Os artistas transgénero são um dos alvos dos rastreios de voz que decorrem durante esta semana no Hospital Egas Moniz, em Lisboa, porque muitos têm desconforto vocal ou sentem que a voz destoa do próprio corpo.
Os rastreios começaram na segunda-feira e prolongam-se até sexta-feira, dia 14, uma vez que esta semana antecede o Dia Mundial da Voz, que se assinala a 16 de abril, domingo. São realizados na Unidade de Voz do Hospital Egas Moniz, mas promovidos pela Gestão dos Direitos dos Artistas (GDA) e respetiva Fundação.
Em declarações à agência Lusa, a coordenadora da Unidade de Voz, e otorrinolaringologista especializada na voz artística, explicou que estes são rastreios abertos a toda a população, mas sobretudo para quem faz da voz a sua profissão.
“As pessoas que profissionalmente precisam da sua voz têm todo o interesse em fazer o rastreio, assim como algumas patologias ou alguns abusos, como os fumadores”, disse Clara Capucho.
Apontou que não podiam deixar de destacar a voz das pessoas transgénero, por ser “uma voz em que a maior parte da população sente um desconforto vocal e sente-se, em termos de saúde física e psíquica, muito afetada”.
“Por a sua voz não condizer com o seu próprio corpo”, frisou.
Nesse sentido, sublinhou que o objetivo é “ajudar tudo o que é voz e para recuperar”.
“Para a pessoa, sabendo que a sua voz é a sua identidade, se identificar com ela e se sentir bem no seu dia-a-dia“, referiu Clara Capucho.
A médica sublinhou também que o Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, onde se insere o Hospital Egas Moniz, tem uma consulta multidisciplinar para pessoas transgénero com diferentes especialidades, sendo uma delas a de otorrino na voz.
De acordo com a especialista, o tratamento hormonal a que muitas das pessoas transgénero se sujeitam na sua mudança de género “começa logo a dar uma alteração vocal”, mas só isso pode não ser suficiente para que a pessoa se identifique com a sua própria voz.
“Não é suficiente até porque fisicamente muitas vezes também temos de entrar na parte estética da parte cervical, na chamada maçã-de-adão, e, por outro lado, a caixa vocal de um homem é sempre substancialmente maior do que de uma mulher. Na mulher transgénero nós temos de diminuir a glote e, portanto, há uma série de procedimentos que têm de ser feitos que são muito delicados, têm que ser muito bem feitos, para podermos produzir o efeito que se quer para a própria pessoa se sentir bem com ela própria e a sua voz passar a ser a sua identidade”, explicou.
Acrescentou que estas cirurgias acontecem no âmbito de um protocolo que estabelece, desde logo, uma triagem prévia na consulta de sexologia/psiquiatria para definir o percurso de transição e posterior interação com outras especialidades, como a endocrinologia ou terapia da fala.
Salientou que quando há a parte hormonal dá-se uma alteração na voz, mas isso acaba por não ser suficiente para a pessoa transgénero se identificar com a sua voz, uma vez além da cirurgia ou da terapia da fala é também necessário que a pessoa diga qual é a voz se ajusta a si.
Revelou também que ainda durante este ano será amplificada a consulta de voz para pessoas transgénero, dando-lhe uma abordagem “mais profunda”.
A especialista disse que “cada pessoa é um caso”, razão pela qual “a abordagem da unidade de voz é muito importante”.
De acordo com a médica Clara Capucho ainda é possível fazer inscrição para o rastreio desta semana — através do site www.fundacaogda.pt/dia-mundial-da-voz-registo —, estimando atender cerca de 40 pessoas por dia.
No dia 12 de abril haverá também rastreios no Coliseu do Porto, estando ainda previstas várias iniciativas para assinalar o Dia Mundial da Voz, entre um espetáculo na Academia das Artes do Estoril, no dia 15, um espetáculo no Teatro Garcia Recendo, em Évora, no dia 16, além de duas conferências sobre a importância da voz nos dias 18 e 21 de abril.