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A serenata à chuva de Alexandra Moura a Natália Correia no último dia do Portugal Fashion

Este artigo tem mais de 1 ano

Ao cair do Portugal Fashion, a designer fez uma banda sonora com chuva, e Maria Gambina um convite para a praia. Ainda vimos Huarte, Davii e David Catalán e visitámos o estúdio de Ernest W. Baker.

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Pouco passava das quatro da tarde deste sábado quando o desfile de Alexandra Moura arrancou. Pelas grandes janelas do parque de estacionamento tornado sala de desfile entrava um sol radioso, contudo ouvia-se chuva. Houve quem na primeira fila vestisse o casaco por sentir frio só com o som das rajadas e era precisamente esse o objetivo da banda sonora, explica Alexandra Moura, “criar sensações”.

Depois do desfile atravessámos todos os pisos do espaço descendo a rampa que os une, em velocidade moderada, para permitir todos os cumprimentos que Alexandra Moura ia recebendo pelo caminho, qual celebridade destas andanças da moda nacional. De regresso aos bastidores, num recanto sossegado, a designer explicou que esta coleção se inspira no poema “Credo” de Natália Correia. “Um poema de uma mulher que eu sempre adorei, que admiro imenso e fazia todo o sentido a seguir à coleção do verão, em que eu falava de seres que vinham para ajudar a ganharmos força, ela é, claramente, uma mulher que me ajuda a ganhar força.”

A inspiração não foi diretamente na figura da escritora, mas sim no que ela transmite a Alexandra Moura. “Ela desconstruía as coisas, criava um novo mundo para quem a ouvia, e a coleção também desconstrói peças e cria novas peças, novas formas de abotoamento, novas formas de as vestir, de as pormos no corpo, de as desarranjarmos.” A designer bebeu da liberdade que apregoava a sua musa e, para criar esta coleção, gozou de uma liberdade criativa como nunca, sem se deixar “prender” por preocupações de mercado ou de opiniões.

Vimos sportswear, vestidos assimétricos com folhos, conjuntos clássicos desconstruídos e até lenços nas cabeça das modelos que foram não só toques de ruralidade como memórias de infância. O padrão que vemos nesta coleção resulta diretamente de palavras e analogias que a própria Alexandra Moura diz sentir. Ao longe parecem flores, mas escondem-se muitos mais elementos, como sacos de plástico, o monograma da marca, asas de anjo. “São todas coisas de que o poema acaba por falar, ou sensações que o poema me traz”.

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Na passerelle, vários looks davam a sensação de terem saído da chuva e a roupa parecia molhada propositadamente, com a ajuda de gabardinas e de uma malha com efeito brilhante, assim como os cabelos e a maquilhagem. “São mulheres empoderadas que andam à chuva, que passaram pelas intempéries todas e conquistaram o seu lugar no mundo.” E isto leva-nos de volta à banda sonora original criada pelo produtor Olly que está em Los Angeles, mas tem raízes açorianas, tal como Natália Correia era natural da ilha Terceira. Olly regressou às origens para criar uma sonoridade minimal e sensorial, ou mais especificamente, “uma existência muito profunda de sons dos Açores” com direito a trovoada, chuva, vento e rajadas. “Estivemos com as nossas sete horas de diferença, constantemente, a construir a música em conjunto.”

Os astros alinharam-se e a coleção de Alexandra Moura chegou à passerelle numa altura em que passam 30 anos da morte de Natália Correia e em que chega às bancas uma biografia sua. No entanto, a designer já se anda a dedicar ao poema “Credo” desde que estava a fazer a coleção anterior, a de verão.

30 anos sem Natália Correia, a mulher da língua de fogo

A caminho da praia com Maria Gambina

Maria Gambina apresentou uma coleção que foi como um convite para ir à praia. Afinal, apesar de estarmos a conhecer as propostas para o próximo inverno, a designer trouxe a esta edição a sua coleção para o verão de 2023, “Blues”. Camisas, calções e saias rodadas midi num leve tecido azul claro foram um convite às férias e aos momentos de descontração e até havia camisolas e minissaias em malha e em cores de gelado (rosa, laranja e castanho), para o aconchego. Parecia que só faltavam mesmo as riscas e elas lá apareceram, em branco e verde relva. Dúvidas houvesse se o público estava a ser desafiado para um passeio à beira mar no inverno, o facto de todos os modelos desfilarem de chinelos confirmou que a coleção foi mesmo pensada já para a próxima estação quente.

Ganga, esculturas e tons fluorescentes: os senhores que se seguiram

O começo da nova coleção da Huarte coincidiu com o fim de uma relação de Victor Huarte e, por isso, “a coleção tem uma parte muito emocional”. Havia que deixar para trás certezas que tinha como adquiridas e definir novos objetivos. “Não quero fazer um drama.” Antes pelo contrário diz-nos que esta “é uma coleção forte”. A ganga assume o papel de esqueleto da coleção e na passerelle isso foi notório, com peças tanto no clássico azul, como com tingimentos de outras cores. Até vimos um par de calças usado ao contrário, com a braguilha atrás e os bolsos de chapa à frente.

Mas a coleção , que tem o nome de uma música do grupo The Gift, “Clássico”, contou ainda com várias peças em malha, como tops e minissaias com losangos num estilo que poderíamos chamar de “preppy atrevido”. Foi difícil conseguir falar com Victor Huarte tantas eram as pessoas que o queriam cumprimentar no final do desfile. O designer espanhol a viver no Porto diz que tem um trabalho que o enriquece muito e atualmente desdobra-se entre a marca com o seu nome e o departamento masculino da Salsa.

À noite, tal como havia acontecido na sexta-feira, um jantar do Portugal Fashion levou convidados e imprensa para um outro ponto da cidade. A escapadinha tinha como destino o estúdio da dupla Ernest W. Baker (que deram recentemente uma entrevista ao Observador), uma simpática casinha com dois pisos, uma sala onde se podiam ver “arquivadas” uma série de peças em malha numa estante, bem como bijuterias, muita roupa em dois longos cabides e infinitas caixas de sapatos. Na parte de trás um pequeno terraço convidava a dois dedos de conversa e no primeiro andar peças da mais recente coleção estavam expostas e dividiam protagonismo com os petiscos que preenchiam uma mesa.

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Como manda a tradição, o evento atrasou e também o desfile que se seguia no calendário, o de Davii. Quando os convidados do jantar chegaram à sala de desfiles já os lugares estavam quase todos preenchidos e tudo estava a postos. Música no ar e arrancou o desfile. Uma série de esculturas em tecido, como o designer brasileiro com atelier no Porto desde 2017, gosta de lhes chamar. Uma série de looks femininos que combinavam peças em tecidos esvoaçantes e outras num material estruturado tipo pele. No final do desfile falámos com Davii para perceber a sua inspiração e o designer explicou que as suas coleções são criadas “à base da intuição”.

O tecido é sempre o ponto de partida, primeiro corta-o e depois trabalha-o sob o método da moulage, ou seja, construir o vestido num manequim e não através de moldes. “É como se fosse uma escultura.” Quanto aos óculos escuros que todas as modelos usaram, Davii explica: “Hoje vivemos num mundo em que não interagimos com quase ninguém, então os óculos escuros deixam a gente um pouco mais focada”, assim como também servem para proteger, não permitindo que se veja para onde a mulher está a olhar.

Quem assistiu ao desfile de David Catalán poderia pensar que, certa noite, no escuro do seu atelier, os marcadores fluorescentes ganharam vida e tomaram de assalto os desenhos da coleção do designer. Mas não. Catalán, explica ao Observador, gosta de trabalhar cor, mas tem vindo a fazê-lo menos, por isso nesta coleção mandou o autocontrolo às urtigas e atirou-se de cabeça nos tons fluorescentes. “Vamos ser uns malucos. Acho que é muito a minha cara.” Do verde alface ao verde ácido, passando pelo laranja todos são poderosos e pintaram diferentes peças de vestuário. O amarelo ficou reservado para peças em malha, mas não gozou do potencial vibrante das primeiras cores.

Os tons fluorescentes não foram apenas um grito de irreverência, estão muito ligados aos temas que inspiraram a coleção, os anos 2000 e as raves, misturados com as raízes do designer. Diz que gosta de criar “uma antítese andante”. Ou seja: “Gosto de pegar em coisas de alfaiataria e dar detalhes de rave, mais modernos, com tecidos fluorescentes. E fazer ao contrário. Peças mais de rave, mais jovens, com tecidos de alfaiataria.” Por isso no ADN da marca estão incluídos a alfaiataria oversize, a ganga azul e colorida e ainda referências vintage. Nas passerelle, os tons fluorescentes não deixaram passar despercebido este desfile, mesmo que atenuadas por cores neutras em busca de equilíbrio. Um verdadeiro exército masculino vestido para todas as ocasiões e com a energia vitamínica da cor tratou de encerrar mais uma edição do Portugal Fashion.

Este último dia de desfiles contou ainda com as propostas de Sophia Kah, Hugo Costa e Duaba Serwa (no âmbito da parceria Canex).

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