No seu habitual discurso noturno à nação, Volodymyr Zelensky avisou esta terça-feira à noite que estava a preparar mais medidas anti-corrupção. Logo no dia seguinte a imprensa ucraniana noticiou que o SBU, o Serviço de Segurança da Ucrânia, estava a fazer buscas nas casas de personalidades à primeira vista intocáveis. Arsen Avakov, ministro do Interior entre 2014 e 2021 e, por isso mesmo, ex-responsável máximo do SBU, era um deles. Outro, talvez mais surpreendente ainda, era Ihor Kolomoisky, nada menos que um dos homens mais ricos e poderosos do país — e conhecido apoiante do Presidente ucraniano.
Igor Kolomoisky, one of Ukraine's most powerful oligarchs (considered an untouchable) was visited today by the SBU. He is investigated for fraud, tax evasion, embezzlement of oil products, among other things. Now, I hope he wont be extradited to Israel…#lviv pic.twitter.com/KzOc4TCXUG
— TheLvivJournal (@LvivJournal) February 1, 2023
Dono de uma fortuna avaliada pela Forbes em mil milhões de dólares, Ihor Kolomoisky, de 59 anos, é um self-made man, dono de quatro iates, que em 1992 ajudou a fundar o Privat Bank, o maior banco comercial do país, que deu origem ao Privat Group, através do qual tem negócios em áreas tão distintas como petróleo, gás, metalurgia, imobiliário e média.
A sua ligação a Zelensky vem justamente daí, da participação que o magnata detinha no 1+1 Media Group, cujo primeiro canal transmitia a série de comédia “Servant of The People”, protagonizada por Volodymyr Zelensky, então ator a fazer de Presidente da Ucrânia.
Como aponta a imprensa ucraniana, foi Kolomoisky, conhecido opositor do então Presidente Petro Poroshenko, quem “deu palco” pela primeira vez a Zelensky, que de Presidente na ficção conseguiu passar ao cargo na vida real.
Essa ligação fez com que, na corrida às presidenciais de 2019, o atual Presidente ucraniano, que fez campanha sob a bandeira da luta contra a corrupção e a oligarquia vigente, fosse acusado de ser um “fantoche” de Kolomoisky, alegações que ambos fizeram sempre questão de negar publicamente.
“É impossível influenciar-me”, garantiu Zelensky na altura, numa entrevista citada pela Reuters. “Nem Kolomoisky, nem qualquer outro oligarca, ninguém vai influenciar-me”.
Agora, quase quatro anos depois, Kolomoisky, que está impedido de entrar nos Estados Unidos e que já em 2016 tinha visto o Privat Bank ser nacionalizado por Poroshenko, depois de uma investigação que revelou fraude continuada durante um período de 10 anos, volta a ser acusado pela justiça ucraniana. E durante o mandato de Zelensky, que ajudou a chegar ao poder, como um dos seus principais financiadores de campanha.
#Ukranian powerful oligarchs end up swiped up by the regime.
“The revolution devours its sons”: the SBU conducts a search of the house of the oligarch #Kolomoisky, accused of stealing 40 billion Ukranian Hryvny. pic.twitter.com/HtztAkw07v— Arthur Morgan (@ArthurM40330824) February 1, 2023
De acordo com agência de notícias Rbc Ukraine, as acusações que pendem sobre Kolomoisky dizem respeito às petrolíferas Ukrtatnafta e Ukrnafta, parcialmente detidas pelo bilionário e que foram apreendidas pelo Estado em novembro do ano passado, depois de o SBU ter investigado o alegado desvio de 40 mil milhões de grívnias (cerca de mil milhões de euros). Segundo fontes confidenciais citadas pela Rbc, Kolomoisky estará a ser acusado de apropriação indevida de produtos petrolíferos nesse valor e de evasão de impostos aduaneiros.
Será só mais um escândalo a envolver o bilionário, um dos mais conhecidos da Ucrânia, que em março de 2014, menos de um mês após a anexação da Crimeia pela Rússia, chegou a ser nomeado governador da região de Dnipropetrovsk, de que Dnipro, a quarta maior cidade ucraniana, é capital.
Dono do seu próprio exército e financiador do batalhão Azov
Na altura, uma das primeiras medidas que tomou foi a formação de um exército de voluntários para proceder à “auto-defesa” do território, um dos inúmeros que na altura começaram a surgir na Ucrânia, pela mão de oligarcas, e que rapidamente ultrapassaram as Forças Armadas ucranianas, pelo menos em meios.
Para equipar o batalhão de Dnipro, com uniformes, coletes à prova de bala, SUV’s, carros blindados, metralhadoras e lança-granadas, escreveu o Business Insider, Ihor Kolomoisky terá gasto cerca de 10 milhões de dólares.
Para além desse, criado na terra onde nasceu, ainda durante a União Soviética, o empresário ajudou ainda a financiar outros exércitos de voluntários nacionalistas, como o batalhão Aidar e o mais famoso Azov. E acabou por ser afastado do cargo de governador, apenas um ano depois de ter sido nomeado, exatamente pela ação destes exércitos que lhe eram leais.
Primeiro, a Amnistia Internacional divulgou um relatório em que acusava o batalhão Aidar de cometer crimes de guerra, incluindo sequestros ilegais, detenções ilegais, roubo, extorsão e até execuções. Depois, escreveu a Reuters em 2015, um grupo de soldados do batalhão de Dnipro irrompeu pela sede da companhia petrolífera estatal UkrTransNafta, alegadamente para “proteger a empresa de uma aquisição ilegal” — Kiev tinha demitido o diretor executivo, conhecido aliado de Kolomoisky.
Foi a gota de água para Poroshenko, que dias depois demitiu Ihor Kolomoisky e avisou que não ia tolerar oligarcas com “exércitos de bolso” no país. Um ano depois, com a nacionalização forçada do Privat Bank e o congelamento dos 2,5 mil milhões de dólares que tinha no exterior, em Londres, o bilionário acabou por fugir do país e fixou-se primeiro na Suíça, depois em Israel — judeu, para além de nacionalidade ucraniana, Kolomoisky tinha também as nacionalidades israelita e cipriota.
Tinha, já não tem: antes de ver a sua casa invadida e revistada pelo SBU, o bilionário terá perdido, em julho do ano passado, a nacionalidade ucraniana, justamente por ordem de Volodymyr Zelensky.
O tanque do tubarão e as acusações de homicídio por encomenda
A lista de acusações que lhe têm sido imputadas ao longo dos anos é longa. Kolomoisky, que um perfil do New York Post, publicado em 2020, pintou como “um vilão ao estilo de Bond”, que tem um tubarão vivo num tanque para intimidar quem o visita e que uma vez chamou “anão esquizofrénico” a Vladimir Putin, foi acusado nesse mesmo ano pelo Departamento de Justiça americano do desvio e lavagem de vários milhões de dólares do Privat Bank para outras empresas do Privat Group em vários países, incluindo nos EUA.
Mas há mais: num processo judicial que decorreu em 2016 no Supremo Tribunal de Londres, Kolomoisky chegou a ser acusado de ter encomendado assassinatos, nomeadamente o de um advogado ucraniano e, mais tarde, dos próprios homens que alegadamente teria contratado (um deles teria sido seu guarda-costas).
Argumentando que Kolomoisky teria anteriormente feito ameaças “extremamente vulgares e fortemente expressas” de violência física em contexto empresarial, foi ouvido o testemunho de Sergei Karpenko, um advogado ucraniano que garantiu ter sido ameaçado pelo bilionário em 2003, durante uma reunião.
De acordo com Karpenko, dias depois das ameaças o seu assistente terá sido espancado na rua, tendo ele próprio sido atacado com uma barra de ferro e esfaqueado no mês seguinte. O alegado responsável pelas agressões, ex-guarda-costas do bilionário, terá depois aparecido morto — tal como o homem que na altura as autoridades consideraram responsáveis pelo seu assassinato.
Ihor Kolomoisky, que negou tudo e acabou por chegar a acordo nesse processo, nunca foi acusado por qualquer crime de homicídio, nem em 2016, nem mais tarde.
Em março de 2021, os Estados Unidos anunciaram que K, a mulher e os dois filhos estavam proibidos de entrar em território americano, “devido ao seu envolvimento em atos significativos de corrupção”.
No comunicado que fez à imprensa, o Secretário de Estado Antony Blinken explicou que a decisão ficou a dever-se sobretudo a atos cometidos enquanto governador de Dnipropetrovsk — mas não só.
Today, I am publicly designating former Ukrainian public official Ihor Kolomoyskyy ineligible for entry into the United States for his corrupt actions that undermine the rule of law in Ukraine. The United States remains #UnitedAgainstCorruption with our partners in Ukraine.
— Secretary Antony Blinken (@SecBlinken) March 5, 2021
“Kolomoisky esteve envolvido em atos corruptos que minaram o Estado de direito e a confiança do público ucraniano nas instituições e processos públicos democráticos do seu governo, incluindo a utilização da sua influência política e poder oficial para seu benefício pessoal”, pode ler-se no texto.
“Embora esta designação se baseie em atos cometidos durante o seu mandato, também quero expressar preocupação com os esforços atuais e contínuos de Kolomoisky para minar os processos e instituições democráticas da Ucrânia, que constituem uma séria ameaça ao futuro do país.”