Nos últimos dois dias, registaram-se dois sismos na Roménia. Por si só, isto não seria novidade, não fosse o facto de os locais onde ocorreram os terramotos estarem longe de falhas tectónicas conhecidas. Os acontecimentos não acontecem de forma isolada. Há pouco mais de uma semana, dois sismos na Turquia e na Síria causaram uma onda de destruição, que até ao momento já vitimou mais de 41.000 pessoas. A proximidade geográfica destes países com a Roménia (são ambos banhados pelo Mar Negro) torna natural que as dúvidas se multipliquem.

Sismo de magnitude de 5,7 na escala de Richter atinge Roménia

Estarão as ocorrências nos dois países isoladas? Pode a Roménia estar prestes a ser atingida por um sismo de grandes dimensões? Ao Observador, João Duarte, professor do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, começa por confirmar que a zona onde ocorreram os sismos na Roménia não é um local com ocorrência sísmica frequente, uma vez que se encontra “longe da fronteira de placas”.

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Questionado sobre se os terramotos na Turquia e na Síria podem estar de alguma forma relacionados com a atividade na Roménia, o sismólogo não descarta a hipótese. Para explicar, recorre a um jogo infantil, o mikado: “No jogo, tiramos uma peça e aquilo vai desorganizar as tensões. Este reorganizar muitas vezes ocorre ao longo de dezenas ou centenas de anos”. Contudo, diz que é pouco provável estarmos na iminência de um grande sismo no país da Europa de Leste e aponta para outras zonas de risco.

Diria que as zonas das fronteiras de placas em torno da Turquia neste momento são muito mais perigosas. Por exemplo a zona da falha do Mar Morto, ali na zona de Israel, no sul e no norte da Turquia… os sismos na Roménia são um sinal de que toda aquela zona está agora a reorganizar-se”.

E quanto a Portugal? Poderá a recente atividade sísmica no Médio Oriente e leste europeu resultar num “efeito borboleta” que chegue à Península Ibérica? Para responder à questão, João Duarte retoma a metáfora do jogo: “É como se tivéssemos um mikado com dois metros: não vai haver um efeito direto, exatamente porque isto está fragmentado em pequenas falhas, são muitas. Daqui até à Turquia existem dezenas ou centenas de falhas. Portanto, é muito difícil essa influência direta”.

De onde vêm os sismos em Portugal?

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Em termos sísmicos, Portugal está condicionado pela interação entre três placas tectónicas, peças que compõem a litosfera da Terra e que se movimentam entre si: a euroasiática, a norte-americana e a africana. A placa euroasiática e a placa norte-americana estão a afastar-se uma na outra, num movimento de divergência que é responsável pela intensa atividade sísmica registada nos arquipélago dos Açores. A euroasiática e a africana roçam uma na outra, o que também causa sismicidade em Portugal Continental.

Os riscos associados ao contexto geológico onde Portugal se encontra são por si só suficientes, garante — “não é preciso influência externa”. Desde logo porque as “zonas vermelhas” para a atividade sísmica no país estão debaixo de água, o que aumenta as probabilidades de um tsunami. “Há quem refira que a maior parte da destruição em Lisboa em 1755 foi por causa do tsunami, lembra.

A placa africana está a rachar o país e mais uma dúzia de dúvidas sobre sismos

Ainda assim, na opinião do professor e sismólogo, o risco imediato é reduzido. Desafiado a oferecer uma previsão de quando um sismo deste género poderá voltar a ocorrer em Portugal Continental, João Duarte coloca o “período de ocorrência” em cerca de 2.000 anos. Contudo, adverte que “os ciclos são altamente irregulares; por ter havido um há 500 anos, não quer dizer obrigatoriamente que seja daqui a 1.500 que vai haver o próximo”.

Questionado sobre se o país está preparado para enfrentar uma ocorrência de grande magnitude (à semelhança, por exemplo da Turquia e da Síria), João Duarte diz que “nunca ninguém está” preparado. Ainda assim, admite alguma incerteza quanto às precauções tomadas.

Não sou engenheiro, mas pelo que tenho ouvido da parte de engenheiros, acho que ninguém sabe muito bem. Tem havido legislação — nos anos 50 aparece a legislação, depois fica mais apertada nos anos 90, mas ninguém sabe muito bem como é que os edifícios antes de 1950 vão reagir”.

Como se não bastasse, o professor chama ainda atenção para a falta de fiscalização sobre os edifícios, para garantir que cumprem com as normas sismológicas. “Há simplesmente um termo de responsabilidade do construtor”, refere.

“Há uma certa negação, e uma certa falta de compreensão ou de intuição destes processos de longa escala”, lamenta João Duarte. “É um bocadinho como as alterações climáticas. (…) Acho que não é por mal, mas muitas vezes há tantas coisas urgentes por fazer que as pessoas tendem sempre a pensar que ‘um dia temos de fazer isto’, mas depois nunca é uma prioridade”.