o PSD não gostou”. Mas, prosseguiu no discurso, “quem quer estar na vida política não pode estar zangado com o povo e tem de respeitar o que o povo diz”.

Entre todo o ataque político como fica afinal o referendo? No ponto em que o PSD o deixou quando Luís Montenegro disse, no congresso de há uma semana, que não o quer em 2024. Sobre isto em concreto, Costa até teve um deslize ao dizer que o programa do Governo “previa — e prevê — que em 2024 pudéssemos dar voz aos portugueses para se pronunciarem sobre a regionalização”. O socialista corrigiu o tempo verbal a tempo, mas admitiu que esse calendário possa ter de ser reavaliado, garantindo que o articulará com o maior partido da oposição.

“É um processo que requer um amplo consenso nacional“, afirmou Costa dizendo que a posição sobre o referendo foi a única coisa que saiu do Congresso do PSD. E logo a seguir admitiu que “se fosse hoje, não era o momento oportuno. Ninguém sabe qual será a a situação de 2024 e claro todos temos o dever de avaliar se é ou não oportuno” nessa altura. O PS aplaudiu enquanto Costa garantia que não será por “uma questão de oportunidade temporal” que se vai deixar de “fazer o que deve ser feito”.

No final da reunião, o secretário-geral adjunto havia de compor a mensagem dizendo que “o PS não deve ter ansiedade em relação ao tema da regionalização” e acusando o PSD de as ter introduzido. Não fecha a porta ao tema, embora não entre em confronto com os sociais-democratas neste tema: “Essas discussões devem ser feitas com a serenidade exigida e deve haver mais espírito de diálogo e concertação do que de radicalização“.

PS evita guerra com PSD sobre referendo e conforma-se com adiamento

No auditório falou ainda a presidente da Associação Nacional de Municípios e autarca de Matosinhos, Luís Salgueiro, sobre o processo de descentralização para afirmar empenho no acordo que garantiu — tal como Costa tinha já dito na intervenção inicial — estar a “centímetros” de estar fechado. No final da reunião, o líder socialista até foi mais ambicioso e já falou em “milímetros”.

Aumentos salariais. Costa quer ter solução equilibrada nos próximos meses

A mesma cautela que o PS imprime neste tema surge também em relação ao contexto de guerra, que Costa não quer que sirva de “desculpa” para não cumprir o programa: “Não utilizaremos a guerra como desculpa para fazer o que temos de fazer”. Embora vá já avisando que “pode levar mais tempo e ter de fazer de forma diversa. Mas vamos fazer porque é esse o compromisso assumido com os portugueses”.

Elencou as medidas do Governo de resposta à inflação, com os mesmos números que já foi avançando nos debates parlamentares onde participou  no último mês e, durante o período de intervenções dos elementos da Comissão Nacional, ouviu José Abraão falar de salários. O socialista e secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública confrontou-o com a necessidade de aumentar salários tendo em conta os sucessivos aumentos da inflação. Segundo Abraão, Costa assumiu o “compromisso de melhorar salários conforme está no programa de Governo”. Mas outro socialista diz que o tema voltou a ser tratado com pinças pelo primeiro-ministro socialista que continua a temer contribuir para a espiral inflacionária.

Costa terá falado da necessidade de “nos próximos meses tomar uma decisão equilibrada que  não provoque um galopar da inflação”, de acordo com um dos participantes na reunião. A solução constará do próximo Orçamento do Estado.

Nesta reunião, um grupo de militantes ainda apresentou um requerimento a reclamar com a expulsão de Maximino Serra do partido, justificando com a falta da audição da Comissão Nacional no processo. O presidente do partido Carlos César disse que iria pedir um parecer jurídico sobre este assunto, segundo disse um dos participantes na reunião ao Observador.

Artigo entretanto atualizado com informações recolhidas sobre a parte da reunião que decorreu à porta fechada