A líder do Movimento Alternativa Socialista (MAS), Renata Cambra, diretamente visada nas ameaças de “prostituição forçada” do militante neonazi Mário Machado, decidiu avançar com uma queixa particular e pedido de indemnização cível, em defesa da sua “dignidade e segurança”.
Em causa estão factos que se reportam a 2022, e dos quais Renata Cambra, em nota enviada esta sexta-feira à Lusa, afirma ter tomado conhecimento há precisamente um ano, em 17 de fevereiro de 2022.
Nessa ocasião, a dirigente foi alertada por uma “camarada e amiga” para publicações na rede social Twitter nas quais Mário Machado e Ricardo Pais incitavam à violência sexual contra mulheres de esquerda, apelando à sua “prostituição forçada”, tendo recentemente sido acusados pelo Ministério Público (MP) de um crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência.
Apesar do medo, decidi na altura avançar com uma queixa-crime perante o MP, com a mesma convicção com que decido hoje deduzir acusação particular, acompanhada por um pedido de indemnização cível: Por mim, pela minha dignidade e segurança enquanto mulher, mas também pelas minhas camaradas do MAS e por todas as mulheres de esquerda, com e sem partido, que têm a coragem de lutar ‘por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres’, como em tempos escreveu Rosa Luxemburgo”, lê-se na nota.
Renata Cambra, que será legalmente representada pelo advogado António Garcia Pereira, diz avançar com a queixa individual “por saber que é urgente combater a normalização do discurso de ódio e de descriminação da extrema-direita, cuja ascensão representa um perigo real” para as mulheres, e por se “recusar a aceitar” que tem de “viver com medo”.
Ao avançar na acusação contra Mário Machado e Ricardo Pais, que conscientemente ameaçaram a integridade física e moral das mulheres de esquerda, quero defender o direito das mulheres de serem respeitadas e protegidas numa sociedade justa e igualitária, mas também garantir que a disseminação do discurso de ódio e intolerância da extrema-direita fascista e racista não seja tolerada numa sociedade civilizada, sendo nosso dever lutar contra qualquer ameaça à nossa liberdade e dignidade”, afirma.
Acrescenta ainda que não se pode “permitir que as vozes do preconceito e do conservadorismo silenciem quem luta por um mundo melhor e mais justo”.
Eu, em particular, achei assustador ver o meu nome diretamente envolvido, mais ainda ao constatar que era o único lá sinalizado [nas mensagens no Twitter], de forma concreta, a nível individual”, escreve Renata Cambra, recordando que o episódio ocorreu pouco depois do debate na RTP com os pequenos partidos sem assento parlamentar nas últimas eleições legislativas.
Nesse debate defendeu “repetidamente a necessidade de a esquerda combater o crescimento da extrema-direita, em consonância” com a campanha do MAS, “que exigia a aplicação da lei e ilegalização imediata das organizações de extrema-direita que perfilham uma ideologia fascista”.
No dia 17 de fevereiro, percebi que a minha voz me tinha tornado num alvo e que o meu corpo estava a ser colocado a prémio como castigo pelo atrevimento de ser mulher, militante e porta-voz de um partido de esquerda declaradamente antifascista. Como esquecer Pedro Arroja, mandatário do Chega, quando afirmou que mulheres nas direções são ‘sinal da degenerescência dos partidos’?”, escreve a líder do MAS na nota divulgada.
Renata Cambra defende ainda que “o à-vontade” com que Mário Machado e Ricardo Pais “resolveram apelar a um crime de ódio e violência, com base na discriminação política e de género”, foi o primeiro sinal das consequências do fortalecimento e da normalização do discurso perpetrado pelas diversas organizações de ideologia fascista ou fascizante que esta sexta-feira operam em Portugal e que, sem dúvida, se sentiram galvanizadas e legitimadas com o crescimento da bancada parlamentar do Chega”.
A líder do MAS adianta ainda que pretende entregar a totalidade da indemnização a três organizações: o seu partido, a Rede 08 de Março, plataforma feminista; e outra organização, que não identifica por questões de segurança, mas que diz defender pessoas trans imigrantes.
Mário Machado foi acusado no início de fevereiro deste ano pelo MP de um crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, numa curta acusação em que o MP recorda o seu historial criminal, defende que não existem “circunstâncias exteriores” que justifiquem os crimes cometidos, “antes se revelando que o mesmo tem acentuada propensão para o crime” e pede que o militante neonazi seja punido neste processo “como reincidente”.
Mário Machado esteve ligado a diversas organizações de extrema-direita, como o Movimento de Ação Nacional, a Irmandade Ariana e o Portugal Hammerskins, a ramificação portuguesa da Hammerskin Nation, um dos principais grupos neonazis e supremacistas brancos dos Estados Unidos da América. Fundou também os movimentos Frente Nacional e Nova Ordem Social (NOS), que liderou de 2014 até 2019.
O nacionalista tem também um registo criminal marcado por várias condenações, entre as quais a sentença, em 1997, a quatro anos e três meses de prisão pelo envolvimento na morte, por um grupo de ‘skinheads’, do português de origem cabo-verdiana Alcino Monteiro na noite de 10 de junho de 1995.
Tem ainda uma outra condenação de 10 anos, fixada em 2012 por cúmulo jurídico na sequência de condenações a prisão efetiva em três processos, que incluíam os crimes de discriminação racial, ofensa à integridade física qualificada, difamação, ameaça e coação a uma procuradora da República e posse de arma de fogo.