Por mais que se procure, e aqui procurou-se mesmo muito, não há nada além do talento que pudesse colocar  Khvicha Kvaratskhelia num patamar de estrelato como aquele em que se encontra hoje. Nasceu na Geórgia, um país sem grande tradição no futebol e que nunca se qualificou para a fase final de uma grande prova. A seguir à formação num dos maiores clubes locais, o Dínamo Tbilisi, foi outra liga mais periférica como a da Rússia. Após o empréstimo ao Lokomotiv Moscovo, esteve três anos no Rubin Kazan sem dar propriamente grandes sinais de salto que só aconteceu para voltar à Geórgia pelo Dinamo Batumi quando a Rússia invadiu a Ucrânia. Sim, naquelas listas tipo FM dos 50 ou 100 nomes jovens a seguir das principais publicações da Europa lá ia aparecendo mas nem por isso chegava ao patamar de next big thing. Nada ajudava e até a forma de ser discreta e meio envergonhada travava esse cenário. Na verdade, para o médio/avançado que prefere jogar de fora para dentro a partir da esquerda nem o nome era propriamente fácil de cair no ouvido.

Maradona, Messi ou Salah? Talvez Kvaratskhelia seja só um talento nunca antes visto

Em pouco mais de seis meses, é a revelação da temporada. O pedigree mais ou menos de uma segunda linha passou a ser algo de segundo plano. Os clubes por onde passou tornaram-se um ponto de curiosidade para reforçar tudo o que faz em campo. As listas onde continua a entrar já não são de jovens promessas mas sim das futuras transferências milionárias na Europa. Até o nome mudou numa terra habituada a idolatrar todos aqueles que consigam colocar o sul liberto das amarras do norte com vitórias. Aos 22 anos, Kvaradona é uma big thing. E por mais que vá conseguindo alcançar, sendo que até à segunda mão dos oitavos da Champions com o Eintracht levava 18 golos e 15 assistências em 34 jogos não sendo um daqueles avançados puros de área com goleador no topo do BI, só mantém mesmo a forma de ser discreta e meio envergonhada.

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“Desde que cheguei que sinto que tem sido tudo como um sonho”, destacou em entrevista ao The New York Times, jornal norte-americano que destaca também a alcunha mais erudita de “Kvaravaggio” de um jogador que foge por completo ao estereótipo do grande talento que já tem empresário aos dez anos, que já assinou um contrato para as chuteiras aos 12 e que já aparece em milhões de vídeos do YouTube aos 14. E com outro ponto que pode passar despercebido a quem não siga com total atenção a carreira do Nápoles: uma companhia aérea georgiana organiza viagens nos fins de semana de jogo em Nápoles e o Estádio Diego Armando Maradona tem o seu pequeno canto cheio de pequenas bandeiras do país a apoiar o seu herói.

“O início foi tão suave que quase pareceu um sonho. A certo ponto, tive de focar-me, recordar que isto era mesmo realidade e que tinha de arranjar forças para ultrapassar tudo. Conversa com Spalletti? Disse-me o que era pretendido fazer para a equipa. Falámos muito na parte do trabalho defensivo, do jogo de equipa, da importância de um bom espírito de grupo. Isso era o mais importante para ele, o espírito”, contou. E então, qual é o segredo? “A liberdade é a minha assinatura. É algo que consigo reconhecer em mim porque amo o que faço. Quando estou a jogar, é como se me levasse”, destacou o georgiano, que era uma das peças fundamentais para o Nápoles confirmar a vitória por 2-0 em Frankfurt e eliminar em Itália o Eintracht.

Osimhen, o super herói de máscara que saiu lixeira para o estrelato: Nápoles vence na Alemanha, avançado chega aos 20 golos

Com 18 pontos de avanço em relação ao Inter quando faltam apenas disputar 12 jornadas, o que faz da Serie A uma questão de tempo até à vitória final, o conjunto do sul de Itália jogava a primeira final para uma meta ainda mais ambiciosa do que os mais otimistas poderiam pensar: igualar os tempos de Maradona há mais de 30 anos em termos internos mas arriscar lutar não pela Taça UEFA mas pela Liga dos Campeões. Com armas diferentes, com menos munições, com o mesmo espírito que catapultou o clube para o melhor momento da história com o Deus argentino que fazia melhores todos os que estavam ao seu lado. Assim é também Khvicha Kvaratskhelia, um underdog que custou menos de dez milhões de euros e subiu ao palco principal da Europa em menos de uma temporada. Para já, havia um dado factual que levava Spalletti a falar da “primeira final”: o Nápoles podia chegar pela primeira vez aos quartos da Champions. E não facilitou.

Nápoles a ferro e fogo. Centenas de adeptos em confrontos com a polícia antes do Nápoles – Frankfurt da Liga dos Campeões

Se lá fora as horas que antecederam a partida foram marcadas pelos graves confrontos entre adeptos alemães e da Atalanta (claque “amiga” do Eintracht), napolitanos e polícia, no Diego Armando Maradona os ânimos aqueceram por melhores motivos e com uma entrada a todo o gás dos transalpinos, a acamparem no meio-campo contrário e a terem a primeira grande oportunidade numa jogada individual de Kvaratskhelia que voltou a fintar quem lhe aparecia pela frente antes de rematar com pouco ângulo para a defesa de Kevin Trapp (18′). Apesar desse domínio e da vantagem da primeira mão, o Eintracht ainda esboçou uma reação territorial até ao intervalo, conseguindo jogar alguns metros mais à frente mesmo sem criar chances para chegar a um golo que iria reabrir a eliminatória, mas seria de novo o georgiano a ter nos pés a possibilidade de inaugurar o marcador descaído sobre a esquerda na área para nova intervenção de Trapp (43′) antes de Osimhen fazer mesmo o 1-0, cabeceando sozinho após cruzamento na direita de Politano (45+2′).

O segundo tempo confirmou o domínio do Nápoles e com a nota artística pelo meio que transformou numa das melhores da Europa a nível do futebol praticado. Numa jogada fantástica a passar por quatro jogadores que teve início num grande passe de Kvaratskhelia, Osimhen bisou para o 2-0 na pequena área (53′) e deu o mote para voltar o rolo compressor que ainda teve um grande golo evitado por Kevin Trapp num remate em arco de Kvaratskhelia mas que chegou ao 3-0 pouco depois num penálti marcado por Zielinski (64′). A festa estava lançada para uma qualificação histórica que chegou com uma das maiores margens destes oitavos a nível de golos marcados e sofridos e com essa “vantagem” de poder haver uma equipa mais focada na Europa em abril tendo em conta o largo avanço que tem na liderança da Serie A italiana.