“Tem um drone? Dê-lhe uso, com pilotos experientes! Sabe como operar um drone? Junte-se ao patrulhamento conjunto!” O anúncio pode parecer estranho, mas é oficial e foi publicado, em fevereiro do ano passado, no Facebook do ministério da Defesa da Ucrânia. Entretanto, normalizou-se o uso de drones civis, daqueles que se compram numa loja e se usam para fazer vídeos ou tirar fotografias, para usos militares — e são estes pequenos aparelhos que já estão a ser considerados o gatilho para uma mudança de fundo no campo de batalha.

Nesse anúncio, o governo ucraniano afirmava que defender Kiev era “uma tarefa comum” e pedia às pessoas que especificassem qual o tipo de drone que tinham em casa, se alguma vez tinha sido usado para fins militares e qual a sua experiência a pilotá-lo.

Começando por ser úteis para recolher vídeos e informações geográficas para localizar as tropas russas, os drones civis ganharam rapidamente outros usos — e hoje em dia há vídeos que mostram os soldados ucranianos a artilhar os aparelhos com pequenos explosivos e granadas que podem, assim, ser disparados diretamente contra o inimigo.

Não tendo sido usados a esta escala em nenhum outro conflito, os drones tornaram-se assim essenciais na Ucrânia, por serem baratos, fáceis de usar e de substituir — e já há estudos que arriscam que vieram para mudar todo o panorama dos conflitos e dos combates, trazendo também riscos para quem os usa (e, nalguns casos, não tem sequer treino militar).

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Não é que o uso de drones civis seja um exclusivo dos ucranianos — como contava aqui a BBC, ambos os lados do conflito recorrem a este tipo de arma improvisada. Mas isso é, ainda assim, muito mais comum do lado de Kiev.

São modelos “baratos e pequenos”, como o DJI Mavic 3, que custará à volta de 1.700 libras (1.920 euros), detalha o canal, e podem ser usados para transportar os tais pequenos explosivos, além de detectarem tropas inimigas e servirem para orientar as tropas.

Mesmo assim, são “muito menos capazes” do que os drones militares, como seria de esperar: um DJI Mavic, explica a BBC, só consegue voar distâncias de 30 quilómetros e durante um máximo de 46 minutos, o que impossibilita que conduzam ataques de grande escala.

“Pode-se comprar muitos destes e pensar neles como itens descartáveis, que se usam uma ou duas vezes”, resumiu à France 24 Mark Cancian, antigo militar norte-americano e conselheiro sénior no Centre for Strategic And Internacional Studies. “São muito mais baratos do que os drones militares”.

Drones, metralhadoras e tanques: o armamento que o Ocidente forneceu à Ucrânia no último ano e o impacto decisivo na guerra

Hoje em dia, “milhares de drones” são comprados, mensalmente, por organizações civis ucranianas em “campanhas de angariação”, conta o El País. A maior parte serve para procurar localizações e coordenadas.

A questão é que também são mais fáceis de travar: como dizia a investigadora em Defesa no Kings College Marina Miron à BBC, a Rússia consegue usar uma arma anti-drone, a Stupor, para os parar. A agência russa TASS noticiava em julho que estas armas são “armas eletromagnéticas avançadas usadas contra veículos aéreos sem humanos” e foram usadas pela primeira vez nesta guerra, “neutralizando” os sinais emitidos pelo drone e obrigando-o a aterrar.

Uma fonte não identificada dos serviços de segurança russos dizia então à agência que “a necessidade de guerras portáteis anti-drones se tornou evidente, porque as tropas ucranianas estão a usar um grande número” de drones e aparelhos semelhantes. Além disso, a Rússia tem usado sistemas online, como o Aeroscope, que conseguem detetar e interromper comunicações entre os drones comerciais e quem os está a operar.

Os obstáculos dos “tipos da informática”

Ainda assim, a Ucrânia tem insistido nesta forma de combate. À BBC, em julho, um soldado do batalhão 1 de Dnipro, Dmytro Podvorchanskyi, resumia assim a situação no terreno: “Neste momento, temos duas grandes batalhas. A primeira é de artilharia, a segunda é de tecnologia”. 

O próprio Dmytro, como contava então a televisão, estava integrado nessa segunda batalha, liderando uma unidade específica para drones com dez soldados, ou, como preferia dizer, “os tipos da informática que lutam”, todos voluntários, a maioria com formação na área. Nessa altura, contava Dmytro, já tinham conseguido destruir um tanque, morteiros e alguns depósitos de munições russas.

E explicava o uso que lhes conseguem dar: os mais pequenos, do já referido modelo DJI Mavik, conseguem levar munições que pesam entre 200 e 500 gramas, e os maiores até 800 gramas. Segundo esta unidade, já é possível, do lado ucraniano, bloquear o Aeroscope — mas a Rússia consegue arranjar “muitas outras formas para bloquear os drones e os sinais”.

O think tank britânico Rusi explicava, no verão, que com essas armas a Rússia tinha conseguido limitar a esperança média de vida de um drone ucraniano a cerca de sete dias, uma realidade que a Ucrânia tem tentado contrariar e que, assegura, a ajuda providenciada por Elon Musk, que disponibilizou o seu sistema de comunicação por satélite Starlink às tropas de Kiev, tem ajudado a contornar.

Mas conta agora com um obstáculo: recentemente, a empresa-mãe, a SpaceX, veio dizer que o Starlink pode ser usado para comunicações militares, mas não para guiar aparelhos que sejam considerados armas de guerra.

Os aparelhos que “mudam a natureza” do conflito — e trazem novos problemas

Certo é que o uso destes aparelhos já conseguiu revolucionar o combate aéreo. Como se lê num estudo do think tank norte-americano Stimson Center sobre o uso de drones na Ucrânia — “um olhar sobre como os drones militares e civis estão a mudar o cenário do conflito na Ucrânia” — estes “veículos aéreos sem humanos” costumavam estar à disposição de “apenas uma mão cheia de países” mais poderosos.

“A guerra na Ucrânia tem mostrado um uso disseminado de drones”, muitos sem nenhum propósito letal, diz o estudo. Mas a parte mais “consequente”, explica, é o “uso alargado e robusto de drones civis e comercialmente disponíveis pela Ucrânia”.

“Alguns estimam que o arsenal de drones não militares chegue aos seis mil”, um número bem maior do que os aparelhos militares usados, explica o estudo. “São usados por um vasto conjunto de pessoas, incluindo tanto forças de segurança formais como grupos paramilitares e não-combatentes”. Por isso, “o papel dos drones civis e disponíveis a nível comercial é notável e está a mudar a natureza das operações militares”.

E essas mudanças comportam riscos também, como prossegue o mesmo estudo: há “limites difusos” entre combatentes e não-combatentes” e torna-se difícil distinguir quem está a usar o quê, assim como definir a aplicação da lei humanitária internacional.

Outro ensaio, publicado em novembro pelo Kings College e da autoria da investigadora de Defesa Julia Muravska, e citado pelo El País, concluía que os drones estão agora “no centro da inovação bélica da Ucrânia, a partir da estreita colaboração entre criadores civis e militares”.

Essa “cultura de inovação” já provou ser eficaz e, nalguns casos, “decisiva” no campo de batalha, uma forma de a Ucrânia tentar compensar o facto de ter menos artilharia disponível do que a Rússia.