Hergé pôs Tintin e os seus fãs em busca das joias de Bianca Castafiore. Hitchcock escreveu todo o enredo de um filme à volta de roubos de joias na Côte d’Azur. Truman Capote criou Holly Golightly e o cinema tratou de a transformar numa figura icónica a tomar pequeno-almoço em frente à montra da Tiffany’s. Mas todos estes enredos serão curtos em comparação com a história da tiara que Meghan Markle usou no casamento real, recheada de notícias, opiniões e até diferentes versões.

Alguns meios de comunicação internacionais chamam-lhe mesmo o “tiaragate”. O assunto estava adormecido há algum tempo, mas entre as muitas memórias que o príncipe Harry partilhou no seu livro, Na Sombra, lá estava o episódio da escolha da tiara, que despertou novamente o tema. Por aqui chamemos-lhe “o caso da tiara” e agora que ele foi reaberto, relembramos os capítulos e personagens de uma polémica que pode, afinal, ter sido apenas uma história de desencantar.

Em jeito de resumo para os mais desatentos tudo começou há cinco anos, quando Harry e Meghan estavam de casamento marcado para a primavera de 2018. Manda a tradição que as noivas reais usem uma tiara na cerimónia e a Rainha convidou Meghan a escolher uma da sua coleção. A 19 de maio a noiva deslumbrou com uma joia histórica, que não era vista há muito tempo, tirada dos cofres do palácio só para si. Mas uns meses mais tarde a imprensa britânica lançou a dúvida: teria Meghan escolhido uma tiara que lhe foi depois negada pela Rainha?

A polémica estava lançada, e numa altura em que o ambiente se começava a dividir entre as pessoas que adoravam a nova duquesa e as que a difamaram até ao desfecho que ficou conhecido como Megxit. A história da tiara continuou a dar que falar e agora Harry conta, detalhadamente, nas suas memórias que afinal a escolha da tiara foi fácil e consensual, conseguir tê-la nas mãos para o casamento é que foi difícil. Mas comecemos pelo princípio.

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O que aconteceu: dois casamentos reais e duas tiaras surpreendentes

Vamos aos factos. Harry e Meghan casaram-se a 19 de maio de 2018 na Capela de St. George no Castelo de Windsor. A noiva usou um vestido Givenchy criado pela designer britânica Claire Waight Keller com um véu onde foram bordadas várias flores a representar diferentes países da Commonwealth e uma tiara da coleção da Rainha. A tiara bandeau da Rainha Mary, em platina, consiste numa banda flexível e é composta por onze secções. Os diamantes formam um padrão geométrico e ao centro está uma pregadeira removível formada por 10 diamantes. A tiara foi criada para a rainha Mary, avó da Rainha Isabel II, em 1932 e com o objetivo de ser uma espécie de moldura para a pregadeira, que foi um presente de casamento. As joias passaram para a neta quando a avó morreu, em 1953. A tiara de Meghan foi uma surpresa, porque a última pessoa a usá-la em público terá sido mesmo a rainha Mary, mas encantou os fãs.

A 12 de outubro do mesmo ano e no mesmo local casou-se a princesa Eugenie, prima de Harry e filha mais nova do príncipe André. A noiva também usou uma tiara emprestada pela Rainha, a tiara Greville com sete esmeraldas e em estilo kokoshnik. A joia foi criada pela casa joalheira Boucheron em 1919 para a Dama Margaret Greville, uma senhora da alta sociedade britânica que depois a deu à rainha mãe em 1942. Quando a mãe morreu, Isabel II herdou a peça. Outra tiara surpreendente, esta nunca havia sido usada por membros da família real em público.

Meghan com a tiara da rainha Mary, em platina e diamantes

O início da polémica

A primeira notícia que deu a entender que haveria uma história intrincada por trás da escolha da tiara foi publicada a 9 de novembro de 2018. O jornalista Dan Wootton acendeu o rastilho no jornal britânico The Sun. Trata-se, convém referir, do autor da primeira notícia de que Harry e Meghan iriam deixar o Reino Unido em 2020, afirma a Hola. Quanto à tiara, o artigo de Wootton tinha como título: “A Rainha alertou o príncipe Harry para o comportamento ‘difícil’ de Meghan Markle depois de uma discussão sobre a tiara da noiva para o casamento real”.

No texto pode ler-se que a noiva “inicialmente queria uma tiara que tivesse esmeraldas, de acordo com fontes reais” e que o casal terá ficado “descontente” quando soube que a primeira escolha era “impossível”. O autor continua a citar uma fonte real, escrevendo: “Houve uma discussão acalorada que levou a Rainha a falar com Harry. Ela disse, ‘A Meghan não pode ter tudo o quer. Ela terá a tiara que lhe for dada por mim’”. O problema apontado foi a procedência da joia, uma vez que ninguém saberia de onde vinha.

A notícia ganhou asas e a ideia de que houve drama na escolha da tiara instalou-se. O facto da princesa Eugenie ter usado uma tiara com esmeraldas também contribuiu para esta polémica. Estaria a Rainha a guardar a joia para a neta usar meses mais tarde?

O lançamento do livro Finding Freedom em julho de 2020, escrito pelo jornalista e amigo dos Sussex Omid Scobie e por Carolyn Durand e que terá tido a colaboração de Meghan, trouxe uma nova versão da história. Afasta a ideia de qualquer conflito entre a noiva e Rainha, mas dá conta da frustração de Harry em lidar com Angela Kelly, uma das pessoas mais próximas da monarca e responsável pelo seu guarda-roupa, que estaria a dificultar o acesso do casal à tiara, segundo relatou a revista People, que publicou excertos do livro em exclusivo, na altura do seu lançamento.

A princesa Eugenie com a tiara Greville no dia do seu casamento, em outubro de 2018

Em outubro do mesmo ano o livro de Robert Lacey, Battle of Brothers: William and Harry — the Friendship and the Feuds, também aborda o caso da tiara de Meghan e reforça a teoria de que a joia com esmeraldas foi a primeira escolha. “Sem confirmação do palácio — mas também não negado — foi-nos dito que a Rainha sentiu que tinha de dizer ‘não’ à primeira escolha de Meghan, uma linda peça com esmeraldas sobre a qual foi dito que ‘teria vindo da Rússia’”. O autor explica que isto seria “código para origem sensível” e não seria bom para ninguém que “os jornais começassem a especular sobre que princesa teria usado a tiara e como teria ela sido assassinada”. Lacey escreve que “infelizmente, a ignorância do príncipe Harry tanto em história como em tradição familiar significam que ele não percebeu a subtileza” e ficou “enraivecido” quando soube que Meghan não podia usar a peça, segundo cita o jornal britânico Mirror.

A revista Hola acrescenta que a teoria de que Meghan quereria uma tiara com esmeraldas poderia ser verdadeira, uma vez que a cor verde teve especial significado no dia do casamento. A sessão de fotografias teve como cenário o Salão Verde do Castelo de Windsor e os noivos sentaram-se no mesmo sofá Morel & Seddon onde Diana posou no batizado de Harry. “É possível que a dado momento, no início, se tenha falado que a tiara ideal deveria ter esmeraldas”, confessam os autores no livro Finding Freedom, citado na revista espanhola. Muito se pode especular sobre quais seriam as peças disponíveis para Meghan escolher, mas não se sabe com certeza quais foram.

O que dizem os noivos

Em 2018 a exposição “A Royal Wedding: the Duke and Duchess of Sussex” no Castelo de Windsor exibiu o vestido de noiva de Meghan, a tiara da rainha Mary e também uma réplica do fato de Harry. “Quando chegou a altura da tiara eu tive a sorte de poder escolher esta tiara bandeau em estilo art deco maravilhosa”, disse a duquesa numa gravação que se podia ouvir na exposição.” O Harry e eu fomos ao palácio de Buckingham ter com Sua Majestade a Rainha para escolher uma entre as opções que estavam lá, foi um dia incrível e surreal, como podem imaginar.” A duquesa acrescenta ainda que a joia era “perfeita” pela sua simplicidade, segundo cita o Daily Mail.

A versão que o príncipe Harry partilha agora no seu livro Na Sombra vai precisamente ao encontro desta, mas com mais detalhes. “Foi uma manhã extraordinária. Entrámos no quarto de vestir privado da Avó, mesmo ao lado do quarto dela, um espaço onde tinha estado.” O príncipe conta que pouco antes do casamento Isabel II falou com os noivos, ofereceu “livre acesso à sua coleção de tiaras” e convidou-os a visitarem o Palácio de Buckingham para que Meghan as pudesse experimentar.

Além de Isabel II, estavam também presentes uma especialista em joias e historiadora que conhecia a linhagem das peças da coleção real, e ainda Angela Kelly, que Harry descreve como “camareira e confidente” da Rainha e é também a pessoa que criava e tratava do guarda-roupa da monarca. “Havia cinco tiaras dispostas em cima de uma mesa, e a Avó instruiu Meg a experimentá-las diante de um espelho de corpo inteiro. Mantive-me atrás a observar”, conta Harry. Havia uma tiara com esmeraldas, outra com aquamarinas e o príncipe confessa que todas eram deslumbrantes e o fizeram “suster a respiração”.

A Rainha disse a Meghan que as tiaras lhe ficavam bem e houve uma que se destacou. “Todos concordámos. Era linda, parecia feita para Meg.” A Rainha explicou que dali a joia “iria direitinha para um cofre e que estava ansiosa por ver Meg usá-la no Grande Dia”. E acrescentou um importante aviso: “Não se esqueça, acrescentou, de praticar a maneira de a colocar. Com o seu cabeleireiro. Tem que se lhe diga, e não convém fazê-lo pela primeira vez no dia do casamento.”

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E ainda a tiara de Diana e uma suposta vilã

Harry conta no seu livro que antes do casamento as suas tias maternas, as irmãs de Diana, perguntaram se Meghan “iria gostar de usar” a tiara da mãe do príncipe. No seu casamento com Carlos, Diana usou a tiara Spencer, pertencente à sua família, e não uma tiara da coleção da Rainha. “Ficámos os dois comovidos.” Contudo, a última vez que esta tiara foi usada por uma noiva foi no casamento do Conde de Spencer, irmão mais novo de Diana, e a relação acabou em divórcio.

Meghan acabou por escolher uma joia da coleção da rainha. Harry conta que ele e Meghan estavam “maravilhados” quando saíram do palácio e perceberam depois que, de facto, o processo exigia preparação. A joia tinha de ser cosida ao véu e fixada numa trança no cabelo da noiva e seguiram o conselho dado pela Rainha.

Pediram a Angela Kelly que enviasse a tiara, mas a resposta demorou e quando chegou não foi positiva. A guardiã do guarda-roupa da rainha disse que para tal seria “necessário um ordenança e uma escolta policial para a tiara poder sair do palácio”. Harry diz que tratou dos requisitos, mas mesmo assim a tiara não chegou à sua posse. Acreditava que Angela Kelly estava a criar dificuldades de propósito. “Angela era uma pessoa problemática e não queria tê-la como inimiga”, remata o príncipe.

O cabeleireiro de Meghan deslocou-se de Paris a Londres de propósito para um ensaio geral e mesmo assim a tiara não chegou às mãos dos noivos. Angela Kelly acabou por ir ao Palácio de Kensington entregar a tiara depois de Harry assinar um documento de cessão de propriedade. O príncipe queixou-se de ter recebido a tiara tão tarde e Kelly ter-lhe-á respondido: “Isto ainda não acabou”. Se nesta história do “caso da tiara” Isabel II seria certamente a fada madrinha que empresta a joia que tornará a noiva reluzente no dia do seu casamento, então Angela Kelly poderia muito bem ser a vilã, segundo os relatos do príncipe. Meghan e Harry contaram a sua versão, a Rainha já morreu e Angela Kelly, como alta funcionária da casa real, não deverá revelar o que se passou naquela sala do Palácio de Buckingham. Talvez o caso da tiara de Meghan fique por aqui.

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