Os partidos concordaram esta quinta-feira em consagrar o direito ao esquecimento digital na Constituição, com a proposta do PS de eliminar a proibição de um número nacional único para os cidadãos a gerar mais dúvidas.
A reunião da comissão eventual para a revisão constitucional terminou esta quinta-feira ao fim de duas horas — em vez das três habituais — não só porque alguns partidos tinham pedido para acabar antes de se iniciar a transmissão televisiva de uma entrevista ao Presidente da República, mas também porque foram sendo sucessivamente adiados vários artigos.
Para a próxima reunião ficaram, por exemplo, os artigos de vários partidos que tentam resolver o acesso aos metadados para efeitos de investigação judicial, bem como propostas do Chega para incluir na Constituição a prisão perpétua para alguns crimes ou a inversão do ónus na prova.
Foi no artigo da Constituição relativo à utilização da informática que se registou um maior consenso: apenas BE e PAN não apresentaram propostas de alteração, com os restantes a quererem consagrar, com terminologias diferentes, o direito ao esquecimento digital.
O PSD fala em “direito ao apagamento” dos dados informatizados — por ser essa a terminologia usada no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) — enquanto o PS e a IL preferem a expressão “eliminação” e o Livre recorre à forma mais coloquialmente usada de “direito ao esquecimento”, mas todos manifestaram disponibilidade para alcançar uma solução comum quanto a este ponto.
O PS quer introduzir mais alterações no artigo relativo à informática — dizendo que “é um dos que merece atualização” na Constituição – , incluindo a revogação da atual norma que proíbe “a atribuição de um número nacional único aos cidadãos”.
A deputada socialista Alexandra Leitão defendeu que, ao retirar-se a norma da Constituição, não se impõe a criação deste número único, embora admitindo que “ajudaria à interoperabilidade de serviços”.
Seria uma questão que facilitaria a relação da administração pública com o cidadão”, disse, embora admitindo as dúvidas do ponto de vista dos direitos, liberdades e garantias, deixando a sugestão que se possam realizar audições sobre este ponto.
Num primeiro momento, o PSD, pela deputada Márcia Passos, disse não se justificar a alteração desta proibição. No entanto, depois da explicação da ex-ministra da Administração do Estado, o coordenador social-democrata, André Coelho Lima, manifestou abertura para ponderar mudanças na Constituição que tenham “um efeito prático” na vida dos cidadãos.
Já o ex-presidente da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, foi categórico na rejeição desta proposta, justificando que os direitos fundamentais têm de se sobrepor às “conveniências práticas”, tendo o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, e a deputada Alma Rivera expressado algumas dúvidas, nomeadamente quanto aos dados da saúde.
Sem apoio do PS e do PSD, serão rejeitadas as propostas do Chega que pretendiam reduzir os prazos judiciais de detenção de um cidadãos sem apresentação ao juiz ou de decisão sobre os pedidos de ‘habeas corpus’.
Os novos prazos propostos pelo Chega nestes dois artigos eram os mesmos que constavam de um anteprojeto de revisão constitucional que o PSD, sob a anterior liderança de Rui Rio, tinha pronto, mas que não chegou a dar entrada no parlamento por já se estar no período de sucessão interna.
Esta quinta-feira, a social-democrata Mónica Quintela admitiu “simpatia por encurtamento de prazos” na prisão preventiva, mas considerou as propostas impraticáveis em termos práticos, enquanto Emília Cerqueira disse não haver razões para alterar os prazos constitucionais relativos ao ‘habeas corpus’, argumento semelhante ao da socialista Isabel Moreira.
Também sem os necessários dois terços ficará a proposta da IL para ‘relocalizar’ na lei fundamental o artigo sobre o direito da propriedade privada, que queria retirá-lo do capítulo dos direitos económicos, sociais e culturais para o dos direitos, liberdades e garantias, com a justificação de que já é hoje considerado como tal, até em acórdãos do Tribunal Constitucional.
Entendemos o que está por trás da intenção, mas como é evidente o PS está com os constituintes quando consagraram a propriedade privada com o perfil que conhecemos até hoje”, afirmou a socialista Isabel Moreira.
Já o PSD disse acompanhar a preocupação da IL, considerando que a localização deste direito “está errada” na Constituição, com PCP e BE a rejeitarem em absoluto esta alteração.
O direito de propriedade não é um direito fundamental, se assim fosse ficaria blindado contra qualquer restrição imposta por motivos de utilidade pública”, defendeu Alma Rivera, que, tal como o BE, trouxe a questão da habitação para o debate, enquanto Rui Tavares, do Livre, considerou que este direito “não é menos importante” que o direito ao trabalho ou às férias.