Fragatas, contratorpedeiros, centenas de marinheiros e até mísseis hipersónicos. Tudo isto está envolvido nos Exercícios Navais Mosi (que significa “fumo” em língua tsuana) II, que estão a decorrer até ao dia 27 de fevereiro na costa sul-africana do Oceano Índico, e que envolvem Rússia, China e a própria África do Sul.

São, sobretudo, uma demonstração de força militar para os países envolvidos, mas o facto de decorrerem na mesma altura em que se assinala um ano do início da guerra de larga escala na Ucrânia têm valido à África do Sul — que se assume oficialmente como neutral no conflito — críticas por parte de países como os Estados Unidos da América.

Isto porque a Rússia tem aproveitado o momento para o ligar de certa forma à guerra na Ucrânia. A fragata russa Almirante Gorshkov, por exemplo, que participar nos exercícios, tem um Z branco pintado — a letra usada por Moscovo para definir a sua “operação militar especial”. Para além disso, o próprio Vladimir Putin tem destacado o poderio desta fragata, que está equipada com mísseis hipersónicos Zircon, numa tentativa de reforçar a perceção das capacidades militares do Kremlin, questionadas a propósito da guerra ucraniana.

A participação russa nestes exercícios que decorrem ao largo de Durban é, portanto, favorável ao regime de Putin: “Isto mostra que a Rússia ainda consegue projetar o seu poder, que ainda tem aliados”, resume à BBC Elizabeth Sidiropoulos, responsável do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais. “Permite-lhes dizer que não é o mundo que está contra a Rússia, é apenas o Ocidente que está contra a Rússia.”

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Mas a Rússia não é a única a retirar vantagem destes Mosi II. A China — que enviou para os exercícios um contratorpedeiro, uma fragata e um navio de apoio — tem interesses claros no Índico. E a demonstração de poderio militar é uma forma de mostrar que, após um momento mais afastado do palco mundial devido à pandemia de Covid-19, a China continua a ter um interesse claro em África.

Isto envia um sinal muito poderoso aos outros países africanos de que o treino militar voltou a ser uma opção”, resumiu à Voice of America Paul Nantulya, do Centro para Estudos Estratégicos de África. “A China e o seu Exército Popular de Libertação estão de volta.”

Relativamente à África do Sul, que participa nos exercícios com 350 marinheiros, é menos claro como pode beneficiar com estes jogos militares. Oficialmente, Pretória tem sublinhado que os exercícios decorrem por o país ser, a par de China e Rússia, membro dos BRICS. “Não somos vassalos de ninguém. Respeitamos os desejos de cada país, esperamos que os outros respeitem os nossos”, avisou o ministro da Defesa, Thandi Modise, citado pela NPR.

Todos os países conduzem exercícios militares com amigos”, acrescentou a ministra dos Negócios Estrangeiros sul-africana, Naledi Pandor, relembrando que o país também os faz com Estados Unidos, França e Alemanha.

A relação da África do Sul com a Rússia, porém, é de proximidade, como tem sido evidente no posicionamento do país africano face à guerra na Ucrânia. Não só a África do Sul se absteve de condenar a invasão russa nas Nações Unidas, como também recusou impor sanções a Moscovo. “Por defeito, estamos ao lado da Rússia. Para nós a Ucrânia é aquilo a que chamamos uma vendida, uma vendida ao Ocidente”, afirmou mesmo à CNN um veterano do Congresso Nacional Africano (ANC na sigla original), o principal partido da África do Sul, atualmente no poder, no ano passado.

Uma proximidade que, para os especialistas, se explicam pelos laços históricos entre o ANC — partido de Nelson Mandela que lutou contra o apartheid — e a União Soviética. “Os líderes mais velhos do ANC ainda têm uma ligação emocional a Moscovo por sempre ter apoiado a sua luta”, apontou à BBC Alex Vines, investigador especializado em África do Chatham House.