Era uma inevitabilidade. Desde que se soube que Lisboa ia organizar a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e localizá-la na frente ribeirinha junto à foz do Trancão, que se tornou imperativo encontrar uma nova localização para o terminal de contentores da Bobadela. A empreitada só estará concluída em 2026, mas os trabalhos já estão em curso. Uma questão já foi, entretanto, resolvida. O terminal sul estava concessionado à Medway, a maior operadora ferroviária de transporte de mercadorias do país, pela Infraestruturas de Portugal (IP). Por causa da JMJ, a IP teve de antecipar o fim da concessão. A resolução do contrato custou 933 mil euros à empresa pública.

“No termos da resolução, por interesse público, do Contrato de Concessão que existia com a Medway (que operava no terminal sul), foi paga uma indemnização de 933 mil euros”, adianta ao Observador fonte oficial da IP.

A concessão terminou mas a Medway não abandonou totalmente o terminal. Ao Observador, a empresa revela que “encerrou, a pedido do Governo, a sua atividade no Terminal Sul da Bobadela, antes do prazo do contrato de concessão (outubro de 2026), para a realização da Jornada Mundial da Juventude em agosto de 2023”. E que atualmente “utiliza o espaço da Infraestruturas de Portugal no Terminal Norte da Bobadela”.

A decisão de desocupar aquela área foi efetivada por uma Resolução do Conselho de Ministros de abril de 2021, que criou o grupo de projeto para a JMJ e determinou “a desocupação das parcelas necessárias à sua realização”, além de fixar “um calendário de relocalização definitiva do Complexo Logístico Rodoferroviário da Bobadela”.

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A JMJ foi assim encarada como uma “oportunidade para determinar a relocalização definitiva do terminal da Bobadela, em condições que assegurem a sua eficiência económica e ambiental e a competitividade do sistema logístico nacional”. A meta é fazê-lo “de forma progressiva até ao final de 2026, ficando a Infraestruturas de Portugal mandatada para desenvolver todas as diligências necessárias para esse efeito”.

A sete meses do evento que vai trazer o Papa Francisco e mais de um milhão de jovens peregrinos a Portugal, a IP revela ao Observador que “desativou os Terminais Sul e Central do Complexo Logístico da Bobadela, tendo concentrado os serviços no designado Terminal Norte”.

Além disso, “atualmente, está a ser realizada a obra de adaptação do terminal, centralizando a atividade logística dos três terminais existentes, no denominado Terminal Norte, e que envolve um investimento de cerca de 8 milhões de euros”. Esta intervenção, continua a IP, “assegura a capacidade operacional do terminal logístico, dando resposta às necessidades dos operadores ferroviários e do mercado”.

A grande incógnita deste processo continua a ser a futura localização do terminal de contentores. De acordo com a IP, “ainda decorrem os estudos relativos às novas localizações, pelo que nesta fase não é possível adiantar estimativas quanto aos custos para essa operação”.

O custo da adaptação do terminal já tinha sido adiantado pelo Ministério dos Assuntos Parlamentares a 28 de janeiro, numa nota de esclarecimento sobre a responsabilidade financeira do Estado com a JMJ. “No âmbito da requalificação, valorização ambiental e fruição da zona ribeirinha do parque da Bobadela foi adjudicado pela IP um contrato para a deslocação do terminal de contentores (8,2 milhões de euros)”, adiantou então o ministério de Ana Catarina Mendes.

A resolução do Conselho de Ministros de abril de 2021 autoriza a IP a gastar seis milhões de euros mais IVA, o que totaliza cerca de 7,3 milhões de euros, com a desocupação dos terrenos. O Observador questionou a IP sobre o motivo da discrepância, mas ainda não obteve resposta.

A mesma resolução previa que as parcelas do Parque de Manutenção sob gestão da Infraestruturas de Portugal e o Parque Sul, concessionado à Medway deveriam “ser definitivamente desocupadas e libertadas, com a inerente desafetação do domínio público ferroviário, até 31 de dezembro de 2022, para efeitos da preparação e realização da JMJ 2023”.

Já as parcelas correspondentes ao Parque Central, geridas pela IP, “devem ser temporariamente desocupadas entre 1 de janeiro e 31 de agosto de 2023 para efeitos da preparação e realização do evento principal da JMJ 2023”. A saída definitiva deste espaço deverá acontecer até 25 de abril de 2024. Para o fim ficarão as parcelas correspondentes ao Parque Norte, que estiveram concessionadas à ALB – Área Logística da Bobadela, mas foram tomadas pela IP em 2021, e que “devem ser definitivamente desocupadas e libertadas, com a inerente desafetação do domínio público ferroviário, até 31 de dezembro de 2026“.

Na sequência destas obrigações, a IP já assinou quatro contratos com várias entidades, passíveis de consulta no Portal Base. O primeiro, em fevereiro de 2021, foi um ajuste direto com a TIS.pt – Consultores em Transportes Inovação e Sistemas, no valor de 50 mil euros e a duração de seis meses. Tinha como objeto uma “análise preliminar de alternativas de relocalização” do terminal da Bobadela. O segundo contrato foi assinado com a mesma empresa em maio do ano passado, um ajuste direto no valor de 18.600 euros e a validade de 60 dias. Desta vez o objeto foi a “relocalização do complexo logístico da Bobadela — 2.ª fase”.

Sobre esta questão, em março do ano passado, à Lusa, a IP revelou que tinham sido identificadas cinco possíveis localizações para o terminal: Castanheira do Ribatejo, Carregado, Rio Maior, Barreiro e Poceirão. Em julho, Carlos Fernandes, administrador da IP, citado pela Transportes e Negócios, adiantou que dessas cinco já tinham sido eliminadas três — Carregado, Rio Maior e Barreiro — mas acrescentou-se Santa Iria da Azóia. Já em novembro, ao Público, o presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, da qual faz parte Castanheira do Ribatejo, defendeu que a zona não tem capacidade para receber os contentores do terminal da Bobadela.

Para a JMJ, a IP assinou entretanto outros dois contratos. Em outubro, a IP contratou com a Mota-Engil, também por ajuste direto, a Empreitada de Terraplenagem do Parque Sul do Complexo de Mercadorias da Bobadela, por 139.999,73 euros. E em novembro último, a Infraestruturas de Portugal escolheu, por concurso público, a Repnunmar – Logística e Trânsitos para o aluguer de equipamentos de movimentação de contentores do terminal da Bobadela de outubro de 2022 a agosto de 2023. O contrato tem o valor de 104.566,00 euros.

No final de janeiro, no âmbito de um balanço do investimento feito até agora pela autarquia, o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão, afirmou que sem a JMJ “jamais aqueles contentores sairiam dali”, tendo acontecido o que chama de “um autêntico milagre”.