O antigo líder socialista José Sócrates acusa o primeiro-ministro, António Costa, de estar disposto a negociar a natureza do regime ao aceitar a presunção da culpa e admitir entregar ao Ministério Público a indagação prévia de governantes. Estas críticas dirigidas pelo antigo primeiro-ministro (2005/2011) a António Costa constam de um artigo publicado na edição online do jornal Expresso, intitulado “Uma história de aflição”.

José Sócrates começa por se referir ao debate parlamentar sobre política geral da semana passada. Um debate em que diz ter observado que o primeiro-ministro se apressou a concordar quando “o líder da extrema-direita” [André Ventura] classificou a prisão do presidente da Câmara de Espinho como “uma vergonha”.

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“O Estado português, segundo o primeiro-ministro e o líder da extrema-direita, já não precisa de acusar, já não precisa de provar, já não precisa de julgar – basta prender e presumir a culpa. A República a caminho de uma República penal”, considera.

Para José Sócrates, o atual PS “parece já não reconhecer as garantias constitucionais nem os limites ao poder estatal, nem o valor supremo da liberdade individual na ordem penal” e “a única coisa que parece interessar é o cálculo, a carreira e o instinto de poder”. “E a covardia política, já agora”, ataca, visando, depois, a própria bancada do PS.

“No mesmo momento em que aplaudem o seu líder os deputados socialistas enterram também a sua declaração de princípios: “O PS considera primaciais a defesa dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos. As palmas dos deputados homenageiam um outro sucesso — o da extrema-direita. Bravo”, alerta.

José Sócrates faz também duras críticas a António Costa por o seu executivo ter adotado agora um questionário prévio à nomeação de ministros e secretários de Estado em que procurou envolver o Presidente da República e o Ministério Público, considerando que tal demonstra que “o Governo está tão assustado que vale tudo para sair dali”. “Se for preciso perde-se também a dignidade da política, se é que esta ainda conserva alguma”, diz.

Segundo o antigo secretário-geral do PS, que se demitiu deste partido em 2018, neste processo o Presidente da República rejeitou partilhar essa averiguação prévia – e o que resta dele “é uma história de aflição na qual um primeiro-ministro está disposto até a negociar a natureza do regime“. “A responsabilidade do Presidente [da República] no questionário tornaria os ministros responsáveis também perante ele próprio”, assinala, apontando, em seguida, que António Costa foi ainda mais longe ao admitir a indagação prévia de futuros membros do Governo pelo Ministério Público.

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O Ministério Público, na sua perspetiva, passaria a ter o “poder de dizer quem pode e quem não pode entrar no jogo político”. “No fundo, no fundo, regressaríamos ao antigo regime e aos atestados de bom comportamento moral e cívico passados pelas autoridades”, sustenta.

“Para já, ficámos a saber que a intenção do primeiro-ministro era sujeitar futuros governantes a responder a inquéritos policiais antes de exercerem funções. Sim, inquéritos policiais, visto que a autonomia de investigação das policias foi há muito eliminada pelo Ministério Público que agora escolhe os chamados órgãos de polícia criminal de acordo com critérios de obediência e de servilismo”, advoga. “A República a caminho de uma República penal”, acrescenta depois.