“A Burel é mesmo bonita. Olhas para qualquer lado e qualquer cantinho te dá ideias e vontade de fazer alguma coisa”, conta Filipa Homem ao Observador. Em janeiro do ano passado, candidatou-se a um anúncio da Burel Factory que procurava um designer para a primeira linha de moda da marca. “Pensei, uau, isto tem tanto potencial”, recorda. Ficou com o trabalho. Passado um ano, é como diretora criativa do projeto que vê as suas ideias materializadas em peças de roupa feitas de lã e tecidas com tradição. Já estão à venda em lojas físicas e online.
Woolclopedia é o nome da coleção. Aqui, o burel dá forma a 25 referências, entre elas casacos, saias, calças, chapéus, vestidos e macacões, tudo concebido com um ponto de vista moderno. É a tradição transportada para a atualidade. “Quisemos trazer o burel para a moda”, explica Filipa. “Eles já faziam as capas e as camisas, mas num tecido tão grosso que, vestes aquilo e pareces um boneco Michelin.”
As gramagens do burel, principalmente usado em têxteis para a casa, foram reduzidas para que se tornasse mais leve e fluido, fácil de vestir no dia-a-dia. Mantêm todas as características de isolamento e impermeabilidade da lã, mas com mais conforto. Também não são precisos forros, porque foram tratados para serem mais suaves. “Não picam”, revela.
A coleção é unissexo, embora isso, aqui, não seja necessariamente um statement. É uma escolha motivada principalmente pela sustentabilidade. “Não somos nós que decidimos quem veste o quê. O que temos é uma coleção pequena, com apenas 100 unidades de cada referência, que não obriga a fazer peças para mulher e para homem.” Em vez disso, todas as referências estão disponíveis numa tabela de medidas adaptada. O tamanho mais pequeno (B0) corresponde a um XS de womenswear ou a um XXS de menswear.
Aqui o burel não é só para vestir, mas também para calçar, nomeadamente em dois modelos de ténis criados em parceria com a marca portuguesa Diverge, com a qual a designer já tinha colaborado no passado. Há várias propostas, com cores que variam entre o bege e o azul, num modelo estilo bota e noutro chamado Landscape, cujas linhas e sobreposições saltaram à vista da criadora.
E a relação com a patroa? “A Isabel [Costa] deu-nos liberdade para fazermos o que nos vai na alma”, conta sobre a CEO da Burel Factory. Com a ajuda da designer Mafalda Fialho, recrutada propositadamente para o projeto de moda, começaram por pensar nos tecidos que queriam produzir e só depois nas peças. A Lanifícios Império, fábrica onde a produção da marca acontece, é central em toda a coleção. “É um museu vivo e é uma inspiração”, conta.
“Quando nós lá chegámos e começámos a abrir aquelas gavetas de amostras com cartõezinhos que tinham a receita daquele tecido, que era feito nos anos 50… foi de tirar a respiração.” Nesta coleção, a herança têxtil portuguesa tem um papel central. Isabel Costa conseguiu arquivar o património da fábrica desde os primórdios da sua existência e esse legado esteve presente em todo o processo criativo. “Por isso é que a coleção se chama Woolclopedia. É uma enciclopédia da lã”, expõe a diretora criativa.
Essa sensibilidade para os materiais nobres, com herança, foi-lhe despertada enquanto trabalhou com a Harris Tweed. “Só quando saí de Portugal é que percebi o que significava, a importância que tinha.” Filipa Homem tem quase 20 anos de experiência em moda. Estagiou na Alexander McQueen, passou pela Oscar de La Renta e esteve 3 anos na Suécia a trabalhar para a H&M.
Antes da colaboração com a Burel Factory, passou muitos anos a trabalhar coleções de miúdos. Durante 6 anos, por exemplo, assumiu a direção criativa da Knot Kids, onde liderou um esforço para que todos os tecidos fossem produzidos em Portugal e com qualidade.
“Se calhar, por ter desenhado moda para criança durante tanto tempo, desenvolvi uma maior liberdade. Não somos restringidos a uma série de regras que existem para o menswear e para o womenswear. Isso é uma mais valia”, reflete.
Esta primeira coleção é contada em dois cenários: o da montanha, inspirado na Serra da Estrela, com uma paleta de cores e tecidos verde, azul, damasco; e o da fábrica, com rosa-choque e verde lima, algumas das cores fortes que se veem ao entrar na Lanifícios Império. Mas ainda faltam outras duas histórias, que “já estão no forno”, adianta, e que devem ser lançadas no final deste ano, embora não estejam preocupados em cumprir calendários. Também não fazem saldos.
A educação dos consumidores é um ponto fulcral. “A Burel quer recuperar património e passar conhecimento”, explica. Foi por isso que, quando lançaram o site novo — que chegou ao mesmo tempo que a linha de roupa — quiseram também passar conhecimento sobre os processos. “Quanto mais as pessoas souberem, mais se vão apaixonar e perceber o trabalho que dá fazer as coisas. Quanto mais conhecimento passarmos do léxico que existe à volta da lã, mais vão compreender.”
No verão, conta que haverá novidades, mas a aposta grande é nas estações frias — “com 40 graus ninguém vai comprar casacos de lã”. Mas as regras são poucas para a Burel Factory. Não se vão restringir a certos tipos de peças ou a regras pré-existentes. Tudo é orgânico e experimental. “Temos muita sorte por trabalhar numa fábrica e com a Isabel, que é uma pessoa absolutamente criativa e aberta a fazer coisas novas a toda a hora. Isso para um designer é ouro sobre azul.”
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