“Sem dúvida que Ricardo Salgado ficará com cadastro. Uma coisa não tem a ver com a outra”, é a conclusão de Paulo Saragoça da Matta, um dos penalistas mais conceituados do momento, sobre as consequências da doença de Alzheimer para o processo penal no qual o ex-líder do BES foi condenado em março de 2022 a uma pena de seis anos de prisão efetiva pelo crime de abuso de confiança.
Em entrevista ao programa Justiça Cega da Rádio Observador, Saragoça da Matta analisou a forma como o sistema da administração da justiça lida com as doenças degenerativas, a partir do caso concreto da doença de Alzheimer — um caso que voltou a ganhar atualidade com a Procuradoria-Geral da República a recusar uma perícia médica ao ex-líder do BES quando estão pendentes na Relação de Lisboa dois recursos sobre a condenação de Salgado.
Saragoça da Matta considera que Ricardo Salgado “não é inimputável” porque no momento dos factos que levaram à sua condenação — e que ocorreram entre 2010 e 2014 — o ex-líder do BES estava são, mas entende que o tribunal de julgamento deveria ter feito “a perícia para avaliar o estado da doença e perceber quais os efeitos na medida da pena.”
Ou seja, o penalista entende que não se deve esperar pelo trânsito em julgado da condenação, ficando a decisão sobre a forma como o arguido deve cumprir a pena de prisão nas mãos do Tribunal de Execução de Penas.
“Não consigo perceber que um tribunal de julgamento em 2022 não tenha tomado a decisão de realizar a perícia quando um arguido diz: ‘atenção, eu não estou em condições me defender’. Há 40 anos, no caso do julgamento do padre Khron pela tentativa de assassinato de Sua Santidade o Papa João Pauo II, suspendeu-se o julgamento para ser feita uma perícia semelhante. Por outro lado, se esperarmos pelo tribunal de execução de penas, há um problema: não se pode alterar o tipo de pena”.
Ou seja, o Tribunal de Execução de Penas não pode alterar a prisão efetiva para prisão suspensa, por exemplo. “Mas pode determinar que a pena de prisão efetiva seja cumprida de outra forma”, nomeadamente pode ser cumprida num hospital prisão, em vez de um estabelecimento prisional comum, conclui o jurista.
Uma coisa é certa: “sem dúvida que Ricardo Salgado ficará com cadastro. Uma coisa não tem a ver com a outra”, diz Saragoça da Matta.
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