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Gritar “Glória à Ucrânia” num campo de reeducação russo tem consequências. Vitaly descobriu-o quando viu duas crianças ucranianas a serem levadas pelos funcionários do centro. Não voltou a vê-los. De regresso a casa, depois de ser resgatado pela Save Ukraine, continua sem saber o que lhes aconteceu.

Vitaly faz parte de um grupo de 17 menores ucranianos que a Save Ukraine conseguiu devolver esta semana às famílias. “Estão cansadas da viagem longa e do stress prolongado, mas felizes de estar agora em casa, de volta à pátria”, disse esta quinta-feira a organização, que gere uma rede de entidades que trabalham para proteger as crianças ucranianas e as famílias afetadas pela guerra.

A Save Ukraine disse num comunicado publicado nas redes sociais que os menores, da região de Kherson e Kharkiv, foram deportados durante o período em que estes territórios estiveram sob ocupação russa. Durante esse período foram transferidas para a Federação Russa ou para outras zonas sob controlo das forças russas.

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Durante o tumulto da ocupação as crianças ficaram albergadas em centros russos, que o Kremlin descreve como “campos de férias”. No entanto, quando os territórios de origem foram libertados pelas tropas ucranianas, os menores não foram devolvidos às famílias. De facto, apesar de a cidade de Kharkiv ter sido libertada em setembro e Kherson em novembro, só esta quarta-feira é que as crianças foram devolvidas ao território controlado pelas autoridades ucranianas.

“Estamos muito felizes que tudo tenha corrido bem e que as famílias possam agora descansar e recuperar do trauma mental difícil”, disse a Save Ukraine.

As mentiras, agressões e as ameaças

Ao sair da carrinha da Save Ukraine, Vitaly foi recebido pela mãe, Inessa, que aguardava com as restantes famílias a chegada do grupo de crianças. Depois de uma receção calorosa, o jovem deu testemunho sobre as condições dos campos em que foram mantidos pelos russos.

Em declarações a um meio de comunicação local, citado pelo jornal independente russo Meduza, o rapaz revelou que as crianças que admitiram apoiar a Ucrânia eram sujeitas a castigos corporais. Os funcionários do centro terão usado uma espécie de bastão de metal para os agredir.

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“Uma rapariga foi atingida nas costas. Ela ficou com um hematoma”, revelou. Segundo o rapaz, as agressões partiam de Astakhov, um funcionário responsável pela segurança do centro “que se imaginava como um rei”.

As consequências do apoio à Ucrânia ou aos seus militares não ficava por aí, recordou. “[Um dia] estávamos sentados no corredor e uma criança gritou ‘Glória à Ucrânia’. Alguém respondeu: “Glória aos heróis’. Depois disso foram levados e não sei o que lhes aconteceu“, contou.

O rapaz disse ainda que os funcionários do campo mentiam às crianças. Diziam que a cidade de Kherson continuava nas mãos dos russos, mesmo após a sua retirada. Garantiam também que os menores tinham sido abandonados pelas famílias. Também havia ameaças de que seriam transferidos para um internato em Pskov, onde seriam adotados por famílias russas.

Investigadores norte-americanos da Universidade de Yale denunciaram que Moscovo mantém menores ucranianos em 43 centros, dos quais 41 foram usados no passado para acampamentos de verão infantis. Destas instalações, 78%  “realizam alguma forma de reeducação de menores ucranianos, principalmente de áreas como Donetsk e Lugansk”, referem num relatório divulgado em março.

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A investigação, financiada pelo Departamento de Estado norte-americano, apontou que mais de 6.000 menores ucranianos, entre os quatro meses e os 17 anos, foram enviados pela Rússia para campos de reeducação ou para o sistema de adoção russo.

As autoridades ucranianas têm denunciado desde o início da invasão a deportação de crianças para a Rússia e territórios sob ocupação. Em resposta, o Tribunal Penal Internacional (TPI) lançou uma investigação e, na semana passada, emitiu um mandado de captura contra o Presidente russo, Vladimir Putin, e a comissária de Direitos para as Crianças, Maria Lvova-Belova.

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Não são conhecidos os detalhes dos casos que a acusação enviou para os juízes do TPI e que motivaram a emissão destes mandados de detenção. No entanto, o procurador-geral do tribunal, Karim Ahmad Khan, revelou que centenas de crianças ucranianas foram retiradas de orfanatos e das próprias casas, sendo levadas para a Rússia e muitas delas introduzidas no sistema de adoção do país.