Empresas em Cabo Verde cobram mais de 180 euros só para agendar pedidos de vistos para Portugal, serviço ilegal denunciado pelas autoridades portuguesas, que lembram que o processo é gratuito na única empresa contratada para o efeito.
Portugal tem alertado, e cada vez de forma mais incisiva, para o “açambarcamento” de vagas para pedidos de vistos em Cabo Verde, e a voz mais recente foi a do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Paulo Cafôfo, que apelou, na Praia, à denúncia, admitindo o recurso a meios alternativos para minimizar o impacto destas ações que considera ilegais.
Numa ronda por algumas agências na cidade da Praia, a Lusa constatou que várias empresas estão a cobrar valores diferenciados para realizar esse serviço, que podem ir dos 1.000 escudos (nove euros) aos 20 mil escudos (181 euros), podendo aumentar em caso de prestação de outros serviços no âmbito do processo.
Contudo, este agendamento é gratuito, através da página na internet da VFS Global, empresa externa que há oito meses processa os pedidos de vistos de trabalho, estudo, tratamento médico e reagrupamento familiar de Cabo Verde para Portugal.
Uma empresa no bairro do Palmarejo avançou que recebe 5.000 escudos (45,8 euros) somente para fazer o agendamento e caso a pessoa queira alguma ajuda para tirar e organizar alguns documentos, o preço sobe para 13 mil escudos (119 euros), disse à Lusa um funcionário.
Se todo o processo ficar a cargo da agência, esta dá seguimento a outros documentos, como termo de responsabilidade, declarações e seguro de viagem, reserva de hotel, tudo num valor de 50 mil escudos (458 euros), e garantem que podem até arranjar pessoas para assinar o termo de responsabilidade em Portugal. E para tudo isso o requerente deve ter ainda uma quantia superior a 150 mil escudos (1.375 euros) na conta pessoal.
A mesma empresa deu conta que são muitos os processos que tem em cima da mesa, mas não consegue fazer todos os agendamentos solicitados pelos clientes porque há outros concorrentes no mercado que conseguem mais vagas, admitindo que há mais rapidez nas empresas externas do que no site da VFS Global, empresa responsável por esta gestão, selecionada pelas autoridades consulares portuguesas.
“Antes não havia muitas pessoas a pedir vistos, eu fazia marcação sem nenhum problema e a qualquer hora, e até sobravam vagas porque a procura não era muito. Atualmente o processo ficou difícil porque apareceram muitas pessoas e muitas empresas a fazer esse serviço e a cobrar o preço que entenderem. Eu tenho muitos passaportes e documentos aqui, e às vezes demoram mais de dois meses para eu conseguir as vagas, porque tenho outros concorrentes”, declarou a responsável da agência.
Semelhante a esta, a Lusa encontrou outras pessoas em Palmarejo, na cidade da Praia, a cobrar 10 mil escudos (91,6 euros) apenas para conseguir fazer uma marcação e outra que recebe 1.500 escudos (13,7 euros) no caso de visto de estudante e 2.000 escudos (18,3 euros) para realizar agendamento de vistos de trabalho.
Numa empresa no bairro de Achada de Santo António, o mais populoso da Praia, para fazer o agendamento de visto de trabalho — obrigatoriamente através da página da VFS — para Portugal e a organização dos documentos é preciso pagar 14.500 escudos (132,8 euros), enquanto as vagas através da página da empresa oficial são recorrentemente inexistentes, alegadamente devido ao açambarcamento das mesas por estas empresas.
O processo decorre num período de 15 a 20 dias, ou seja, nesse intervalo as empresas que atuam externamente de forma ilegal, ao cobrar estes valores, consegue fazer todos os procedimentos, inclusive há algumas que, através de uma procuração, fazem a entrega dos documentos na VFS Global e posteriormente também fazem o levantamento do passaporte, com ou sem visto.
Desde agosto de 2022 que o agendamento e triagem dos pedidos de vistos nacionais da Embaixada de Portugal na Cidade da Praia são feitas pela VFS Global – Visa Facilitation Services, um prestador de serviços internacional, já usado em mais de 40 postos consulares portugueses em todo o mundo.
Os agendamentos para entrega de vistos são feitos exclusivamente através da página de internet da empresa, a quem também caberá a “gestão e disponibilização regular de vagas” para esse efeito, enquanto os custos destes serviços são suportados pelos requerentes.
De acordo com a informação disponibilizada pela VFS, ao requerente é cobrada uma “taxa de serviço” de 4.440 escudos (40 euros), “por pedido, para além das taxas de visto” [9.924 escudos — 90 euros], valor “não reembolsável”.
A contratação da empresa externa visa aumentar a capacidade e implementar o acordo de mobilidade da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP), mas a decisão final sobre a atribuição de visto continua a ser das autoridades portuguesas.
Em março, o novo embaixador de Portugal em Cabo Verde, Paulo Lourenço, sublinhou que o agendamento para pedidos de vistos é gratuito e alertou para o “efeito pernicioso” dos intermediários no processo.
Durante uma visita a Cabo Verde, em que inaugurou as novas instalações do Centro Comum de Vistos (CCV), gerido por Portugal e que desde 2010 emite vistos de curta duração para o espaço Schengen em representação de 19 países europeus, o secretário de Estado reforçou o alerta e pediu a denúncia dos casos e investigação das autoridades competentes.
“Temos uma preocupação grande, nomeadamente, com a captura de vagas ou açambarcamento de vagas [para pedidos de visto], que é um problema que não é de agora, é um problema que não é só aqui em Cabo Verde, nem só um problema na rede consular portuguesa, porque outros países também se queixam dessa captura de vagas em sistemas parecidos com esta plataforma de agendamento que nós temos. Mas isso não significa que nós não encaremos isto com muita determinação e muita responsabilidade e com o compromisso de tentar minimizar este impacto”, afirmou.
Segundo o governante, Portugal está, no entanto, a trabalhar em soluções técnicas do ponto de vista informático que possam limitar essa prática que considera ser abusiva.
“Porque estes atos são gratuitos e é como gratuitos que devem ser prestados e não que se aproveite das pessoas e dos cidadãos para poder ganhar dinheiro, às vezes numa situação mesmo ilegítima ou ilegal”, prosseguiu.