O padre José Manuel Pereira de Almeida, secretário da comissão episcopal da Pastoral Social e da Mobilidade Humana da Conferência Episcopal Portuguesa, reconheceu esta quarta-feira que o custo do altar-palco onde o Papa Francisco vai presidir às celebrações finais da JMJ 2023, em agosto, é “muito alto” e poderá ser visto como aparentemente incompatível com o discurso, por parte dos responsáveis da Igreja, de que existe uma grande necessidade de financiamento da ação social da Igreja Católica.
“São números muito altos, estes, que eu acho que nos chocaram a todos”, disse o sacerdote, que é também vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa, aos microfones da Rádio Observador durante o programa Direto ao Assunto. “Quando me pergunta se justifica: eu espero que eles justifiquem, eu é que não tenho justificações à partida.”
O padre, que não está diretamente envolvido na organização da JMJ 2023, mas que tem responsabilidades a nível da Conferência Episcopal Portuguesa no que respeita à ação social da Igreja, assumiu que há atualmente muitas instituições sociais da Igreja em dificuldades, uma realidade para a qual os bispos têm alertado com frequência — e que poderá ser difícil “conciliar” esse discurso com um gasto de 4,2 milhões de euros num palco.
“O D. José Traquina, que é o presidente da comissão episcopal que eu secretario, tem recentemente explicitado essas preocupações, com a rede das Cáritas nas várias dioceses”, disse o padre. “Não são só os nossos que estão em situação de dificuldade. É também aqueles que nós havemos de saber acolher e que nos chegam sem sabermos como, entre refugiados, emigrantes, estrangeiros que estão no meio de nós.”
Contudo, o sacerdote afirmou que “os investimentos são destas ordens, dos milhões, mas são cerca de 350 milhões que o Governo estima que o evento vá atrair a Lisboa”.
“A minha única justificação é que é um investimento de que se espera ter retorno”, assinalou, sublinhando que não é possível comparar o investimento nesta estrutura com o palco onde Bento XVI celebrou uma missa no Terreiro do Paço, em 2010 — que era uma estrutura “provisória”, desmontada depois da celebração.
No entender do padre José Manuel Pereira de Almeida, estes gastos poderão justificar-se tendo em conta que aquela é “uma estrutura que depois vai ficar”. O sacerdote lembrou, a título de exemplo, a “boa experiência” da Expo 98, motivo pelo qual hoje o Parque das Nações é uma área requalificada. Sobre o Parque Tejo-Trancão, que está a ser requalificado devido à JMJ 2023, o padre espera “que seja para usufruto de muitas gerações”. Isto porque, acrescentou, “se fosse [apenas] para o Papa celebrar a missa, qualquer altar dos nossos dava”.
Para o vice-reitor da Universidade Católica, o facto de estes valores só terem sido tornados públicos a poucos meses da realização da JMJ 2023, apesar de o evento estar agendado há quatro anos, poderá ter levantado “alguma perplexidade” — e defendeu que este tipo de investimentos deveria ser discutido e planeado com maior antecedência.
Salientando, por outro lado, que a Igreja Católica nunca teria capacidade para sustentar, apenas com os seus próprios meios, um evento da dimensão da JMJ 2023, o padre José Manuel Pereira de Almeida salientou que a organização do evento é uma responsabilidade repartida por Governo, câmaras e Igreja.
Esta semana, o Observador noticiou que a construção do altar-palco onde o Papa vai celebrar a missa final da JMJ 2023 foi adjudicada por 4,2 milhões de euros. A notícia deu origem a um forte debate público sobre o assunto, com o Presidente da República a pedir mais esclarecimentos sobre o assunto e a câmara de Lisboa a argumentar que o investimento é, na verdade, num parque intermunicipal e num palco que ficarão como equipamentos para serem usados no futuro em diversos eventos na cidade de Lisboa.
Esta quarta-feira, numa conferência de imprensa no Parque Tejo-Trancão, o vice-presidente da câmara de Lisboa, Filipe Anacoreta Correia, explicou que a intervenção na requalificação total do parque, incluindo a construção do palco, vai custar 21,5 milhões de euros — dos quais 19 milhões são um investimento que fica para a cidade.
Em novembro do ano passado, na última Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa, os bispos portugueses expressaram uma “forte preocupação pelas grandes dificuldades por que passam as pessoas e famílias, instituições civis e eclesiais, provocadas pela crise atual”.
“As políticas definidas na Europa e em Portugal são medidas paliativas importantes para responder ao apoio de emergência, mas torna-se imprescindível realizar convergências para concretizar políticas estruturais que permitam mitigar os efeitos da inflação e incentivar o crescimento, tendo como preocupação o combate à pobreza, a diminuição das desigualdades sociais e o bem-estar dos cidadãos, com uma mais justa repartição da riqueza”, afirmou o porta-voz dos bispos, padre Manuel Barbosa, na altura.
“Nas instituições de solidariedade social, muitas das quais ligadas à Igreja Católica, a crise continua a acentuar-se, colocando em risco a sua sustentabilidade. Na sua atitude de proximidade, as instituições da Igreja continuam a atender situações de extrema necessidade, mas o justo apoio do Estado, que sustenta apenas uma parte limitada do esforço financeiro destas instituições, é imprescindível para que a sua falência não venha agravar a situação de centenas de milhares de pessoas e famílias que delas dependem”, acrescentou o sacerdote.
Também em novembro, a Cáritas Portuguesa, o principal braço operacional da ação social da Igreja Católica em Portugal, revelou que estava a lutar “para dar resposta ao aumento das solicitações, à sua diversidade e, por outro lado, ao aumento dos custos de gestão, para garantir que quem nos procura encontra sempre uma porta aberta e a resposta de emergência de que necessita”.
A instituição salientava também que, em 2022, devido à crise, se registou um “aumento generalizado em todo o país dos pedidos de ajuda”, aumentando o número de famílias de “classe média e média-baixa”, bem como de pessoas que não estão desempregadas, que precisam de ajuda.
“O acesso à habitação constitui uma das principais dificuldades para a integração de pessoas vulneráveis, nomeadamente jovens estudantes, famílias com baixo rendimento e pessoas sem abrigo. Não há medidas políticas nem estratégias que permitam vislumbrar soluções no curto prazo, o que compromete o futuro de muitos”, disse ainda a organização, apontando também um “um decréscimo de disponibilidade por parte dos doadores” e que “as medidas com vista à sustentabilidade das respostas sociais tardam em chegar”.