O terceiro dia do julgamento dos dois ex-fuzileiros, Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko, acusados da morte do agente da PSP Fábio Guerra, começou esta quinta-feira com o esclarecimento de um dos arguidos, que quis voltar a sublinhar o que já tinha dito esta terça-feira, no primeiro dia de julgamento. “Nunca tive a perceção de que eram polícia. Só depois de sairmos de lá”, disse Cláudio Coimbra. Com a sala cheia, à semelhança daquilo que tem acontecido nos últimos dias, a juíza perguntou a Cláudio Coimbra se tinha mais alguma coisa a dizer e, com o advogado Miguel Santos Pereira, a acenar com a cabeça, o arguido disse que não e sentou-se.

Este esclarecimento surgiu depois de os agentes da PSP que estavam com Fábio Guerra garantirem, esta quarta-feira, que pelo menos dois deles se identificaram como agentes. “Corri para o local, levantei os braços e disse: polícia, parem, parem”, garantiu Rafael Lopes. Também Leonel Moreira confirmou que disse “bem alto e de forma audível” que era polícia. “Falei alto, agarrei-o (a Cláudio Coimbra) e afastei-o da vítima e disse: sou polícia”. E, nessa altura, Cláudio Coimbra “respondeu que não tinha nada a ver com isso”. “E dá-me um soco”, acrescentou. Mas os dois arguidos, que estão agora acusados de um crime de homicídio qualificado, três crimes de ofensas à integridade física qualificadas e um crime de ofensas à integridade física simples, continuam a negar. Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko são antigos fuzileiros e estavam os dois colocados na Base Naval do Alfeite, em Almada, quando aconteceram os crimes de que são acusados.

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Em menos de meia hora, entrou na sala o jornalista Henrique Machado, que foi chamado pela defesa de Cláudio Coimbra e que não esteve na madrugada de 19 de março na discoteca MOME, em Lisboa, mas o tribunal não deixou que Miguel Santos Pereira continuasse a fazer perguntas ao jornalista:

– O senhor tinha conhecimento dos factos (quando falou sobre o caso)? 

– Esta pergunta não vai ser feita aqui. O que o senhor jornalista disse é irrelevante para este tribunal. A pergunta não é relevante. O tribunal cumpre a lei e o que o senhor jornalista disse não faz aqui prova. 

O jornalista saiu e rapidamente entrou mais uma testemunha, desta vez chamada pela acusação. Mas a inspetora Nádia Duarte, que acompanhou este processo, ainda teve de esperar para começar a responder às perguntas do Ministério Público. A defesa de Cláudio Coimbra apresentou um requerimento contestando o testemunho desta inspetora, já que entendia que, tal como o jornalista, esta também não assistiu aos factos.

“Permitir que a senhora inspetora possa prestar aqui o seu depoimento é obviamente violar a igualdade de armas da defesa”, disse Miguel Santos Pereira. No entanto, a espera não demorou e logo a juíza determinou que o requerimento não seria aceite e Nádia Duarte começou a falar e explicou o processo da investigação: “Fui chamada ao local, fizemos algumas diligências iniciais, com pessoas que tinham assistido aos factos. As pessoas estavam com a memória fresca e recolhemos as imagens de videovigilância. ”

“O Cláudio leva um soco e duas pessoas dão-lhe dois pontapés na cabeça”

Cláudio Pereira foi quem esteve com os dois arguidos dentro da discoteca MOME e com quem terá começado a confusão que resultou na morte de Fábio Guerra. Testemunhou logo na terça-feira, no primeiro dia de julgamento, e, esta quinta-feira, foi a vez de Pedro Costa, jovem que estava com Cláudio Pereira na discoteca. Esta testemunha, que falou por videoconferência, contou que saiu mais cedo da discoteca, tendo ficado a descansar no carro. “Tudo começou quando o Cláudio me ligou a dizer que tinha sido agredido dentro da discoteca sem motivo aparente”, disse, acrescentando que o amigo tinha sido expulso da discoteca e que tinha um arranhão na testa e um golpe no nariz.

Quando Pedro Costa já estava novamente à porta da discoteca, o amigo “vai na direção do Cláudio Coimbra”. E deu-lhe um murro. A confusão começou e “Cláudio (Pereira) cai no chão”. “O Cláudio leva um soco e duas pessoas dão-lhe dois pontapés na cabeça”, continuou a contar Pedro Costa, à medida que ia vendo as imagens daquela madrugada. Depois desse momento, Pedro Costa diz que tentou proteger o amigo, levando-o depois para longe daquele sítio e garantiu que só percebeu que estavam naquele local agentes da PSP quando viu as notícias.

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A mesma versão contou Gonçalo Vieira, também amigo de Cláudio Pereira. “Consegui ver o Cláudio ser agarrado por um segurança e vi-o a ser expulso”, contou, referindo-se a um episódio ainda dentro da discoteca. Já fora daquele espaço, lembra-se de ver o amigo que dizia ter sido agredido a sangrar na testa. “Estava a fumar um cigarro. Lembro-me de ver os dois rapazes (os dois arguidos) à porta, a sorrir. Parecia que havia um clima de amizade com os seguranças”, acrescentou. E, neste momento, a juíza precisou de intervir, já que os amigos dos dois arguidos, que têm acompanhado o julgamento desde o primeiro dia, fizeram algum barulho.

Quando Cláudio Pereira estava já no chão, Gonçalo Vieira lembra-se de Pedro Costa estar a proteger o amigo e, depois de ver Cláudio Pereira no chão foi “ver o outro rapaz que supostamente era o Fábio Guerra”. Nessa altura, estariam já os colegas do agente, gritando “acorda, Guerra”. “Peguei no meu amigo e fui para casa”, disse Gonçalo Vieira. Mas antes de terminar o seu testemunho, Gonçalo Vieira  ainda acrescentou: “Lembro-me de ver um segurança com os braços no ar em jeito de festejos, quando aquilo tudo acabou”.

Em situações limite “eu nunca puxei da carteira para me identificar”. E a PJ diz ter tempo para esperar que Clóvis se entregue

A família e amigos dos dois arguidos e de Fábio Guerra regressaram à sala do Tribunal Criminal de Lisboa já para a segunda parte da terceira sessão deste julgamento e foi a vez de ouvir Luís Neves, diretor nacional da Polícia Judiciária. Aqui, a questão continuou a ser a identificação dos agentes da PSP. Há situações em que um polícia pode não se identificar? É sempre obrigado a mostrar a identificação? “Há matérias que estão mais ou menos protocoladas. Mas posso dizer que nem todas a situações são iguais. Em vários momentos da minha vida, uma delas como diretor da unidade, tive várias ocasiões em que me identifiquei como polícia. Há matérias que estão protocoladas, mas há situações que são ultrapassadas”, justificou Luís Neves.

“Polícia, logo”, acrescentou o diretor nacional da PJ, ao mesmo tempo que levantava os braços para mostrar o que é provável que se diga e faça numa situação considerada limite, como a que aconteceu na discoteca, no ano passado. “Eu nunca puxei da carteira para me identificar” em “situações imprevistas”, acrescentou. Entre perguntas do Ministério Pública e da defesa, explicou ainda que “polícia é ação rápida”. “Não é preciso termos um tratado, são reflexos.”

Já à saída da sala do tribunal, aos jornalistas e fora do olhar do coletivo de juízes, Luís Neves aproveitou para explicar o caso de Clóvis Abreu, que ainda não foi localizado. Segundo o Ministério Público, este terceiro elemento esteve envolvido nas agressões, mas não terá agredido Fábio Guerra. “Nós não vamos desistir e temos uma coisa que nem todos têm, que é tempo”, disse o diretor nacional da PJ, criticando o advogado de Clóvis, Aníbal Pinto, que indicou no primeiro dia de julgamento que o jovem estava pronto para se entregar.

“Mas o Ministério Público vai notificar para que morada? Se o Clóvis e a sua defesa entender, quando quiser apresentar-se às autoridades, apresentar-se-á”, acrescentou. E aproveitou ainda para deixar outro recado ao advogado de Cláudio Coimbra, que recentemente representou o antigo padre do Funchal Anastácio Alves, que tentou apresentar-se diretamente na Procuradoria-Geral da República (PGR), tal como noticiou na altura o Observador: “Qualquer advogado sabe que o seu constituinte, se se quiser apresentar à justiça, sabe como o deve fazer. Não o deve levar à PGR, como já aconteceu recentemente numa determinada situação. Vai ter ao MP titular do inquérito ou à PJ”.

“Eles não tinham muita consciência do que aconteceu. Foram embora na boa”

A defesa quis ainda ouvir o capelão da Base Militar do Alfeite, Licínio Luís, que conhece os dois arguidos e que esteve com eles quando exerciam funções como fuzileiros. “Eles não tinham muita consciência do que aconteceu. Foram embora na boa”, disse Licínio Luís, tentando justificar aquilo que aconteceu na madrugada de março do ano passado. “Eles foram atacados. Se sou atacado, defendo-me. Alguém lhe dá três murros, o que é que fazem? Defendem-se.”

Na altura dos crimes, o capelão da Base Militar do Alfeite fez uma publicação no Facebook, que levou à intervenção do chefe da Marinha, Gouveia e Melo. “O senhor almirante que aguarde pela Justiça. Julgar sem saber não corre nada bem”, escreveu. Depois destas palavras, Licínio Luís foi afastado das suas funções e, pouco tempo depois, foi readmitido. E, esta quinta-feira, quis também explicar essa intervenção nas redes sociais, admitindo que não estava em causa um ataque a Gouveia e Melo.